31 de março de 2013

um poema de alejandra pizarnik


[El olvido]
en la otra orilla de la noche
el amor es posible

23 de março de 2013

fb

A voz, a imagem, as ideias e o humor,
a tua risada
hahaha
entra sempre na hora exata
mas nunca faz eco.

Porque apertam um botão e colocam uma senha,
já podem dizer: cheguei, fui embora, este agora não é mais.
a presença está fora do corpo?

Ontem mesmo a moça postou
boa noite!
e ninguém curtiu.

11 de março de 2013

três pais

1

Eu nunca morri, claro, mas vou te contar como é quando se morre. Não tem essa de muito novo, não. Esperar pra quê, acontece com todo mundo e você já fica sabendo desde já, guri. É assim: primeira coisa é a saliva doce. De repente você sente que de algum lugar da boca, algum caninho fino, muito fino, vem açúcar. É um doce distante. Um doce bom, mas que você não fica pedindo mais. Esse é o primeiro passo de morrer. Depois o corpo vai se preparando para a morte desde cedo. Teu corpo sabe quando vai se finar. Não tô falando de desastre, claro, tô falando de doença, de piripaque. O corpo vai se preparando, deixa de sentir de fome... mantém apenas o básico para, justamente, poder morrer. Ninguém dá arroto no dia em que morre, nem fica peidando. Cê não cuspe, num fica tarado. Nesse dia o corpo já sabe que essas coisas são desnecessárias e se prepara pra morrer. Só não sei como é o último suspiro, aí é querer demais. Há quem diga que você vê um túnel, que vê a vida num filme, mas eu não acredito nessa gente que foi até o meio da coisa e voltou. É assim, um dia você vai sentir. Você é um guri esperto. Só não comenta com teu tio esse ensinamento. Se comentar ele vai ficar desfiando o que falei, ele desmerece tudo que falo, vai vir com uma história aí dum cara que morreu do nada enquanto fazia cocô e vai dizer que o lance do corpo se preparar é roubada. Olha, cocô tem é na cabeça dele. Mas enfim. Agora vá lá ajudar tua mãe ou sei lá quem.

2

Na fila do caixa eletrônico, por algum motivo que poucos entenderam, uma confusão se instalou. Um homem gordo e forte, vestido todo de preto e com um capacete na mão, berrava e gesticulava em direção à fila, à maquina e às pessoas. De mão dada ao pai, o menino entendia ainda menos do que ele. O pai, um pouco à frente do homem irritado, tentava ignorar as imprecações do outro, parte porque não queria se irritar e parte porque ignorar a presença dele seria como torná-lo inexistente ao filho, fazendo desaparecer do mundo dele o estresse, a raiva. Todavia o problema, que não estava claro ao pai, e talvez fosse a demora dos usuários da máquina, não se resolvia. Percebia-se pela voz do motoqueiro cada vez mais alterada, acompanhada pelos gestos do braço livre e pelo giros do capacete no outro antebraço. De repente, ouviu-se um caralho, e depois um porra, e tais palavras soaram invasivas para o pai. Não para seu mundo, tão habituada a elas. Mas para o mundo do filho, e diante desse ataque barato a anos de cuidadoso escolher de palavras diante do filho, o pai virou-se e disse: escute aqui, o senhor faça o favor de ficar quieto aí em seu lugar e respeitar os outros. O outro, encolerizado, aproximou-se e disse com sua voz grossa e potente: você que fique bem na sua seu merda, fique bem na sua. O pai assustou-se, baixou a guarda e sem perceber apertou a mão do filho. Sempre o fazia, antes de atravessaram uma rua perigosa ou quando ambos precisavam apressar o passo. Mas desta vez o ato de apertar a mão não era de controle, era um pedido de ajuda,  e por alguns segundos recaiu sobre o menino o papel de saber o que fazer diante de uma mão a lhe apertar. O menino sentia que seu pai havia encolhido naquele momento e tinha vontade de chorar. O homem irritado voltou para seu lugar, desistiu da fila e de ameaçar aquele que o criticara, não sem antes proferir mais um palavrão em direção às pessoas da fila. O menino ficou a olhar o motoqueiro partindo com pressa e raiva, e quando ele sumiu de sua vista, voltou a olhar seu pai. Estavam diante do caixa e ainda o segurava pela mão. Reparou que a mão do pai voltara a ter o peso de sempre. Era ele que novamente apertava a mão do pai, a mão do pai voltava a ser uma casa. Mas era uma casa um pouco menor.

3

Com uma das mãos segurava a mão do menino e com a outra o empurrava levemente nas costas, bem perto da cintura. As plataformas estavam cheias de gentes, cada uma a olhar distraída para um ponto fixo e era tanto o calor e tantas as pessoas que não era possível entender como ainda sobravam pontos ao redor para pousar os olhos de forma tranquila. O olhar do homem pulava de pessoa para pessoa, não se demorando mais do que alguns segundos em cada, até que voltava para o menino, ao ônibus, à distância do menino para o ônibus. O olhar do menino parecia perdido e tentava se acostumar ao ambiente, como se cada pessoa fosse um raio de sol a incomodar seus olhos.

- Quando o ônibus abrir a porta, disse ele ao pequeno, trate de pegar um bom lugar. O segredo é não vacilar. Entrou, não fica se decidindo, não: escolhe um e pá, senta. ok?

O menino assentiu e, ao abrir da porta, soltou a mão do homem e esgueirou-se nervosamente entre todos aqueles peixes. Sentou num banco duplo e o pai logo apareceu ao seu lado. O menino reparou que todas as pessoas conseguiram achar um lugar e ainda sobravam dois ou três lugares vagos e que os conselhos do pai foram desnecessários. Pensou em observar isso ao pai, e ia o fazer, quando foi interrompido pela voz livre do homem:

- Se o ônibus encher, quero nem saber, não me levanto nem cedo meu lugar. Sabe o porquê? Eu sei que nesse ônibus ninguém tem mais direito do que eu. Esse ali, esse aqui - falava baixo, mas apontando para as pessoas, o homem - tenho certeza que não se matam todo dia carregando tijolo. Se vier um velho muito velho, até vai. Ou uma grávida bem grávida mesmo. Agora mulher só por ser mulher com sacola na mão, agora grisalho cheio de saúde nas pernas, não, esses não. Não vem que não tem, da nossa vida só a gente é que sabe. Cê tá entendendo? O negócio é ser assim.