24 de dezembro de 2013

acontece há muitos séculos, no fim de cada dia:
eles entram e se instalam
quase sempre no fundo do ônibus
onde cantam, dão cambalhotas
riem e ouvem música alta em seus celulares.

o ônibus é um grande burro amarelo
que aos trancos leva muitos outros burrinhos cansados
e mais as três ou quatro hienas
muito vivas e coloridas.

embora o ônibus leve todos os bichos para a mesma direção
as jovens hienas, rindo, vão no sentido contrário
do sono e tédio dos animais mais velhos
e riem tão alto
e vão com tanta energia para o lado oposto da vida
que é difícil entender como o carro
não se parte ao meio.

partisse o ônibus ao meio
certamente perderia-se
a maior parte dos burros n'água
e as hienas ririam
ririam inda mais alto
a ver no incidente
a primeira aventura da noite.

as metáforas

a fala é sempre imperfeita
e quase nunca dá conta do recado.

lá, no ponto em que não há palavras pra continuar
e a fala trava como travam os pés ante um precipício,
tenta-se construir uma ponte:
a metáfora que estende um pouco mais a ideia
e tenta ser a imagem do que se quer dizer.

impossível:
as palavras não se deixam fotografar ou filmar
e a metáfora acaba sendo porta-voz de uma verdade, sim,
mas um menino dos recados doido
que leva adiante uma mensagem diversa
da que foi encomendada.
 
num tem jeito:
para sempre essas traduções mal-feitas
do que nos vai por dentro do peito.

é difícil identificar onde as falhas na fronteira
entre o que se sente e o que se diz sobre o sentir
(um telhado que pinga e não se sabe onde)

mas parece absurdo se voltar contra as metáforas
ainda que insuficientes.
"vamos destruir a máquina das metáforas?"
propõe sebastião uchoa leite
em algum lugar dos seus poemas

mas pq diabos iria eu abdicar das metáforas
se às vezes o time reserva vai pro campo
e faz melhor que o titular?

se há gatos que caçam
melhor do que muitos cães?

hm?

15 de dezembro de 2013

É possível ser feliz num empate.

Dia desses o @ita_puccini me chamou para assistir a um jogo na Arena Joinville. Jec e Ceará pelo campeonato brasileiro. Eu já nem lembro do placar. Se não me engano, o Jec perdeu ou empatou, frustrando a torcida que comparecia em bom número naquele dia. Ou pelo menos a parte da torcida que tem no anseio pela vitória do time o único objetivo para sentar a bunda na arquibancada e ali permanecer por duas horas. Pois há quem se contente com menos. Se você vai ao estádio dependendo de uma vitória para sair de lá feliz, cê tá correndo riscos, meu amigo. É claro que a vitória é sempre o primeiro desejo do torcedor, mas ele bem que pode curtir a ida ao estádio por outros mil motivos. É bom pensar que as situações da vida contêm várias possibilidades de felicidade ao invés de uma só. É possível ser feliz num bingo da igreja sem sair de lá com o grande prêmio (um liquidificador ou um edredom, geralmente). É possível ser feliz na praia ainda que caia uma bruta chuva no momento em que você põe os pés na areia. Basta enxergar nas tais situações outras razões de alegria. Inventar passatempos, reprogramar a ideia inicial, prestar atenção para o que geralmente não prestamos. Certamente foi o que muita gente fez naquela tarde em que os jogadores faziam de tudo menos demonstrar habilidade com a pelota.
Eu adoro ir num estádio de futebol e acho que todo mundo deveria ir de vez em quando, ainda que não seja um grande fã desse esporte. Ainda que não torça para nenhum dos times que estão jogando (como faz o Ítalo, aliás). Dá pra se divertir e enxergar beleza em uma porção de coisas. Como é bonito o canto da torcida, a nostalgia que há no velho hábito de assistir à partida com o ouvido no rádio de pilha, a presença de pais & filhos; pais, mães & filhos sentados juntos na arquibancada. Para as crianças, a vitória é algo tão importante quanto o copo de refri gelado ou o pacote de amendoim que os pais compram dos homens que passam o jogo todo circulando e atrapalhando a visão da galera pelas arquibancadas. E assim deveria ser pra todo torcedor (por enquanto só no mundo ideal dos sonhos e das crônicas).
Outra coisa adorável num jogo de futebol é acompanhar o folclore da torcida. Mais do que cantar e incentivar o time, o torcedor mais ferrenho profere todo tipo de emoção. Xinga o jogador do seu time, xinga o jogador adversário, pega no pé do árbitro, do bandeirinha etc., e não perde uma chance de fazer graça. Ainda que marcado pela linguagem informal e por inúmeros palavrões, o repertório folclórico dos torcedores é repleto de invenção e criatividade. Velhos bordões e xingamentos clássicos convivem com brincadeiras e piadas criadas na hora, de improviso. É claro que sempre tem alguém que erra a mão, e deixa escapar um dito machista por demais aqui ou uma frase com pouco humor e muita raiva ali. Embora reprováveis, são inofensivas, pois quase nunca chegam aos destinatários. O jogador xingado (ou o juiz, ou o gandula, ou o locutor, sei lá, torcedor dá jeito de xingar todo mundo!) está quase sempre distante, e se ouve, não se dá ao trabalho de virar a cabeça, até porque tem um jogo pra dar conta. Eu diria inclusive que o verdadeiro destinatário desses ditos todos é a própria torcida: o cara está xingando alguém lá no campo, mas seu real objetivo é entreter os que estão a sua volta e a si mesmo.
E naquela tarde de Joinville X Ceará a torcida estava como sempre inspirada. Em certo momento morno do jogo, no qual eu quase cochilava e olhava pra qualquer coisa menos para o que faziam da pobre bola, a galera, que vinha exibindo seu repertório de ditos e bordões, levantou-se da torcida e deu início a uma ovação que sacudiu o estádio, sobretudo aqueles que como eu estavam distraídos. Na mesma hora, olhei para o campo a ver se algum gol havia saído. Qual o quê! A bola tava quicando lá pelo meio do campo. Virei para o lado pra ver se o Ítalo me explicava o que acontecera, mas que nada: tava com a mesma cara de perdido. Foi então que vi o bicho: a causa do auê era um quero-quero, típico pássaro das redondezas de estádios, que cismou de dar rasantes perto das cabeças dos jogadores do Ceará, provavelmente acusando-os de invasão de território. A torcida não poupou a chance: comemorou como se fosse gol cada rasante do pássaro, enquanto a zaga do Ceará se virava pra se livrar do bicho. Foi nessa hora que algum folclorista gritou perto da gente: TÁ CUM MEDO DO QUERO-QUERO, SEU FILHO DA PUTA????
Eu não sei se consigo explicar como um dito como este, aparentemente tão vulgar, e a ovação zoada da galera causam um efeito de humor e leveza na gente toda em volta. Deixa o jogo, e a vida - naquela hora - mais leve. Mais do que estar aberto às estranhas opiniões e emoções que vêm dos outros, a gente precisa estar lá, na galera, pra curtir o folclore do torcedor. Minha crônica não dá conta de falar das mil coisas boas que há numa ida ao estádio, até porque variam de gente para gente. Sugiro que o leitor vá ao estádio mais próximo uma hora dessas. Arquibancada popular, por favor. Com a galera. E o mais importante: não vá ao estádio dependendo de uma vitória para sair de lá feliz.

11 de dezembro de 2013

me ponho louko!
há uma falta específica da qualpouko se sabe e para a qual se candidatam todas as palavras de modo que se me perguntam bem posso dizer que o que me falta é uma porção de tainhas um pau virulento e chumbado a varrer minha boca um pequeno gesto de adeus um evangelho que eu ainda não tenha ouvido e que encha meu coração de poeira prazerosa
ou talvez ou quem sabe,
só pode ser! que eu sinta é falta de ti abrir todos os bichos como se frutas
e bater e bater e bater nos rostos das gentes
até que se deformem e seja natural e justo lhes dar outro nome e função na Terra
falta de te ver defendendo na tribuna novíssimas técnicas de circuncisão e recheio de pombos
a chamar pra si toda a responsabilidade das partidas de várzea e todos os mísseis extraviados
nas últimas guerras numa tentativa desesperada de ir ao encontro da desgraça
pra ver se lá
cuacara no tiro
se possa escapar dele poisque chega uma hora do desespero que tudo parece tolo e só resta apostar na sequência 1,2,3,4,5 6 para o grande prêmio da loteca e por as granadas na boca para escapar da explosão ou seja eu sinto muita falta de sentar contigo sábadatarde a contar e ouvir como foi a semanumundo
e nessa hora pensar é num mesmo segundo bater e abrir e ver que não há morrer

8 de dezembro de 2013

Crítica Literária

EU SOU VANGUARDA SÓ NÃO REPARE NA MINHA CALÇA JEANS. Que coisa horrenda esses poemas que os muito imaturos dedicam aos velhos poetas RESPOSTA À NERUDA ELEGIA PARA RILKE etc. Há quem não consiga produzir duas linhas sem fazer uma citação pomposa. O que falta a essa gente é uma boa dose de Semancol 50mg. Ou quem sabe Balzac 20mg. E ainda há os terríveis poemas metalinguísticos a palavra é isso a palavra é aquilo, o poeta é aquele que faz isso e aquilo. Imagine a cena: vc entra no açougue cheio de fome coisa e tal e tudo o que o açougueiro tem para lhe vender são vídeoaulas sobre as mil e uma posições do corte do boi, isso quando o vídeo ainda não vir com extras a exaltar a maravilha que é ser açougueiro! O poema, um desesperado narciso vendendo a si mesmo. A verdade é que as palavras são desnecessárias e nada podem fazer na hora do vamovê. A poesia não é importante, não tem valor, e ainda inventam de lhe cercar e contratar guardacostas!!! Já pensastes quantas apetitosas porções de peixinhos fritos perdemos queimadas por dedicarmos sempre um olho pro gato burro, louco, saciado, vegano? É por isso que me dá nojo essa gente que se acha superior porque lê muitos livros 
ai eu gosto de poesia olha como sou culto 
vá se foder meu filho 
à distância, toda página diz a mesma coisa: 
o livro de poemas 
o manual de instruções 
o folheto publicitário 
não há salvação no mundo literário 
os leitores também vão para o inferno 
condenados a lerem eternamente sinopses dos capítulos de telenovela 
sim meus amigos 
continuem lendo mas parem de falar sobre a maravilha que é continuar a estar lendo 
a poesia o conto o romance 
essas esfinges sacanas 
que mesmo quando decifradas 
nos devoram
sim meus amigos 
a literatura
é linda
a conversa vai conversa vem mais inteligente 
o melhor dentre todos os
dá o cu que passa
a mais linda de todos os
tanto faz como tanto fez

2 de dezembro de 2013

E COMO NÃO HÁ ESPAÇO PARA O QUE GERAMOS
E nenhum sábado se mostra aberto a receber nossas dores
Você faz a promessa:

Um dia
A gente vai rir
De tudo isso.

Vamos?
Chegará tal dia?
Ou haveremos de dormir no meio da vigília,
Cochilar no ônibus
Perder o ponto
e o horário?

Quando você diz:

Um dia
A gente vai rir
De tudo isso

Eu penso no calendário Maia
No dia 37 de Março
na sétima-feira
Penso em dias que não existem
Em anos trissextos e tristes
Num show de stand-up
Um sujeito bizarro contando para a vasta plateia a nossa história desencontrada
e todos rindo
eu & vc,
na mesma mesa,
rindo
Um dia
lindo
e a gente
rindo
de tudo
aquilo.