16 de fevereiro de 2010

Joinville

I

CONTO DE FADAS HISTÓRICO

E houve um príncipe. E uma princesa. E um palácio senhorial.
Na varanda,
uma alameda bela e correta como o curso da história.
Mas o príncipe e a princesa nunca vieram honrar o palácio.
Restaram as palmeiras, firmes e valiosas
como as transações amorosas.
Agora, o crack, o comércio e o asfalto.
Agora, o museu, o turismo e o estacionamento rotativo.
Agora, um mendigo, caído sob uma das palmeiras
parece o último conviva a brindar,
na festa de saudação ao par real que veio dormir em Joinville.

II

MIRANTE

Vamos até o topo
contemplar a dança dos peixes de luz
dos postes, lâmpadas e sirenes
farei um buquê,
um feixe de luz,
e tu sentirás a cidade debatendo-se nas mãos

III

CACHOEIRA

Aqui o jogo é diferente:
nada de procurar os reflexos no espelho d'água
Nesse ex-riacho
os amantes se debruçam para imaginar seus reflexos, lá dentro,
dançando no profundo lodo das sombras

IV

MUSEU DAS BICICLETAS

Foi aqui, papai,
que o caminhão esmagou aquele moço,
olha ali as marcas de sangue fazendo a curva!

V

ENTREVISTA COM UM ANTIGO PESCADOR

-- O que o Senhor faz quando pensa na antiga cidade, comparando-a com a atual? Tomemos o rio, como exemplo. O que o Senhor faz quando hoje vê ele poluído?
-- Eu? Rio.



VI

CINE PALÁCIO ou IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

Demoliram o cinema da minha infância e
sobre ele,
ergueram um templo ao excelentíssimo Senhor.
E agora, todas as tardes e noites,
o pastor repete exaustivamente a mesma fita às novas, íntegras e santas crianças.

VII

POR FAVOR NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS

As crianças vieram esperneando no banco de trás por todo o retorno à casa.
Pois o pai, íntegro, cumpridor das regras,
não teve pena, distraiu-se no zoobotânico, concentrou-se nas araras e peixes,
ignorando seus pequenos macaquinhos aflitos por coca-cola.

VIII

FESTA DAS FLORES

As senhoras, as bancas de flores, as banquinhas de doces, as bandinhas,
sempre tudo muito organizado e bonito,
aguardando o retorno do querido presidente Rodrigues Alves.


IX

CARTEIRA DE IDENTIDADE

da Dança, Manchester catarinense, das flores, das bicicletas, dos príncipes
Cidade de tantas alcunhas,
será por isso que teu nome pouco diz quando reverbera nos outros cantos do país?

X

SOL E CHUVA SOL E CHUVA SOL E CHUVA

Sempre é dia de casamento de viúva em Joinville

XI

CALÇADÃO

Vendedores te oferecem produtos como se te apontassem armas
Senhoras loucas recitam versos bíblicos como se te apontassem armas
As pessoas correm como se fugissem,
Calor e carros de som
outdoors e crianças chorosas
pernas & pernas
rostos & rostos
cada olhar frio e vago é como um muro,
as travessas e os ladrilhos são labirintos
para ao final, abrir a porta da casa,
entrar, despir a cidade,
e cair sob a cama
fuzilado

XII

DESENVOLVIMENTO

Joinville, Tu és a glória dos teus fundadores
Joinville, És monumento aos teus colonizadores
Brincas de estatua?
São seis da tarde, e no congestionamento da história,
entre motores com mil e tantos cavalos,
te sorri, do poente,
um carro de boi com teus fundadores.

XIII

BOCA DE LOBO

Todo mundo assustado com a água subindo,
ninguém viu Doralice, a boneca de pano,
ser engolida pelo chão.

Ou foi pelo céu?

XIV

CÂMARA DE VEREADORES

Um a um, os senhores foram entrando no plenário de forma cordial
No cabide, à entrada, depositaram seus assessores e seus guarda-chuvas
Acomodaram-se, cumprimentaram-se. Cumprimentos tanto para os vizinhos de mesa, como aos opositores. Canetas e folhas dispostas como manda a etiqueta. O presidente ergueu-se para iniciar a sessão. Fez o discurso. Elevou a voz, enquanto os demais analisavam a pauta, imaginando seus pedidos. Então, findo o discurso, sentaram-se e todos começaram a cear.

XV

CARNÊ DE IPTU

A prefeitura agradece a você, cidadão, por pagar seus impostos em dia. É graças a você que a cidade se torna cada vez mais feliz e próspera e a prefeitura agradece a você cidadão por pagar seus impostos em dia. É garças a você que o rio se torna cada vez mais feliz e próspero e a empresa agradece e está cada vez mais feliz e próspera
E, graças a você a cidade se torna um cidadão, e agradece pelos impostos.É graças aos seus dias, que á cidade está mais próspera. Feliz você cidadão que se torna cada vez menos, e a prefeitura agradece aos seus impostos à cada dia, mais feliz e próspera e você, os impostos, impostos, a prefeitura agradece pois é graça a vocês, impostos e a prefeitura

XVI

PÓRTICO

E sejam bem-vindos à saída de nossa cidade

9 de fevereiro de 2010

Bilhete para uma única interpretação

Eu vi uma velha na rua, ontem
"E daí que você viu uma velha na rua ontem?" -- você deve estar pensando isso.
Sei lá...
Quando a vi passar, pensei que nunca mais a veria,
pois não a conheço e a cidade é grande.
E se eu a revesse, por acaso,
não lembraria dela,
e seria, novamente,
a primeira vez que eu a veria.
Mesmo retornando, ela passaria sempre apenas uma vez na minha vida.
(Sente a contradição da frase?)

Sabe, amor
eu queria que você fosse como a velha. A velha quer vi ontem, na rua.




NOTA: ô, pessoal. Deem um desconto. Esse poema faz parte da série "poemas adolescentes que desenterrei do baú para tão-somente atualizar o blog" Em breve posto coisa nova. Com mais qualidade, juro. x)