31 de julho de 2010

vândalo do semi-sonho,
já foge rumo ao sul
o desgraçado pássaro
que riscou
de súbito
o nosso azul

23 de julho de 2010

sobre perder livros

eu acho uma coisa desagradável, sabe? e olha que eu perco bastante.
digo assim, meio duvidando, pois mais de uma vez, em resposta a um choro meu, amigos-leitores recomendaram-me não ficar chateado, e tentar olhar as coisas de outra forma. afinal, se você perdeu um livro, é certo que alguém achará. e assim, o livro não se perde, muito pelo contrário, vai se multiplicando por aí. minha razão está aqui do meu lado e mandou que eu escrevesse que isso é muito bonito e faz sentido. porém, há uma coisinha aqui em mim (não sei onde fica, uns dizem coração, mas acho que é por preguiça) que é bem cética e egoísta: diz a tal parte que esse papo aí de leituras flutuantes, de passe-adiante-um-livro, é muito bonito, dá uma baita campanha, mas longe daqui, pois essa parte tem uma raiva danada de perder livros. enquanto razão e não-razão (nome temporário para a dita parte do meu pensamento) discutem aqui, vou lembrar uns causos envolvendo perdas de livros. pois dia desses perdi um livro. Aldabra: a tartaruga que amava shakespeare, um romance. era presente da daia, e fazia poucos dias que eu havia recebido como presente no dia dos namorados. só perdi o livro, pois a namorada, conhecendo-me, perdoou tal falha. vai que daí fui atrás de tudo que é lugar atrás do livro. várias autarquias (frequento-as muito, por trabalho): e lá fui em cartórios, prefeitórios, capitólios, bancórios e sindicatórios. e num cartório X, perguntei à atendente. Por acaso não havia um livro esquecido por ali? Não, moça, não é livro-registro, com balancetes e anotações escriturárias. livros normais mesmo. desses pra gente pensar um pouquinho. e ela disse, sim, e eu tava quase alçando um gozo livresco, quando ela - olhando por debaixo do balcão - disse que não era esse tal de abracadalbra. Aí eu pensei puta que. a puta tava quase parindo, mas antes disso ela mostrou-me o livro que lá estava e era.... poemas completos do fernando pessoa! e daí que era? e daí que eu tinha perdido esse livro fazia 1 ano! Nem esperava encontrá-lo mais. Depois de um papinho burocrático, normal para o lugar, consegui reaver o fernandinho. e eu podia contar a história do dia em perdi "Solte os cachorros", da adélia prado. E de como encontrei ele, tempos depois, na agência dos correios. Poderia contar de como sumiu o meu "veronica decide morrer", mas esse é do paulo coelho, e como a maioria dos meus amigos detesta-o, não vou investigar muito a morte da veronica. ah, eu acho que não falei, mas a explicação pra perder tanto livro é que além de levar livro pratudoquélado, eu sou muito, mas muito esquecido. se fosse religioso, deveria orar todo dia pra são longuinho por ter conseguido reaver o "tempo consequente", livro de poemas de um poeta piauiense (difícil de achar que olha!) que peguei da biblioteca e esqueci no balcão do banco, por um bom tempo, sem que alguém tivesse levado. A tal parte do meu pensamento, a não-apresentada parte, voltou aqui pra pitaquear: segundo ela, só não levaram porque era poesia, e vinda lá de um poeta desconhecido. se fosse 'tamanho 44 não é gorda' ou 'crepúsculo' certamente alguém teria levado. aí é outra história. e vou parar de ficar lembrando desses achados e perdidos, que já falei muito e essa crônica pouco disse. a razão, fundada no bom senso, está aqui relembrando outro caso: Crime e Castigo, do Dostô. Já falei sobre isso noutro blog, lembro bem. Ouviu, razão? Não vou me repetir. Essa crônica tem que acabar.

RAZÃO: pode acabar, é até recomendado, rapaz. mas antes deixe claro a quem resistiu e chegou até a presente linha do texto, que você - passada a raiva -ficou contente ao pensar no possível destino do romance russo que deixou naquele ônibus centro-
univille.

NÃO-RAZÃO: Seja sincero. Você ficou é com uma puta raiva e praguejou contra o maldito que achou o livro tão querido. E digo mais! Você ficou imaginando os destinos do volumoso russinho. Claro, na certa numa hora dessas está servindo de apoio pra mesa da cozinha da dona maria, que antes mancava, e agora tá que uma beleza, reparou vizinha? Ou então.. lembra aquela porta que batia na casa da seu onofre? sim, aquela da sala de estar, que batia fazendo um barulhão e chacoalhava o retrato de sua santa mãezinha. pois é, dostoiévski e sua escrita firme agora seguram a porta de jacarandá. fala sério, não era nisso que você pensava?

EDUARDO: recuso-me a manifestar-se mais em tão ignóbil crônica, que tá parecendo um monológo narcisista, banhado por reflexões "metatísicas"

ABER-RAZÃO (novo nome que acabei de dar para ela): bicha! não digo mais nada.

Razão: isso aí, meu rapaz, dê-me ouvidos. é preciso ser paciente com as faltas, e tomar mais cuidado com as suas coisas. coloque uma moral ao fim desse texto, uma frase de efeito ou um grande FIM mesmo, que ninguém vai reparar nas falhas. Ou então, pergunte a quem lê, se já perdeu um livro. que diga qual foi e se ficou com raiva. ou se foi racional e aceitou o ocorrido.

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pois então, diga-me, que estou curioso FIM, você por acaso já perdeu um FIM?
FIM FIM FIM e que livro era esse? sentiu FIM ou raiva? FIMFIMFIM.


PS desnecessário(como é todo PS):

E a aldabra, a tal tartaruga que fugiu com o shakespeare? Achastes?
Devem estar se amando nas mãos de um filho da, digo, de um bom leitor que dele cuidará. tenho certeza.

17 de julho de 2010

dois

O homem estava caminhando pelas ruas do centro, na volta do trabalho, trazendo um pouco da porra da fábrica sob a forma de fuligem no uniforme. Decidiu entrar num sebo, cuja placa lhe chamou a atenção enquanto ele brincava de chutar pequenas pedras. Era a primeira vez que ele entrava na loja, mas não demorou a encontrar o setor onde, lado a lado, uma fileira de deliciosas putas safadas o aguardavam. Em seu desejo, atrizes, cantoras ou modelos passam a fazer parte de um mesmo grupo de mulheres cuja história e se nome se apagam, só sobrando peitos, bucetas e bundas. Selecionando alguma vagabunda para levar para casa, o homem era um dos três clientes do sebo, cuidado por aquela moça ali, de cabelos presos e óculos, atrás do balcão, lendo um livro de poemas.
Os outros dois clientes vasculhavam como ratos o setor de literatura, e foi para eles que o homem ficou olhando após definir sua compra. olhou para eles, olhou para as estantes cheias de livros, olhou pra loira safada em sua mão e, subitamente lhe ocorreu a ideia de que comprar uma revista de mulher pelada era vergonhoso. Difícil entender como um pensamento desse lhe ocorreu, logo ele que viu tanta revista desse tipo na adolescência, logo ele que assiste filme pornográfico toda sexta à noite, que é quando aquela sua coisa velha e feia sai para um encontro de amigas, logo ele que vive falando de mulher com os amigos, de comer mulher, e de como deve ser safada na cama a Erilene, a chefe do setor. Definitivamente, difícil saber como essa ideia pudica lhe ocorreu. Há coisas que nem o mais onisciente dos narradores sabem. Talvez deve ter lhe influenciado o fato de reparar na atendente - uma moça simples e bonita, com cara de educada, que provavelmente deve sentir nojo de homens como ele fedidos, barbudos e tarados. Talvez. Certo é que foi lá na estante de poesia, olhou olhou olhou, leu um monte de títulos estranhos e pegou um desses livros gays. Tentou fazer uma cara de quem gosta de ler poesia e dirigiu-se ao caixa.
- Boa tarde, disse a moça.
(Olhou pro cabelo preso, reparou que por trás dos óculos havia dois bonitos olhos castanhos e voltou a pensar sobre sua aparência baixa e nojenta e sentiu vergonha por estar diante desta)
- Boa tarde, moça
(sentiu o forte cheiro de suor e perseguiu, por alguns segundos, uma gota que saiu correndo da testa e se escondeu no meio da barba. tentou vasculhar a barba, mas chegou à conclusão que era inútil continuar a busca e por fim olhou para o que ele deixou no balcão)
- A revista é 2. O livro é 10.
(titubeou, pois não seria uma bicha do caralho filho da puta de um poeta que iria lhe fazer gastar 10 reais. não sabia que era tão caro. queria saber se só o tal do rilke era caro ou eram todas bichinhas caras, esses poetas. decidiu que iria trocar de livro, mas decidiu tarde pois)
- 10 reais??
(pensou no quão curioso é um homem que lê poesia e e revistas pornográficas. talvez iria levar o livro pra outra pessoa. ou a revista. sentiu-se atraída por seu aspecto bruto. gostava de cheiro de homem suado. e bonito, o homem. sim, bonitão.)
- Sim, este é. Mas farei um desconto. Você pode levar a revista e o livro por 10 reais.
(continuou titubeando, internamente se xingando, pois só um burro compraria algo que não iria ler de jeito nenhum só para disfarçar sua enorme vontade de ver uma buceta nova para a coleção dos seus olhos. Aquilo não fazia sentido, mas agora não podia devolver o livro, pois a moça não desgrudava seus olhos dele, provavelmente esperando o dinheiro.)
- Está bom. - tira uma nota de 10 reais do bolso.
(por um momento pequeno - como calcular? - uma imagem rápida e louca, um recorte com jeito de sonho atravessou suas ideias, e enquanto ela estendia a mão para pegar
a nota ela vislumbrou em sua cabeça a sua imagem na cama, de quatro, com o homem de uniforme azul fodendo-a ritmadamente, tão safado e bem-feito, e nessa imagem o homem se chamava gregório de matos, sim, o homem era gregório, o poeta, o caldeireiro da fábrica, e ela uma mulher qualquer da Bahia colonial, e não a sempre educada e estudiosa Ângela, ajudante do sebo pertencente ao pai doente e severo. mas essa imagem passou rapidamente, quebrada pela táctil sensação de uma nota suja e áspera nas suas mãos brancas)
- Certinho, obrigado.
E ela sorriu, sorriso mecânico, dado diariamente umas 20 vezes, mas que por dentro escondia um desejo desregrado, um relógio com um ponteiro desesperado ou uma máquina de lavar chacoalhando-se e provocando rachaduras no piso da lavanderia.E ele fez um aceno de cabeça, como quem diz obrigado, mas por dentro voltava a maldizer-se pela grande besteira. Afinal, não ia voltar mais nesse lugar e muito menos iria sentar no sofá de sua casa para ler o livro estranho. Dobrou a revista e colocou-a no bolso da calça. Chegou à calçada,retomando seu habitual trajeto, reparou no céu que logo iria chover, abriu o livro numa página qualquer e, sem refletir sobre o lido, leu que de repente é tudo apenas chama, chutou mais duas pedras e dobrou a esquina.

10 de julho de 2010

boa noite, cinderela

Oh,
e quem poderia imaginar
que no meio da valsa louca
feito do pó de negras pilastras
e de galhos relvosos
os pés dele
do jovem princípe
oh, os raivosos
e bêbados pés
iriam enforcar
teu passo
frágil
e com
o seu peso
fariam soar dentro
de tua carne não-vivida
doze badaladas
na forma de finos
cacos de vidro,
céus
e domos
quem poderia
?

3 de julho de 2010

horas-vagas
é sobre nosso descanso
que o mar trabalha