8 de outubro de 2020

Quando

 Mestre não é quem ensina, mas quem, de repente, aprende.

                                                                                 João Guimarães Rosa

Quando é que eu me tornei um professor?

penso, penso, penso e não dizer sei quando. 

Foi quando peguei o diploma nas mãos?

ou foi quando entrei pela primeira vez na frente de uma sala 

com a voz gaguejante e as mãos suando?


Quando estava no fim do meu ensino médio, 

perguntei à minha professora de inglês

se era uma boa ideia me tornar professor

-- Deus te livre, nem pensar, que desgraça, que horror!

  O salário é de fome, fora o estresse, fora a falta de respeito!

Eu entendi o que ela dizia, pois o mesmo alerta meus pais já tinham feito:

que a vida de professor era furada, que bom mesmo era cursar Direito.

Quem sabe tenha sido ali, na contramão de todos, que tudo começou!


No meu primeiro ano de docência, eu era todo ansiedade e impaciência

Queria transformar o mundo, contagiar a todos, formar leitores

Na Secretaria de Educação, uma atendente aborrecida, com cara de sapo

chamava nomes de uma fila infinita, era uma algazarra, e senti um deja vu

Onde será que já vi?

Onde será que já vi algo assim? essa confusão, essas caras de sapo...

Rá, Foi na escola!  Com a bagunça nos recreios e os inspetores brabos, já havia visto isso tudo, tin tin por tin...

Eu não sei se foi nesse dia que tudo começou,

mas foi nesse dia que percebi o quanto em comum 

há entre aluno e professor


O primeiro ano ensinando foi  um misto de alegria e desalento

Fui enviado para uma escola num bairro pobre, afastado do centro

Era muito legal ler para os pequenos da sexta série e sentir toda sua energia

mas era difícil trabalhar a autoridade e ao mesmo tempo inspirar-lhes autonomia

eu me sentia inseguro, e em meio à algazarra pensava: teria errado eu meu futuro?

eram tempos difíceis que exigem de mim maturidade e evolução,

afinal as coisas não funcionariam num passe de magia


Fui aprendendo olhando os outros colegas.

Fui aprendendo errando e corrigindo em busca de algum sucesso

Parece que de algum modo meus alunos, ainda que leigos, me ajudavam nesse processo

Será possível dizer isso: que minha vida de professor

começou bem depois do crachá, do salário, do giz e do apagador?

Será possível dizer que foram os alunos que me formaram professor?


Na escola, como aluno, eu era muito atrapalhado.

Perdia guarda-chuvas, e aí me encharcava, pegava resfriados

Confundia datas, perdia meus lápis, trazia os cadernos todo borrados

Havia dias em que, ao chegar à escola, lembrava da mochila

que havia esquecido na minha própria casa

Como professor, algo semelhante se passa

Confundo datas, perco canetões, sujo meu jaleco de canetinha

E a bolsa que hoje carrego de algum modo lembra a mochila que eu tinha.

Hoje é diferente, claro, porque sou responsável por diferentes aprendizados

Organizo-me na marra, me planejo, me antecipo, mas não tem jeito,

por mais que tenha amadurecido e seja consciente de meus deveres, não sou perfeito

e, de vez em quando, quando já estou instalado na sala de aula

os alunos avisam entre risadas

professor, você entrou na sala errada!


Por mais que eu pense e repense, não sei o exato momento de como tudo começou

Algo me diz que há muitos & muitas dentro do professor que sou.

Entre as lembranças de menino, há as memórias de escola

as brigas, os tombos, os dias de prova e os de jogar bola

Entre as lembranços do adulto, há as memórias dos alunos

os rostos, as brincadeiras, os dias difíceis, as histórias


dos meus antigos professores, não lembro de todes, apenas de alguns

dos meus antigos alunes, não lembro de todes, apenas de alguns

mas parece que carrego algo comigo, algo sem nome e de que preciso cuidar

e eu acho que ensinar é, entre tantas coisas outras, deixar um pouco disso com cada um

ainda que não lembrem de meu nome, como não lembro dos meus antigos mestres

levam um grão, uma história, talvez uma palavra ou gesto no ar

contudo, essa história pertence ao futuro, aos meus alunes, 

e não acho que cabe a mim contar


o que acho, depois de tanto cismar na origem de meu caminho

é que a vida de um educador é uma aula que nunca termina;

ora estamos do lado que aprende, ora estamos do lado que ensina

e mesmo quando se deixa o ofício, e o professor se põe sozinho

vive ainda dentro dele outras e outros

e também o adulto e o menino


Um comentário:

yofaiella disse...

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