31 de outubro de 2019

preciso ser breve, essa página aqui foi tudo que consegui. o meio de um livro de poemas não é o melhor jeito de isso chegar a você mas é só o que pude fazer. agora que já não podemos nos encontrar nos antigos espaços
& falamos aqui desse pós-mundo

apesar do teu nome, da sua etnia, do seu local de origem, apesar de sua conta bancária e arcada dentária e programas de tv preferidos e práticas íntimas e posições ideológicas e formas de retirar o cheiro que o corpo suado exala sobretudo em quentes sábados de esperas infundadas
                                    gosto de ti
há os crimes e toda sorte de deslize moral.
tanto tanto que gosto de ti
há a padronização programada de tudo
do botão da roupa ao desejo de fuga
acima e abaixo disso gosto muito de ti
há a linguagem e tudo que ela não pode abarcar e que mesmo assim existe
a despeito das questões biológicas
do vírus que, sem célula, consegue rir em nós
pelos teus ossos me sinto atravessado
respiro mal à noite
faleço às vezes pra ser carregado por ti por muitos meses depois quando acordo não agradeço


*IMPORTANTE*da próxima vez voltarei no verso do rótulo do requeijão que você sempre compra desculpe o trabalho foi o único plano que consegui pagar na agência existisse amor diria que a amo muito

18 de outubro de 2019

bilhete

contente por estarmos no mesmo século
poder gostar e desgostar-se
ser estranho e ridículo um ao outro
cruzar numa esquina e surpreender no passante um bocejo
mais nada
ou talvez também o desejo de bocejar e dormir
não mais que cruzar a esquina
que seja duas
cruzar duas esquinas cruzar três cinco esquinas juntos sendo isso admissível
que seja se conhecer e se amar e julgar e servir
que sejam
ver-te muito moça ou muito idosa na arquibancada do seaworld
aplaudindo um belo salto ou acionando os explosivos para demoli-lo
em algum documentário a favor ou contra a execução de animais
ser figurante na novela das 9 numa cena que vc vê de relance
na padaria numa cidade em que você está de passagem
poder compor uma memória
contente por estarmos no mesmo século
pois isso sim é raro
viver o mesmo tempo de tantos nomes que poderíamos ter sonhado
mas nem sequer chegamos perto
pergunte aos mamutes