tomar um café da manhã na casa
da infância de Adélia prado
(o olho de esguelha
no pai de Adélia
a ver se era mau)
voltar aos anos vinte
pra almoçar com Fernando pessoa
em algum restaurante barato e discreto
perguntar mais do que as cartas
sobre Ofélia
perguntar se amava-lhe mais
a robustez dos braços
ou o nome afogado
tentar chegar a Ítaca
montado numa bicicleta
furtada de algum filme
de jacques tatit
e se não for lá isso tudo
voltar e declarar
o enfraquecimento do mito
tarde da noite ligar para ana cristina César
mijar de cima de um poste
observar os garotos alados na noite
de São Paulo
cerveja na mão como se chama?
eu me chamo roberto piva
rodar o Rio até se deparar
com a beira da praia
ou com rubem braga
alta noite, piscar para
a lua leminskiana
sem lume e sem namorado
& já bêbado e moribundo
bater cansado à porta de Adília lopes
em busca de amorosos conselhos
22 de dezembro de 2019
9 de dezembro de 2019
31 de outubro de 2019
preciso ser breve, essa página aqui foi tudo que consegui. o meio de um livro de poemas não é o melhor jeito de isso chegar a você mas é só o que pude fazer. agora que já não podemos nos encontrar nos antigos espaços
& falamos aqui desse pós-mundo
apesar do teu nome, da sua etnia, do seu local de origem, apesar de sua conta bancária e arcada dentária e programas de tv preferidos e práticas íntimas e posições ideológicas e formas de retirar o cheiro que o corpo suado exala sobretudo em quentes sábados de esperas infundadas
gosto de ti
há os crimes e toda sorte de deslize moral.
tanto tanto que gosto de ti
há a padronização programada de tudo
do botão da roupa ao desejo de fuga
acima e abaixo disso gosto muito de ti
há a linguagem e tudo que ela não pode abarcar e que mesmo assim existe
a despeito das questões biológicas
do vírus que, sem célula, consegue rir em nós
pelos teus ossos me sinto atravessado
respiro mal à noite
faleço às vezes pra ser carregado por ti por muitos meses depois quando acordo não agradeço
*IMPORTANTE*da próxima vez voltarei no verso do rótulo do requeijão que você sempre compra desculpe o trabalho foi o único plano que consegui pagar na agência existisse amor diria que a amo muito
& falamos aqui desse pós-mundo
apesar do teu nome, da sua etnia, do seu local de origem, apesar de sua conta bancária e arcada dentária e programas de tv preferidos e práticas íntimas e posições ideológicas e formas de retirar o cheiro que o corpo suado exala sobretudo em quentes sábados de esperas infundadas
gosto de ti
há os crimes e toda sorte de deslize moral.
tanto tanto que gosto de ti
há a padronização programada de tudo
do botão da roupa ao desejo de fuga
acima e abaixo disso gosto muito de ti
há a linguagem e tudo que ela não pode abarcar e que mesmo assim existe
a despeito das questões biológicas
do vírus que, sem célula, consegue rir em nós
pelos teus ossos me sinto atravessado
respiro mal à noite
faleço às vezes pra ser carregado por ti por muitos meses depois quando acordo não agradeço
*IMPORTANTE*da próxima vez voltarei no verso do rótulo do requeijão que você sempre compra desculpe o trabalho foi o único plano que consegui pagar na agência existisse amor diria que a amo muito
18 de outubro de 2019
bilhete
contente por estarmos no mesmo século
poder gostar e desgostar-se
ser estranho e ridículo um ao outro
cruzar numa esquina e surpreender no passante um bocejo
mais nada
ou talvez também o desejo de bocejar e dormir
não mais que cruzar a esquina
que seja duas
cruzar duas esquinas cruzar três cinco esquinas juntos sendo isso admissível
que seja se conhecer e se amar e julgar e servir
que sejam
ver-te muito moça ou muito idosa na arquibancada do seaworld
aplaudindo um belo salto ou acionando os explosivos para demoli-lo
em algum documentário a favor ou contra a execução de animais
ser figurante na novela das 9 numa cena que vc vê de relance
na padaria numa cidade em que você está de passagem
poder compor uma memória
contente por estarmos no mesmo século
pois isso sim é raro
viver o mesmo tempo de tantos nomes que poderíamos ter sonhado
mas nem sequer chegamos perto
pergunte aos mamutes
poder gostar e desgostar-se
ser estranho e ridículo um ao outro
cruzar numa esquina e surpreender no passante um bocejo
mais nada
ou talvez também o desejo de bocejar e dormir
não mais que cruzar a esquina
que seja duas
cruzar duas esquinas cruzar três cinco esquinas juntos sendo isso admissível
que seja se conhecer e se amar e julgar e servir
que sejam
ver-te muito moça ou muito idosa na arquibancada do seaworld
aplaudindo um belo salto ou acionando os explosivos para demoli-lo
em algum documentário a favor ou contra a execução de animais
ser figurante na novela das 9 numa cena que vc vê de relance
na padaria numa cidade em que você está de passagem
poder compor uma memória
contente por estarmos no mesmo século
pois isso sim é raro
viver o mesmo tempo de tantos nomes que poderíamos ter sonhado
mas nem sequer chegamos perto
pergunte aos mamutes
22 de agosto de 2019
Louvre
afundar
a mancheia
n o e s p a ç o f i n i t o & i n f i n i t o
d e u m s a c o d e f e i j ã o
memória daqueles dias
que sequer deixaram marca
a não ser esta:
& assim aprendo:
há um saber do corpo
a custo e cuspe aprendido
& então sei por que
bailarinas enlouquecem cedo
e médicos bonachões chegam aos 90
abrindo corpos, costurando tecidos
a fornecer dicas das melhores formas
de sugarmos a si e ao mundo por nossos tantos orifícios
memórias do que não tive
porque estava, me lembro, me aprazi
mas na ocasião não pude nomear
& assim lembro
que ontem estive no Louvre
cuja fila infernal nunca peguei nem pegarei
estar contigo:
furar a fila enquanto se carregam
os celulares máquinas dentes todos
& naquele instante preciso em que todo mundo pisca
levantar o saiote de monalisa e surpreender-lhe as coxas
a mancheia
n o e s p a ç o f i n i t o & i n f i n i t o
d e u m s a c o d e f e i j ã o
memória daqueles dias
que sequer deixaram marca
a não ser esta:
cravada por vós
com máximas unhas
sobre a carne
lá onde só os sóis espalmados de tuas mãos batem
& assim conheço
em silêncio, via vós
o pelo de aguerridos animais
prestes a desaparecer
viva voz
viva voz
que nunca ouvi e nunca ouvirei
pela boca suas mãos meu focinho
seus cabelos entre os dentes
seus cabelos entre os dentes
sempre esse eterno retorno de tudo à boca
com sabor de apocalipse
há um saber do corpo
a custo e cuspe aprendido
& então sei por que
bailarinas enlouquecem cedo
e médicos bonachões chegam aos 90
abrindo corpos, costurando tecidos
a fornecer dicas das melhores formas
de sugarmos a si e ao mundo por nossos tantos orifícios
memórias do que não tive
porque estava, me lembro, me aprazi
mas na ocasião não pude nomear
& assim lembro
que ontem estive no Louvre
cuja fila infernal nunca peguei nem pegarei
estar contigo:
furar a fila enquanto se carregam
os celulares máquinas dentes todos
& naquele instante preciso em que todo mundo pisca
levantar o saiote de monalisa e surpreender-lhe as coxas
11 de agosto de 2019
eu ontem vi um filme muito louco: um velho homem e sua filha a habitar o deserto norte-americano, vivendo às custas de um posto de gasolina fodido de tão vazio. por um par de dias ele faz grana sendo papai noel na cidade grande e, nos outros todos dias do ano, não faz porra nenhuma e oprime sua filha - adulta -, cuja única alegria é ver televisão - daquelas pequenas, umas 10 polegadas, e cuja tela é esverdeada - o pai se nega a comprar outra - o dinheiro, sempre o dinheiro. ali pelos 15 minutos a filha decide fugir na carona de um maluco qualquer que passa pelo posto e o pai, puto, papai noel vadio, vai atrás dela na cidade grande. acho que é aí que a história começa em si, não sei, não vi, larguei tudo pra te contar que ontem quase vi um filme aparentemente bem loco & que você deveria ver e se possível não largar como eu, que largo quase tudo ali pelos 15 minuto
larga-se uma semana
um dia um prato uma carreira
a recuperação de um sonho talvez mais complexo que a vida fora dele
uma tarde e um casamento
ali pelos quinze minutos
pra mais tarde assistir no youtube o resumo dos melhores momentos (só as mortes e os nascimentos) a despeito
do mais importante - o recheio
não beleza: complexidade, morrer de ficar perplexo
você rimbaud arrombado
sentado no colo da perplexidade
viver contigo a hora mais medíocre - o recreio
amanhã mesmo vamos à avenida
em horário de pico
com uma bola de volei
atravessando-a até formar um time
parece que estamos no segundo país em que os computadores mais passam tempo nas pessoas
um país em desenvolvimento precisa de doces, de likes
e o presidente é o biscoiteiro mor
um afago de microssegundos
timing perfeito para essa vida de 15 minutos
quando morrer, quererei um bilhão de curtidas sobre minhas cinzas
eu me lembro quando era pequeno e perplexo diante do anúncio da marca de colchões:
"o ser humano passa um terço de sua vida sobre um colchão"
que louca fantasia!
que assunto mais batido, o tempo!
mais que as palavras de amor e trabalho
de 15 em 15 minutos sondando
o que não tem matéria, nem forma, nem fundo
é de um jeito ou outro investigado até que fechamos os olhos e abrimos noutro século
8 horas de sono só para os mortos
isto se não houver obrigações no pós-morte
(alguém precisa desligar as coisas e
limpar tudo antes do vento varrer)
li numa reportagem que em países desenvolvidos é grande a porcentagem de pessoas que creem ter findado o poema e que chegam a julgá-lo perfeito ou odiento até perceber que há uma outra página e talvez mais outra - não há espaço no mundo para doenças reincidentes
dá-me logo o melhor dos teus ataques fulminantes
não li até o fim, não sei, sei por cima
gostava do tempo em que os animais falavam e nos amávamos como bichos
sem filmes, sem celulares, com o sol como referência das coisas
larga-se uma semana
um dia um prato uma carreira
a recuperação de um sonho talvez mais complexo que a vida fora dele
uma tarde e um casamento
ali pelos quinze minutos
pra mais tarde assistir no youtube o resumo dos melhores momentos (só as mortes e os nascimentos) a despeito
do mais importante - o recheio
não beleza: complexidade, morrer de ficar perplexo
você rimbaud arrombado
sentado no colo da perplexidade
viver contigo a hora mais medíocre - o recreio
amanhã mesmo vamos à avenida
em horário de pico
com uma bola de volei
atravessando-a até formar um time
parece que estamos no segundo país em que os computadores mais passam tempo nas pessoas
um país em desenvolvimento precisa de doces, de likes
e o presidente é o biscoiteiro mor
um afago de microssegundos
timing perfeito para essa vida de 15 minutos
quando morrer, quererei um bilhão de curtidas sobre minhas cinzas
eu me lembro quando era pequeno e perplexo diante do anúncio da marca de colchões:
"o ser humano passa um terço de sua vida sobre um colchão"
que louca fantasia!
que assunto mais batido, o tempo!
mais que as palavras de amor e trabalho
de 15 em 15 minutos sondando
o que não tem matéria, nem forma, nem fundo
é de um jeito ou outro investigado até que fechamos os olhos e abrimos noutro século
8 horas de sono só para os mortos
isto se não houver obrigações no pós-morte
(alguém precisa desligar as coisas e
limpar tudo antes do vento varrer)
li numa reportagem que em países desenvolvidos é grande a porcentagem de pessoas que creem ter findado o poema e que chegam a julgá-lo perfeito ou odiento até perceber que há uma outra página e talvez mais outra - não há espaço no mundo para doenças reincidentes
dá-me logo o melhor dos teus ataques fulminantes
não li até o fim, não sei, sei por cima
gostava do tempo em que os animais falavam e nos amávamos como bichos
sem filmes, sem celulares, com o sol como referência das coisas
26 de maio de 2019
pérola negra
tente entender por que como tijolos
- não é difícil -
acordar cedo
e sem metáforas e dinheiro
pro almoço
por-se a caminho da olaria
fazer os tijolos pelos quais
nas horas de folga
pago - e como.
saber pelo rádio que há nações distantes
nas quais se lançam tijolos
sobre tudo que se move,
afeminado e ingênuo,
rebelde e lamacento,
sobretudo contra oleiros que se movem.
tente entender por que como tijolos
apesar de tudo isso
- não é difícil -
comer a pedra angulosa desses dias
porque já nasci assim, no barro.
ouvir dizer que há sites distantes
nos quais se paga
para se debochar uns dos outros, encastelados.
sei que, a princípio, parece difícil
aceitar que se comam
as pedras encontradas pelo caminho
sem construir coisa alguma de valor.
tente entender por que como tijolos.
não é difícil.
- não é difícil -
acordar cedo
e sem metáforas e dinheiro
pro almoço
por-se a caminho da olaria
fazer os tijolos pelos quais
nas horas de folga
pago - e como.
saber pelo rádio que há nações distantes
nas quais se lançam tijolos
sobre tudo que se move,
afeminado e ingênuo,
rebelde e lamacento,
sobretudo contra oleiros que se movem.
tente entender por que como tijolos
apesar de tudo isso
- não é difícil -
comer a pedra angulosa desses dias
porque já nasci assim, no barro.
ouvir dizer que há sites distantes
nos quais se paga
para se debochar uns dos outros, encastelados.
sei que, a princípio, parece difícil
aceitar que se comam
as pedras encontradas pelo caminho
sem construir coisa alguma de valor.
tente entender por que como tijolos.
não é difícil.
22 de maio de 2019
julieta de juliet, romeu no home studio
os capuleto tão puto:
julieta tá de juliet
dando rolê sem avisar quando
coitados dos montecchio:
há muito não veem romeu,
trancando no home studio
julieta trabalha de manhã
e à noite estuda
faz design, faz letras
depois muda
um semestre de medicina
dois de engenharia
atura só as primeiras matérias
cálculo 1 história da loucura anatomia
com o saber básico de fundações
constrói uma microcasa
que cai todo dia
quando acorda pela manhã
julieta mora lá onde os amigos não chegam
e acorda sempre na mesma hora
esta em que nenhuma música combina
e por isso muda e muda e muda
até surgir uma mais ou menos de que gosta
e então printa, edita e posta
renascentista pós-moderno
romeu faz de tudo um pouco
mas tudo que faz
fica meio merda
estuda pinta e borda
cozinha xadrez
compõe beat trap
faz música erudita
trancado no studio conta as estrelas
fantasia a teoria de uma terra plana
elabora um possível domo, mede a borda
lê os beats e compra bitcoins
faz fotografia edita e posta
e a despeito de tantas recompensas
ele acha - sem ofensas -
os likes as coisas que diz os beats que faz
uma bosta
julieta de juliet, romeu no home studio
eles até se conhecem
curtem fotos um do outro
mas nunca saem juntos
quando julieta tá viva, romeu tá morto
quanto romeu tá a fim, julieta tá morta
ela então põe a juliet
& se joga pra rua pulando a sacada
ele então tranca a porta
& compõe pra seu gato uma serenata
os capuleto tão puto:
julieta tá de juliet
bebendo veneno e fudendo sem avisar onde
coitados dos montecchio:
há muito não veem romeu,
fumando e fudendo teobaldo no home studio
julieta tá de juliet
dando rolê sem avisar quando
coitados dos montecchio:
há muito não veem romeu,
trancando no home studio
julieta trabalha de manhã
e à noite estuda
faz design, faz letras
depois muda
um semestre de medicina
dois de engenharia
atura só as primeiras matérias
cálculo 1 história da loucura anatomia
com o saber básico de fundações
constrói uma microcasa
que cai todo dia
quando acorda pela manhã
julieta mora lá onde os amigos não chegam
e acorda sempre na mesma hora
esta em que nenhuma música combina
e por isso muda e muda e muda
até surgir uma mais ou menos de que gosta
e então printa, edita e posta
renascentista pós-moderno
romeu faz de tudo um pouco
mas tudo que faz
fica meio merda
estuda pinta e borda
cozinha xadrez
compõe beat trap
faz música erudita
trancado no studio conta as estrelas
fantasia a teoria de uma terra plana
elabora um possível domo, mede a borda
lê os beats e compra bitcoins
faz fotografia edita e posta
e a despeito de tantas recompensas
ele acha - sem ofensas -
os likes as coisas que diz os beats que faz
uma bosta
julieta de juliet, romeu no home studio
eles até se conhecem
curtem fotos um do outro
mas nunca saem juntos
quando julieta tá viva, romeu tá morto
quanto romeu tá a fim, julieta tá morta
ela então põe a juliet
& se joga pra rua pulando a sacada
ele então tranca a porta
& compõe pra seu gato uma serenata
os capuleto tão puto:
julieta tá de juliet
bebendo veneno e fudendo sem avisar onde
coitados dos montecchio:
há muito não veem romeu,
fumando e fudendo teobaldo no home studio
20 de abril de 2019
febre amorosa
malditos mosquitos
como é que explico
a quem amo
o medo que tenho
de todo tipo de malária
sem me complicar
sem me assumir
sem dizer que morro
romantizo e me deprimo
e o amor no meio disso tudo
arde entre outros sintomas
em confuso amortecimento
e quanto mais minguado fico
mais minto
mais morro
mais sofro
de males e dores diversas
padeço somatizo definho
ao meio me divido
num amor de plástico que
quebrado em mil pedacinhos
volta à forma só após 3 dias
de atestado
sádico
ai a misteriosa marola de passagem pelos dias
pudesse eu me declarar honestamente diria
te amo com toda a minha hipocondria
como é que explico
a quem amo
o medo que tenho
de todo tipo de malária
sem me complicar
sem me assumir
sem dizer que morro
romantizo e me deprimo
e o amor no meio disso tudo
arde entre outros sintomas
em confuso amortecimento
e quanto mais minguado fico
mais minto
mais morro
mais sofro
de males e dores diversas
padeço somatizo definho
ao meio me divido
num amor de plástico que
quebrado em mil pedacinhos
volta à forma só após 3 dias
de atestado
sádico
ai a misteriosa marola de passagem pelos dias
pudesse eu me declarar honestamente diria
te amo com toda a minha hipocondria
7 de abril de 2019
rascunho acaze nº boom
eu sou poeta
encaro sem enfado
a página em branco
e digo: hoje não tenho nada a dizer
amo o silêncio
e aceito a falta de imaginação
como parte do fado.
escolha a palavra com cuidado
com peso redobrado
uma por mim
outro por cada polícia
que não a utiliza
antes de no pobre atirar
eu sou poeta
leio os gregos do jeito que posso
com todas as crises e limites
e toda minha ignorância
imagino os africanos
os poemas somente cantados
para sempre presos
na borra do café
sou muito amigo daqueles que
por aqui nunca serão traduzidos
dos que pensam em versos de pé no ônibus
e esquecem ao primeiro beliscão do patrão
acredito sobretudo nos que se movem por paixão;
antes de qualquer ofício, nome ou diploma
o afinco e amor pela forma
do bolo, dos pães, dos poemas, dos raps,
das vendas, plantações e matemáticos sistemas
sou amigo do Michelangelo dos portões eletrônicos
e amo a obra completa do X-salada
(aquele ali ao lado da danceteria)
o bardo vaidoso talvez dissesse,
"eu trabalho com a linguagem,
e como poucos outros
posso conter o mundo em mim"
o bardo vaidoso é o fura greve da arte;
alguém precisa contar a ele
que foda mesmo só arquimedes
e sua alavanca
o resto é literatura...
eu sou poeta
acaze é poeta
jesus cristo era poeta
e amava o silêncio
- não mais que o vinho o pão os peixes & maria madalena
mas amava
encaro sem enfado
a página em branco
e digo: hoje não tenho nada a dizer
amo o silêncio
e aceito a falta de imaginação
como parte do fado.
escolha a palavra com cuidado
com peso redobrado
uma por mim
outro por cada polícia
que não a utiliza
antes de no pobre atirar
eu sou poeta
leio os gregos do jeito que posso
com todas as crises e limites
e toda minha ignorância
imagino os africanos
os poemas somente cantados
para sempre presos
na borra do café
sou muito amigo daqueles que
por aqui nunca serão traduzidos
dos que pensam em versos de pé no ônibus
e esquecem ao primeiro beliscão do patrão
acredito sobretudo nos que se movem por paixão;
antes de qualquer ofício, nome ou diploma
o afinco e amor pela forma
do bolo, dos pães, dos poemas, dos raps,
das vendas, plantações e matemáticos sistemas
sou amigo do Michelangelo dos portões eletrônicos
e amo a obra completa do X-salada
(aquele ali ao lado da danceteria)
o bardo vaidoso talvez dissesse,
"eu trabalho com a linguagem,
e como poucos outros
posso conter o mundo em mim"
o bardo vaidoso é o fura greve da arte;
alguém precisa contar a ele
que foda mesmo só arquimedes
e sua alavanca
o resto é literatura...
eu sou poeta
acaze é poeta
jesus cristo era poeta
e amava o silêncio
- não mais que o vinho o pão os peixes & maria madalena
mas amava
9 de março de 2019
e no fim ainda me disse
que só ferindo ou sendo ferido
sentia-se vivo
mas aí já era tarde
duas da tarde
e por isso eu já tinha morrido
sob o sol violento que cortava a praça
em duas
duas facadas tardes
e eu sob os raios de sol
ultraviolentada em duas
e mais duas
e mais duas
mulheres que ele não dissera que tinha
e no fim ainda me deu
uma rara violeta
que só às duas horas da tarde
ferina ou fudida
floresceria
mas aí já era tarde
e por isso
não não há por isso
e por ele
por violência dele
eu morri e ainda morro
22 de fevereiro de 2019
primeira poética
alguém fala, neste momento, o que aqui vai escrito
e por isso apanha e por isso morre
e por isso outro alguém é condecorado e invejado
cuspido e escarrado
alguém fala, neste momento, a uma legião desinformada
o que você rabiscou na parede quando era pequena
você não lembra
mas o povo sim, e se exalta
e no fim o esfaqueia por trás
e aceita uma nova promessa
alguém sugere, neste momento, a um idoso
o que não te disseram quando criança
e por isso morrestes a pontapés
alguém mastiga sua boca
por dentro para não dizer
o que aqui vai escrito
o que disse a um amigo
encontrado na rua
o que você e eu podemos dizer e tanta gente não pode
alguém devia estar falando em nosso lugar
alguém falha,
sabes muito bem quem,
ao falar.
21 de fevereiro de 2019
aquilo que foi dito no ar permanece
e já há nações preocupadas
com a questão do descarte
gente dentro de casa
soterrada nos próprios pensamentos
torneira aberta fechadura travada
eu vou gritar até esvaziar esse lugar
& o corredor de casa deixar de ser
essa pista de dança apertada
aquilo que foi dito no ar permanece
casas mal assombradas
são aquelas vendidas
pelos filhos
os mais ricos possuem hoje em dia
luxuosos cômodos onde
(diz-se)
nunca ninguém disse nada
aquilo que foi dito no ar permanece
e não raro na boca se toma o discurso de outrem
que as pessoas escondem
como arrotos ou peidos
não raros
alheio a essa e todas as outras leis humanas
o sagrado paira, pluma, plana
de galho em galho
de planeta em planeta
e sem plano
pousa no cerne do que for
carne ou não
e já há nações preocupadas
com a questão do descarte
gente dentro de casa
soterrada nos próprios pensamentos
torneira aberta fechadura travada
eu vou gritar até esvaziar esse lugar
& o corredor de casa deixar de ser
essa pista de dança apertada
aquilo que foi dito no ar permanece
casas mal assombradas
são aquelas vendidas
pelos filhos
os mais ricos possuem hoje em dia
luxuosos cômodos onde
(diz-se)
nunca ninguém disse nada
aquilo que foi dito no ar permanece
e não raro na boca se toma o discurso de outrem
que as pessoas escondem
como arrotos ou peidos
não raros
alheio a essa e todas as outras leis humanas
o sagrado paira, pluma, plana
de galho em galho
de planeta em planeta
e sem plano
pousa no cerne do que for
carne ou não
12 de fevereiro de 2019
querido chico,
o ministro do meio ambiente
acabou de dizer na tevê
que você é irrelevante
ai se o mundo se tomasse de seringueiras
um mundo sem cidades e ministros
onde o ambiente pudesse enfim, num enleio,
tornar-se inteiro.
quem sabe aí poderíamos apagar o sol
e jogar as chaves do céu fora
uma seringueira vive
por mais de 200 anos
que jovens elas são!
os seringueiros só morrem no fim do mundo
eu tenho certeza o ministro dorme de sapatos, chico
mande o abraço mais apertado
para dorothy & todos
4 de fevereiro de 2019
ninguém disse que o moderno seria novo
nem que o novo seria novo
(ninguém disse mas noticiaram de novo)
todo dia a gente faz tudo sempre igual
e de novo e de novo e de novo
morte às galinhas eles querem o ovo apenas
apenas o ovo a custo de tantas forem as penas
ninguém disse a real lição de todo ovo
que no meio de toda pedra e de cada sapato
há um ovo
todos ouviram a sujeira dita das tribunas
mas na transmissão omitiu-se a letra P
de política partido e povo
de novo
nem que o novo seria novo
(ninguém disse mas noticiaram de novo)
todo dia a gente faz tudo sempre igual
e de novo e de novo e de novo
morte às galinhas eles querem o ovo apenas
apenas o ovo a custo de tantas forem as penas
ninguém disse a real lição de todo ovo
que no meio de toda pedra e de cada sapato
há um ovo
todos ouviram a sujeira dita das tribunas
mas na transmissão omitiu-se a letra P
de política partido e povo
de novo
13.467 - mixtape trabalhista
horas-vagas
a custo de nosso trabalho
o mar descansa
/
quando eu teço, eu teço
não penso, não amo & nem ligo
pro apito da fábrica de tecidos
\
& se a gente de repente
por acidente
se aposentasse junto?
/
e que tal? nunca faltaria assunto
se fôssemos desligados juntos
do quadro funcional
\
é tempo de atualizar a lei trabalhista
operários cegos retiraram na calada da noite
os pingos de todos os Is
/
o fazendeiro não contratará espantalhos
conta naturalmente
com o trabalho informal dos passaralhos
/
a custo de nosso trabalho
o mar descansa
/
quando eu teço, eu teço
não penso, não amo & nem ligo
pro apito da fábrica de tecidos
\
& se a gente de repente
por acidente
se aposentasse junto?
/
e que tal? nunca faltaria assunto
se fôssemos desligados juntos
do quadro funcional
\
é tempo de atualizar a lei trabalhista
operários cegos retiraram na calada da noite
os pingos de todos os Is
/
o fazendeiro não contratará espantalhos
conta naturalmente
com o trabalho informal dos passaralhos
/
27 de janeiro de 2019
das bocas apenas
a linguagem de passatempos
a linguagem de passatempos
sem posses e saber
mesmo assim todo segredos
só a linguagem
toda ela epi & anagramas
a gente segue sendo contrassenha
a gente segue sendo contrassenha
será que veremos um dia
a história resumida a gifs
só com você eu aceito dançar naquelas boates
onde os seguranças de boatesnos seus dias de folga
saem para dançar
sim
olhar é uma arte bonita
parece natural que haja concursos premiando os melhores colocados
e que os melhores não olhem
*imagem: "truth fiction"(1990), de leonílson
aposto que se um homem
num cumprimento casual
te afanasse os dedos de uma mão
você nem notaria
você é muito distraída, Couve-Flor
por sorte nessa
terra de leis em conserva
faz-se valer a lei de talinho
tira-se um dedo do homem
que afana uma mão feminina
como se come a sua
imagem: "O grande rio" (1990), de leonílson
que afana uma mão feminina
como se come a sua
imagem: "O grande rio" (1990), de leonílson
16 de janeiro de 2019
conto de amor

não vais acreditar: ontem sonhei que eu & tu
nos amávamos na fila do Seguro Social
cruzamos olhares e humores
e percebi na hora que a tua invalidez era a minha
quis te ofertar flores e vinhos
mas não há sequer água nos bebedouros das repartições
de modo que te jurei no desespero
um amor tão crescente quanto o fator previdenciário
e no teu dedo mais machucado
apertei-te uma aliança partidária
de última hora
fodemos ali mesmo nas cadeiras
estofadas da caixa foderal
por sorte não havia crianças no recinto
apenas velhos
há anos na mesma fila mofada
apenas homens e mulheres
jovens e idosos
mas todos igualmente velhos para o governo
apenas velhos fudidos
a euforia foi grande entre os segurados
que mal se seguravam a urrar
casamento! casamento! pensão! pensão!
enquanto vestíamos nossos trajes sociais
(eu, de jaleco, tu, de gravata & sapatos saltantes)
um perito oficial atestou-nos amor eterno
e nos garantiu que
apesar de todas as lesões concussões traumas defeitos físicos e sentimentais
apesar de todos os acidentes e traições de trabalho
ainda sim tínhamos condições de nos amar sim
e mandou-nos imediatamente à lua de mel
na linha de produção de nossas
guloseimas preferidas
um soldado de reserva que passava
na hora pra sacar seu soldo
fez às vezes de padre
(é tão incrível, amor, como os militares
estão sempre habilitados
para militar em todos os milistérios!)
& foi assim num sonho lindo
sob os desígnios da Divina Previdência
e curiosos olhares proletários
que casamos ali mesmo
com laudos e nenhuma prece
todo dia um novo sonho se sobrepõe
e esfarela os outros mas este não se esquece:
nos amávamos morrendo, eu & tu, na fila do INSS
Imagem: tirinha de Pagu, Patrícia Galvão, para o Jornal do Povo
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