17 de maio de 2020

Vila Aparecida

oceanos nos atravessam
não te vejo nem perfumo
sei-te ilha e aceno para o ar
de minha janela em vão

tenho muita fé
e sei brilhar algures um gesto
farol aleatório
possamos ou não
queiramos ou não
só nós podemos fazer

aquele dia em floripa
uma placa/piscina se engraçava à janela
letras coloridas e um telefone
saído de filme norte-
americano, água nenhuma,
 1-800-6740-algo assim
brasileiros que somos
sabemos fontes doutro jeito
jorro e nada, jorro de nada na cara
você lá mais não mora
não mais nos ligamos
mas daquela janela ainda brilham
em miniatura os barracos no morro
a sintaxe segue dura e burra
- a aula de dança fica sempre para
semana que vem

milicianos nos atravessam
não te piscina a vida sequer sofá
penso números que não atendem
sonho feio e mergulho para o ar
de minha ilha em vão



13 de maio de 2020

variação II - Itaú

Era no tempo dos animais:
eu me jogava de prédios
para poder elogiar-lhes a forma
naquele tempo ainda podíamos
ir à praia com nossas bicicletas
imaginárias e sonhar o fim da distância
não havia oriente ou ocidente
só um sol violento
que nascia e se punha
cada dia em diferentes olhos
agora está tarde, mas ainda arde o dia
e, por trás dos prédios, a mesma linha 
do horizonte lembra:
continua necessário fundar
novas formas de fazer
o afeto o trabalho a revolta
nada de fato mudou - se assim prefere
já não temos mais a lanterna de Millôr Fernandes
mas ainda cisma a ferramenta linguagem
peça de todo máquinário 
mãe de todos os dedos, credos e sistemas 
o nosso Que-dá-nome-às-quedas-&-partos da Silva Nhe’eng Dimatekenu 
pela linguagem renascemos e do futuro a vós falamos