15 de novembro de 2012

ETERNIDADES, já falecidas
bem longe de ti,
uma carta atinge
os teus raros dedos ainda
não feridos,
o brilhante crânio
vai fazendo os seus atléticos exercícios
e acaba se aninhando em
sons, odores e boatos

- Paul Celan
tradução de Flávio R. Kothe.

25 de outubro de 2012

COMO EU ENTENDO A LIBERDADE

Você me dá a liberdade
que me liga a você
mas a nossa ligação
não tem amarras

- Isso nos amarra

(Almut Adler)

16 de outubro de 2012

nem mesmo a paz de não ter nada

6 de outubro de 2012

"(...) se faz de louco varrido
 só pra passear de ambulância"

----

Nei Lisboa, "Zarpar pro futuro".

4 de outubro de 2012

Atenção consumidora: este Outubro pode conter traços de Agosto.

3 de outubro de 2012

Ansiedade lanches


talvez eu esteja esperando uma desgraça insuspeita acontecer para daí então surtar com propriedade.
como bom nonsenser adoro a palavra gente como vocativo, especialmente quando se fala pra uma, duas ou nenhumas pessoas, chegar em casa de noite, toda vazia, e dizer pra si mesmo gente que cansaço
gente eu to surtadinho surtadinho pena que é tarde e to cansado hoje seria uma noite boa pra escrever umas coisas simpáticas.

2 de outubro de 2012

meu plano B é pegar um biplano
pra sumir assim
bem devagarinho.
mme mp3,
te lembras quando a gente punha os discos pra tocar?
destacava do mundo das coisas coloridas aquele prato preto
onde a gente comia com a mão,
enquanto teus pés marcavam o ritmo
e a pista de pouso das coisas.

agora estas coisas são auto
são matemáticas
com um garfo acessas teu macarrão instantâneo
e para cada verão tens uma pasta no computador

te lembras quando a gente punha os braços pra tocar?
agora vc se toca sozinha, mme. mp3,
e acha vitrola e carinho
palavras super engraçadas.

música deixa a gente mais bonito?

1 de outubro de 2012

que linda a tua saia
daqui agora

29 de setembro de 2012

Quando a merda do pombo começa a cair
é que me vem a certeza:
outra vez a carta que te enviei
não conseguiu sair
desse quarto
Escuta: todas as coisas,
mesmo as intrigas minúsculas
e os acontecimentos roliços,
são pontes de tensão

tenho doze pares de olhos
e com horror constato que todas as coisas sobre esta mesa são protagonistas do mundo:
nada é menor detalhe figurante cochilo

olha pra mim
esquece as pessoas desse bar
as ordens os pedidos o teu uniforme:
só não deixe todas essas taças tombarem

vais aprender a rápido a se virar sozinho:
breve já estarás vestido
e virado antes mesmo que te chamem

terás então a mesma idade de todos os ansiosos
e a graça de inventar a roda e descobrir a pólvora todos os dias

escuta: vais trabalhar, segundo a segundo,
em coisas sem serventia
e tudo que fizeres vai ser refeito muitas vezes depois
mas tenha calma, não é tão mau assim:
aos domingos irá ao cinema de tua própria cabeça
e de vez em quando vais achar paz
em esquecidos campos de concentração

22 de agosto de 2012


olha como a gente
brinca do jeito errado,
tudo mui bem descrito,
dou-te o nome de todos os bichos
e diante de tudo claro e arrumado
te pergunto,
o que é, o que é?

este quarto colorido e confeitado
este quarto afilhado
o que é, o que é?
(a certeza de que esta sequóia não estava
na planta do imóvel)

e esta hora
ali entre as três, treze e meias
repousa na página 19,5 do nosso livro
quando acordas num soco de sonho e me olha assustado
o que é, o que é?

como se não tivesse nascido em nossa cama
está claro que nasceu
inda me lembro vc aos sete anos
dizendo amá, amá, aham, aham
você não lembra
eras bem pequeno
eu te pegava no colo, dava de mamar
enquanto opinavas sobre o financiamento
do nosso paraíso

19 de agosto de 2012

olha como a gente brinca errado,
 descreve tudo mui bem descritinho,
 e quando estiver tudo aparentemente arrumado
 e claro o que é, o que é?

13 de agosto de 2012

um poema de Bento Nascimento

OS ÚLTIMOS CIGANOS

Se eu explicasse
como que cheguei aqui
acabaria com toda magia que foi vir

Importa agora
o abraço da chegada
a alegria do encontro
o fato de estarmos juntos

Se eu tiver de explicar
o motivo de ter que partir
vai quebrar o encanto
de estarmos aqui
 
---
 
do livro "Aos Vivos", Editora MariadoCais. 

29 de julho de 2012

“Un día descubrí en la biografía de Marcel Duchamp, cuya actitud vanguardista es lo único a lo que he permanecido fiel desde el comienzo de mi carrera, que hay un momento en el que él no tiene ideas. Y en lugar de vivirlo como un verdadero drama, decide profundizar y bucear en las ideas originales que ya tuvo. No todo tiene que ser una carrera de progreso superándote a ti mismo. Somos limitados, también hay que saber volver hacia atrás.”

uma apaziguadora fala de Enrique Vila-Matas, extraída desta entrevista que não li.

12 de julho de 2012


A tarde inteira equilibrando a bunda no paralelepípedo. Tudo o que eu sei vem dos livros, ele disse, querendo que soasse bonito, mas a mim soou extremamente vazio e ignorante, tanto que pensei em ajudar, dizer e eu nada sei de música, o que ouço de interessante descobri sem querer na trilha de velhos clássicos do cinema. Mas não disse. Fiz um oh, um ohzinho quase não-pronunciado e virei o rosto para a rua. Um ou dois carros sempre passando, depois um intervalo de silêncio, e então mais um ou dois carros em passo morno pela rua esburacada. Ruas como esta, sem asfalto, feita de lajotas, de movimento médio, um ou dois carros passando entre intervalos, e ainda com dois ou três terrenos baldios, ruas desse tipo são as mais raras e bonitas. Mas isso ele não sabe, nem vai saber, a não ser que alguém ponha num livro.

4 de julho de 2012

há muita literatura sobre nós. uma gente antiga e importante, de nome pomposo, sem rosto e sobrenome, Marçal, Catulo, sim, nesse tempo eles já estudavam você e eu. são textos e mais textos, poemas, canções, contos que discorrem sobre ser o que somos. na romênia há quem escreva sobre a gente. na islândia e em pernambuco também. Camões, Celan, Cartola, Noel Rosa, essa gente de nome engraçado escreveu sobre a gente. fora o que nos diz respeito, mas está por aí, no fundo de gavetas aguardando publicação. há muita literatura, os especialistas em você e eu não têm do que reclamar.

17 de junho de 2012

Said The Poet To The Analyst

My business is words. Words are like labels, 
or coins, or better, like swarming bees. 
I confess I am only broken by the sources of things; 
as if words were counted like dead bees in the attic, 
unbuckled from their yellow eyes and their dry wings. 
I must always forget who one words is able to pick 
out another, to manner another, until I have got 
something I might have said... 
but did not. 
 
Your business is watching my words. But I 
admit nothing. I worth with my best, for instances, 
when I can write my praise for a nickel machine, 
that one night in Nevada: telling how the magic jackpot 
came clacking three bells out, over the lucky screen. 
But if you should say this is something it is not, 
then I grow weak, remembering how my hands felt funny 
and ridiculous and crowded with all 
the believing money.
 
 
Anne Sexton
To Bedlam - And Part Way Back (1960) 

31 de março de 2012

peixaria

existem cerca de setenta e sete maneiras de ser apanhada, amor,
e todas elas consistem em abrir a boca

o peixe que comprastes tem olhos vermelhos como um coelho
mas cheira bem
vc não sabe meu bem vc não sabe?
teus olhos naquele álbum
rio de janeiro
vermelhos como coelhos
naquele álbum cheiramos bem

nadam os peixes em cubos de gelo
e nos olham e nos olham e nos apertam
se frescos estamos
não é droga
repare nas escamas, esse é fresco
parece que ainda o vejo no mar
a gente na praia

é um tempo que não volta, se arrasta,
embrulhada em jornal levamos nossa história pra casa

23 de março de 2012

tuas cartas. esses anos tudo. joguei pra cima. fiz sorteio.

11 de março de 2012

e ainda me lembro do dia em que inauguraram o mundo, era sábado e sentados na calçada apontávamos para os cachorros com formas engraçadas, como se nuvens à espera de um nome. carros eram monstros coloridos que nos ignoravam, e naquela noite a lâmpada que acendeu-se no quarto te meteu medo e por muito tempo admiramos aquele relâmpago que nunca se apagava, e tudo era novo, os grilos a primeira e mais importante música

Celacanto, peixe jovem


Celacanto, animal emblemático de nome melodioso. Explica Vânia de Campos no texto de apresentação que celacanto seria um peixe que viveu há 200 milhões de anos, com ossos e um peso semelhante a de um homem adulto. “No início deste século, na década de 20, foram encontrados alguns exemplares vivos deste peixe nas profundezas de algum mar do planeta. Estranho – ele não evoluiu. Apresentava as mesmas características que estão impressas nas enciclopédias”.
Resultado da parceria de Antônio Carlos Floriano e Bento Nascimento, ambos de Itajaí (a história desse livro pode ser conhecida aqui), Celacanto é livro de dois poetas jovens, livro de quem dá um passo a mais e atira ao mundo o que sente. Por mais ousados sejam os versos, aqui e ali despontam a insegurança e o anseio de quem vaga à procura de um lugar no mundo. Diz Floriano:

“(...)
Mesmo que saibamos
inventar palavras,
histórias trágicas
mágica paixão.
Temos o medo que não se acaba.
Somos meninos na escuridão.”

A procura é dupla: enquanto busca seu lugar no mundo, também busca um modo de cantar sua odisséia particular. Assim, bons poemas de Floriano (geralmente os curtos) convivem lado a lado com versos  dispensáveis (Não se chora por pouco/Não se pensa em brigar/Quem tanto lutou pela vida/Outra vida melhor vai achar). Falemos dos bons, dos poemas-pistas que carregam dentro de si o poeta que hoje Antonio Carlos Floriano é. 

“Não procure um sentido completo
uma verdade que exprima
a essência da vida
Você com seu jeito de colar cartazes
Nas paredes desta nossa convivência
na certa está contribuindo
para o complemento da história"

Aqui, a insegurança dá lugar a uma voz experimentada, que se dirige a um interlocutor preocupado com a essência da vida. O poema reflete uma inquietude tipicamente jovem: ser e estar no mundo é participar da História, uma inquietação ainda maior para estes cuja adolescência aconteceu na turbulenta década de 70. Mas não há guerras nem revoluções para tantos rebeldes (e isso leva, às vezes, a jovens que inventam revoluções desesperadas para ter ao que responder). Nem todos entram para a história dos grandes feitos. Cabe então, aos que ficam, manter vivo esse jeito de colar cartazes no cotidiano, nas paredes da nossa convivência.

*****

A outra metade desse peixe, Bento, também compartilha com Floriano certas angústias inerentes à juventude. Mas é menos ideológico e menos melancólico do que o parceiro. Com mais humor e sarcasmo. Pouco apegado à ideia de História, Bento versa sobre dois temas principais: as relações amorosas e a solidão. A solidão de Bento é a solidão natural, inerente, animalesca, de quem não consegue dialogar com as pessoas vazias que o cercam.

"eu sempre fui só
mesmo quando a sala estava cheia
e existiam mais verdades
na fumaça de tantos cigarros
que naquilo que então ouvia"

E mesmo quando canta o amor e a busca amorosa, Bento não deixa de emanar solidão. O amor que não deu certo, o amor que ainda não veio, o amor que ele busca, o amor que ameça se perder: o amor em Bento está sempre em outro lugar.

"Preciso de sua companhia
e às vezes passo a mão no pêlo
de um gato
como se aliviasse essa dor"

//

"Apesar de entender aquele
olhar de soslaio
não me atrevi
e mofei
com a pomba no balaio"

-----

Bento é todo passional. É difícil falar tanto de amor sem escorregar em versos vazios e essa tarefa se torna quase impossível se o poeta é jovem. Mas um ou outro deslize é compensado por versos fortes e inusitados, que inauguram um jeito de ver a já tão cantada busca amorosa.

"Quando caio dentro de mim
e me ligo que só saí do porto
na sua procura
isso me dói.
Me dói tanto a imaginação adoece
e choro e meu choro acorda os últimos celacantos.
E dentro de minha lágrima marinha
na derradeira
que sinto algo de continuar."

*****

Celacanto é livro de começos, de ensaio. Celacanto, bicho estranho, primitivo, que contraria o esperado e absurda a natureza. Celacanto, bicho sem-lugar, perdido no fundo de algum mar, como estes dois, Bento e Floriano, jovens peixes nas profundezas de Itajaí.

"Quem me dera
prender a tarde pelas asas
e conservá-la
profundamente em éter
ou n'álcool
dentro de um copo.

Guardá-la sempre
e proteger o azul, fundo das antenas cristalizadas.

Olhas de repente
e lá na estante
uma tarde inteira
guardada"

10 de março de 2012

vamos suspeitar desse vaso,
- este que há tempos está sobre a mesa - e crer que ali é o esconderijo das chaves de uma outra casa,
e no meio do sonho vem ele, o que sussurra, ou ela, a dos chinelos ásperos, e sorrateiros colhem a chave para abrir uma terceira noite, longe desta que é tão intacta, cada coisa em seu lugar, o meu braço, a cama, o copo d'água e mesmo o teu cabelo bagunçado parece que sempre esteve à espera desse fio de vento que te derruba para fora da cama.
vamos suspeitar desse vaso,
presente de sua mãe, e entender por que diabos o escolheram para ali guardar a chave. não seria ali entre pétalas e vidro o lugar mais seguro do mundo?  Uma colmeia, um açougue, a letra K da enciclopédia.
talvez a pergunta seja: podemos culpá-los por todos os barulhos pequenos da noite? Tua apneia assustada é o velho e a velha arrastando os chinelos - arriscaria - para dentro de nosso quarto. se coragem eu tivesse de abrir os olhos quando sinto a noite mudar de lado, talvez os visse, e parece que os ouço, casal de gnomos, um velho uma velha, e sinto como ele sussurra, respirando como um cavalo, mas sei que, abertos os olhos, eles não mais estarão, é uma noite que não nos pertence.
e pela manhã trocaremos olhares entre as xícaras, o vaso em estado de espera, as flores a brincar com os pés na água, porque assim elas vivem, uma vida de três ou quatro dias distraídos, sem revolta por não haver onde. e procuraremos rastros inúteis pela casa e combinaremos vigílias que nunca serão feitas, e lado a lado na cama, mais uma vez, já lhe passou pela cabeça o que se esconde dentro desses travesseiros?

26 de fevereiro de 2012

Um brinde a uma seção desaranhada da nossa garagem

me esforço pra ser original para você,
mas tomo o mesmo café todo dia
e aperto o passo quando chove,
então, não sei.

23 de fevereiro de 2012

22 de fevereiro de 2012

faça de conta que isso é um telegrama imenso: se faltarem explicações, se palavras forem cortadas, foi para deixar mais barato. telegrama imenso, haicai de três folhas, trevo de cinco dedos e oh meu deus, nunca consigo dar as respostas que você quer, sempre te ofereço esse buquê de saídas, portas que levam a novas perguntas, e assim passam-se as horas e os dias e parece que nunca saímos daquela conversa no telefone, vc me dizendo o quanto-me-gusta-and-how-disgusting-is-it, e eu ali coçando a ponta dos meu dedos, essa arte que vc sempre ignorou, e eu ali dizendo sim, também te gosto, sim, meu nome é amália, e eu agindo como se do outro lado estivesse um atendente de telemarketing qualquer, e talvez seja um pouco disso, talvez do outro lado vc me convencesse, por meio de elogios e anedotas a comprar algo que não queria, e eu não sei meu cpf, aguarde na linha um instante, sim?
e vc aguardou, e guardou isso na testa como um troféu, veja como sou paciente, como se isso garantisse qualquer coisa: amor não é maratona, querido. e vc me pergunta na carta se sei o que é o amor: se soubesse estava longe e rica, vc sabe. não o entendo e não sei como se chama: o que sei do amor é aquilo que ele não é, e isso sempre me bastou
te deixo uma lista:




eu não sei, claro que não sei. como não sei o que me move a te escrever e procurar duas ou três respostas que acalmem essas 18 perguntas (eu contei) que vc manda na sua cartinha. gosto de vc e te quero bem, e é uma pena, eu tenho vontade é de escrever carta maldosa e sarcástica, sempre sonho com brigas homéricas, sonho com gente puxando briga comigo por carta, irmãs e amigas, só para eu poder mandar algo à altura. mas isso quase não acontece: a maioria é gentil, como vc é, um poço de gentileza, um poço seco de gentileza cravado num deserto de gentes. o mundo é gentil. falsos ou sinceros, o mundo borbulha de gente bacana, bonita e gentil. seu pária, não é disso que preciso. 
(acho que com essa última frase eu respondo 4 ou 5 das tuas perguntas).
tua carta toda é um convite a olhar pra trás e ver o "que deu errado",
embora eu não goste desse teu jeito prático de ver os erros:
amor não é carro que vc levanta o capô, mexe no motor e logo encontra
as falhas. [o amor não é tanta coisa, me lembra meu avô que saía 
de madrugada pra jogar cartas e voltava seis da manhã para uma 
chuva de imprecações de minha vó, a dizer vc não é uma formiga,
um cocozinho de barata, vc é menos que areia, seu puto, mas isso
é uma história velha e vc chegou num ponto que não quer mais ouvir
minhas histórias. vc quer saber onde tem erro, vc quer okays
e continências, ok, vamos lá], vamos à sessão espírita, pq nisso acredito: isso de olhar pra trás é ver nossas vidas passadas:
à cada dia nos reinventamos,
somos outros no dia seguinte,
então pare de olhar pra trás e me apontar: aquela não sou  eu.
é fotografia, carcaça alegre de cobra,
um casaco que larguei no banco da praça
porque o calor estava imenso
como este telegrama
Sim, houve alegria
E dias toscos, noites sem sentido e algum sexo,
E discussões mornas e dias em que a luz acabou, e tardes de chuva, piadas sem-graça que seu tio contava nas vezes em que te visitei. Houve milhares de eventos e cada um deles tem um pedaço perdido, e se unidos talvez explicassem porque estamos assim um contra o outro:
teu nome num lado da carta e o meu nome na outra
Mas não dá para montar, o tempo vai roendo, imperturbável, essa porta que um dia escancaramos naquela conversa de telefone. Nossos erros, como o amor, não tem nome, bebê. Faça de conta que a vida é um telegrama imenso, repleto de palavras e ainda assim cheio de lacunas. O que não entender, invente pt saudações

21 de fevereiro de 2012

a esfinge sempre ganha: o enigma é sempre um outro além deste que ela canta

18 de fevereiro de 2012

Um poema de Jeffrey McDaniel

The quiet world, na tradução de Mauro Faccioni Filho
Catei da Revista Babel, nº 1.

Especialmente pra Samia Schiller, que tava afim de conhecer um poema novo.
Acho que já mostrei esse poema pra Roberta Bittencourt e ela não gostou.
Então se vc passar por aqui, Roberta, ignora, queridinha.
Acho que o Hobbyson R. dos Passos iria gostar desse tbém.

ó:

O MUNDO SILENCIOSO
num esforço para que as pessoas 
olhem mais nos olhos umas das outras, 
e também para satisfazer os mudos, 
o governo decidiu determinar 
para cada pessoa exatamente cento 
e sessenta e sete palavras por dia.
quando toca o telefone, ponho-o ao ouvido 
sem dizer alô. no restaurante 
aponto para a canja de galinha.
estou me ajustando bem ao novo jeito. 
tenho estampas para todas as ocasiões. 
cada manhã invento uma nova frase 
que imprimo numa camiseta, 
como Os Seres Humanos Estão Vindo 
ou Karaokê Para Mudos.
tarde da noite, ligo para meu amor distante, 
orgulhoso digo somente gastei cinqüenta e nove hoje.
guardei o resto para você.
quando ela não responde 
sei que usou todas as suas palavras 
então sussurro lentamente eu amo você 
trinta e duas vezes e um terço. 
depois disso, ficamos junto à linha 
ouvindo um o respirar do outro.

15 de fevereiro de 2012

anibal cristobo

amei,

------


PUZZLE DE MONTANHAS CHINESAS
 
Uma chuva dispersa, disposta
no nonsense: sobre a alfombra
tomávamos o chá e ordenávamos
desde nossa destreza, os fragmentos
de bruma. "O olho, a sensação
da memória recente: tudo isso
 
como uma porcelana
ou um bambu, crescendo sob o ritmo da conversa,
nosso próprio ideograma."
 
Outro idioma: a relação, revelação
do trabalh e a forma.
A cabana no alto.
 
Nosso jogo: uma acumulação
de diferenças,
uma imagem perdida,

---------

anibal cristobo.

--------

obrigado, samia! 

5 de fevereiro de 2012

Isso não é uma resenha, tá. É só uma conversa de msn.

kawa, bata.
deixa eu colar um pedaço aqui pra ficar claro o que vou dizer.
é uma leitura muito diferente, este kawabata
por ser oriental, japones, ele meio que me pega com olhos habituados a livros ocidentais
daí estranho esse livro, o jeito como ele narra, as coisas as quais o narrador da valor, enfim.
a verdade é que acho sem graça.
te entendo muitíssimo
Mishima é o cara
baby
Eu acabo comparando com o livro que li do mishima
e ele, mishima, apesar de tbem promover esse "choque" de cultura
pq esses japoneses adoram falar de templos e costumes deles, nunca vi
vc nao leu o melhor do Mishima
eu insisto
EU SEI
só um.
O MARINHEIRO QUE PERDEU AS GRAÇAS DO MAR
ok.
nunca esqueça diss
o
ok
eu ia dizendo que o mishima ainda desce bem
apesar das peculiaridades, se aproxima do jeito ocidental de contar histórias
é
ele me lembra Lispector
pq ele faz analise psicologica dos personagens
ISSO
mas o kawabata não.
é como se ele não conhecesse por dentro os personagens
e ficasse descrevendo seus movimentos e intuindo, aqui e ali, os sentimentos deles.
não é nada introspectivo.
esse livro é todo de imagens.
ligadas à natureza, sobre tudo. ele é minucioso.,
e totalmente afeito a descrever coisas, costumes, festas, pratos
daí eu choro.
OLHA

>
"O enrolado do yuba assemelha-se ao enrolado de enguia - que inclusive leva o mesmo nome -, mas o dessa casa consiste em bardana enrolada no yuba. o yuba-de-peonia traz sementes de ginkbo envolvidas em laminas de yuba e tem um aspecto que lembra o hirousu"
pqp
só faltou dar o tempo de preparo e quantas porções rende.
tem mto disso no livro
essas descrições de costumes e habitos japoneses, des festas, hierarquias, enfim.
isso é horrível nao?
(assim como achei excessivas os comentarios sobre templos e hierarquias religiosas no livro do mishima. Mas isso é japao, acho que aqui eu que estou errando)
SIM
e enfim
nada acontece nessa porra
E TEM MAIS CRITICAS
eu sei
japoneses são contidos
é uma cultura totalmente diferente
a forma como eles demonstram as emoções
mas mesmo sabendo
não consigo deixar de estranhar, né.
o livro conta a historia de Chieko
que foi abandonada na casa de dois comerciantes burgueses
que criaram ela com mto amor etc
um dia
ela descobre que tem uma irma gemea, meio pobrezinha
AGORA VEJA A CENA.
a chieko andava desconfiada
ja tinha vista a moça uma vez e tal
e um dia encontra ela de novo e se aproxima dela
veja como kawabata narra
duas irmas gemeas
se reencontrando pela primeira vez
[chieko se aproxima da moça. elas nunca se falaram nem se olharam de frente antes disso]
"A jovem encarava chieko como se quisesse devorá-la com o olhar. --Porque orava tanto? Perguntou Chieko. / -- Estava me observando? -a voz da garota tremia- É que queria saber o paradeiro da minha irmã mais velha... Oh!... Mas... Mas é minha irmã! Foi a graça dos deuses que nos ajudou - As lágrimas transbordavam dos olhos dela.
Não havia dúvida, tratava-se daquela jovem da aldeia dos cedros de Kytayama
"
meus olhos ocidentais acharam isso tão cafona.
extremaly!
fuck
mas enfim
devo terminar
preciso ler mais japoneses. me habituar.

21 de janeiro de 2012

Flaubert, Bierce e Oswald de Andrade: dicionários de ideias e gentes



Em muitas de suas cartas a amigos e a L. Colet, seu principal affair, o francês Gustave Flaubert menciona a ideia de criar um Dicionário de Ideias Feitas, uma enciclopédia que reunisse uma série de clichês apregoados em massa pela sociedade de seu tempo. O Dicionário foi publicado pela primeira vez em 1911, muitos anos após a morte do autor, em 1880. Foi um dos últimos trabalhos a serem concluídos por Flaubert, no entanto sua concepção é anterior a muitas de suas outras obras. A ideia de um dicionário com essa forma é mencionada pela primeira vez na Correspondência* do autor em 1850 (nessa época, por exemplo, a senhorita Bovary ainda não existia).
Em Carta de 17 de Dezembro de 1952, Flaubert apresenta alguns verbetes do futuro dicionário para Louise Colet:

"ARTISTAS: são todos desinteressados.
GALINHA: fêmea do galo
FRANÇA: precisa de mão de ferro para ser governada
(...)
NEGRAS: são mais quentes que as brancas"

Na edição que saiu em Portugal, tem-se esse divertido dístico:

MORENAS: são mais quentes que as loiras (ver loiras)
LOIRAS: são mais quentes que as morenas (ver morenas)
-----

Aparentemente, Flaubert limita-se a reproduzir chavões recorrentes nas conversas em sociedade. A intenção do dicionário era fazer com que as pessoas se dessem conta do vazio que tais expressões criam ao serem ditas. "Seria preciso que, no livro todo, não houvesse uma palavra de minha autoria, e que uma vez  lido ninguém mais ousasse falar, de medo de dizer naturalmente umas das frases lá encontradas." Mas Flaubert foi além dessa catalogação fria (frieza que é demonstração de grande sarcasmo, obviamente), ampliando alguns verbetes, a ponto de transformá-los em conceitos, incluindo às vezes uma certa opinião (o que contraria a ideia inicial de não incluir nenhuma palavra de autoria sua).
Por exemplo, no verbete ALGODÃO, tem-se: "é sobretudo útil para os ouvidos"

Dessa forma, podemos associar tal obra com outro famoso dicionário, o de Ambrose Bierce que, veja só, também foi publicado (em livro) em 1911, embora a ideia também tenha nascido vários anos antes, com o aparecimento de alguns verbetes em colunas para as quais Bierce escrevia. "O dicionário do diabo" (em inglês saiu como The Cynic's Word Book") é um livro totalmente satírico, com uma proposta diferente do livro de Flaubert. Nesse caso, a intenção única é fazer chacota de costumes, tipos de pessoas, empregos, qualquer coisa. 


Uns exemplos:


ALONE: In bad company
BRUTE: See HUSBAND
HISTORY: An account mostly false, of events mostly unimportant, whice are bought about by rules mostly knaves, and soldiers mostly fools.


-----


A literatura brasileira também tem o seu dicionário satírico, que é fruto de um dos mais polêmicos autores: Oswald de Andrade. "Dicionário de Bolso", obra do espólio, foi composto provavelmente na década de 30, mas apenas saiu em 1990, com a reedição das obras completas do autor. Nele, toda a mordacidade de Oswald está concentrada em pequenos verbetes nos quais apresenta descrições/definições de inúmeras personagens históricas/ficcionais. Como era de se esperar, sobram trocadilhos e piadas de humor negro.


ADÃO: Primeiro marido de Eva
JOB: Judeu sem dinheiro.
LUTERO: Papão dos papas.
EINSTEN: passa-tempo perdido no espaço-tempo
MARX: Esquina da História


É um dicionário original, que dialoga com aqueles dois (e mais Voltaire e Strindberg, também autores de famosos "dicionários"), mas apresenta características muito particulares, que dão à obra um lugar assegurado entre os mais interessantes dicionários literários. Costumo dizer que o pior e o melhor de Oswald estãonesse livro. Se por um lado, é exemplo da brilhante mordacidade e ironia que Oswald imprimia em suas obras, sempre contestando os costumes de sua época e, mais do que isso, promovendo uma revisitação crítica da história do país e do mundo; de outro, o livro possui algumas partes, alguns verbetes, que envelheceram. E a boa literatura não envelhece. Lógico, a partir do momento que trabalha com personagens e fatos históricos,  o autor corre o risco de ver sua obra envelhecer com rapidez. Ao mesmo tempo que criou verbetes para fíguras bíblicas, grandes estadistas ou famosos escritores, Oswald também destilou verbetes sobre pequenas figuras da sociedade paulistana. Estes verbetes, sim, envelheceram, e se tornam quase ilegíveis aos leitores atuais. Outro problema dessa edição são as críticas aos escritores Mário de Andrade e Guilherme de Almeida. Oswald viveu com ambos relações conflituosas, de amor e ódio. Na época da produção dessas notas, tais relações não andavam muito boas, pois os dois verbetes tem conotação negativa. O leitor não pode, entretanto, esquecer que tais verbetes são reflexos do momento que Oswald vivia então, de forma que eles não podem ser considerados como "palavra final" acerca dos dois amigos. 
Outro problema na obra, que também está ligada à sua data de produção (pelo menos ao momento principal de sua produção, já que, sabe-se, os verbetes foram sendo editados ao longo de alguns anos), são os verbetes pró-Luis Carlos Prestes e pró-Partido Comunista. Nessa época, Oswald militava arduamente no Partido Comunista e isso refletiu-se nas suas obras (especialmente nas peças, como O homem e o Cavalo, ou nos textos saídos no jornal O homem do Povo). Mais tarde, decepcionado, Oswald abandonaria todo esse furor comunista, mas a marca desse tempo ficou impressa em algumas dessas obras. Uma marca envelhecida, diga-se. Suas melhores obras, as que ficaram, são aquelas produzidas quando Oswald estava livre do engajamento político. A verdade é que todos os verbetes estão ligados à situação política de Oswald, pois todos representam seu ódio pela classe burguesa (embora ele tenha sido um burguês, teoricamente, à medida que viveu por muito tempo da herança de terrenos e títulos vindos do pai). No entanto, alguns verbetes são "exageradamente engajados", e O Oswald mordaz e irônico, que é o melhor Oswald, dá lugar a outro falastrão e socialmente engajado:


PROLETÁRIO: É quem aluga diariamente os seus braços para poder comer mal e dormir pior. (...) É quem se revolta afinal e desencadeia no mundo a revolução que o fará coveiro e herdeiro da burguesia.

Eliminados os verbetes passadistas e a politicagem rasa, ainda sobram bastantes verbetes para serem apreciados (embora eu pense que talvez o maior prazer da obra esteja em avaliar sua estrutura, ímpar em nossa literatura, do que curtir os verbetes em si), nesse que é o dicionário do diabo brasileiro:


"CABRAL: O culpado de tudo"
-------------


* A edição que utilizei na citação das cartas de Flaubert foi "Cartas Exemplares", organizada e traduzida por Duda Machado. Editora Imago, 1993

19 de janeiro de 2012

18 de janeiro de 2012

CÉUS, não me aguento mais colando coisas dos outros aqui, ok?

mas isso aqui é fantástico:


“Eu costumo me perguntar o que faz uma história funcionar, e o que faz ela se sustentar como uma história, e tomei como resposta a de que é provavelmente uma ação, algum gesto de um personagem que é diferente de qualquer outro na história, aquele que indica onde o real coração da história está. Ele deveria ser uma ação ou gesto totalmente correto e totalmente inesperado; dentro do personagem e além do personagem; sugerindo o mundo e a eternidade. A ação ou gesto da qual estou falando teria de estar no nível de arrebatamento, ou seja, no nível em que tem a ver com a vida Divina e nossa participação nela. Deveria ser um gesto que transcenda qualquer alegoria evidente que tenha sido planejada ou qualquer moral conveniente que o leitor possa fazer. Seria um gesto que de alguma forma fizesse contato com o mistério.”

Flannery O'Connor em Mystery and Manners: Occasional Prose.


Fonte: foda-se a fonte.

C. S. Lewis fala sobre ser adulto (e ser criança) na medida certa.

preciso aprender a ser mais seletivo. não querer abarcar tudo, ler tudo, guardar tudo.
maaaaaaaaaaaaas, enquanto não aprendo isso, colo aqui dois trechos de um ensaio de C. S. Lewis que achei excepcionais. esse ensaio está ao fim do volume único das crônicas de nárnia (editora martins fontes?)

(via enzo potel)



"Os críticos para quem a palavra adulto é um termo de aplauso, e não um simples adjetivo descritivo, não são nem podem ser adultos. Preocupar-se em ser adulto ou não, admirar o adulto por ser adulto, corar de vergonha diante da insinuação de que se é infantil: esses são sinais característicos da infância e da adolescência. E, na infância e na adolescência, quando moderados, são sintomas saudáveis. É natural que as coisas novas queiram crescer. Porém, quando se mantém na meia-idade ou mesmo na juventude, essa preocupação em "ser adulto" é um sinal inequívoco de retardamento mental. Quando tinha dez anos, eu lia contos de fadas escondido e ficava envergonhado quando me pilhavam. Hoje em dia, com cinquenta anos, leio-os abertamente. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino, inclusive o medo de ser infantil e o desejo de ser muito adulto.

2. A visão moderna, a meu ver, envolve uma falsa concepção do crescimento. Somos acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim em não aceitar coisas novas. Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que tenho certeza de que não gostaria quando criança; mas não deixei de gostar de limonada. Chamo esse processo de crescimento ou desenvolvimento, porque ele me enriqueceu: se antes eu tinha um único prazer, agora tenho dois. Porém, se eu tivesse de perder o gosto por limonada para adquirir o gosto pelo vinho, isso não seria crescimento, mas simples mudança. Hoje em dia, já não gosto somente de contos de fadas, mas também de Tolstoi, Jane Austen e Trollope, e chamo isso de crescimento; se tivesse precisado deixar de lado os contos de fadas para apreciar os romancistas, não diria que cresci, mas que mudei. Uma árvore cresce porque ganha novos anéis; já um trem não cresce quando deixa para trás uma estação e ruma para a seguinte, esbaforido."

15 de janeiro de 2012

Pedro Kilkerry + Augusto de Campos + Cid Campos + Augusto de Campos


Lindeza:


 Adriana Calchantoto e Augusto de Campos interpretam um poema de Pedro Kilkerry
 (poeta esquecido!) 

trecho de uma carta de Flaubert

endereçada ao amigo Alfred Le Poittevin. Carta de Maio de 1945, quando Flaubert contava 23 anos.

"Procuro passar o tempo da maneira menos tediosa, e achei como. Faça como eu: rompa com o exterior, viva como um urso - um urso branco - deixe que tudo se dane, tudo e você junto, mas não sua inteligência. Existe agora um intervalo tão nítido entre o que sou e o resto do mundo, que me espanto às vezes de ouvir dizer as coisas mais naturais e mais simples. A palavra mais banal me deixa às vezes em singular admiração. Há gestos, sons de vozes dos quais não me recupero, e tolices que me dão vertigens. Você já escutou alguma vez atentamente as pessoas falando numa língua estrangeira que você não entendia? Comigo é assim. à força de querer compreender tudo, tudo me faz sonhar. Parece-me no entanto que essa estupefação não é estupidez. O burguês, por exemplo, é para mim qualquer coisa de infinito. Você não pode imaginar o que o apavorante desastre de Monville me causou. Para que uma coisa seja interessante, basta olhá-la durante muito tempo."


tradução de Duda Machado.
"Cartas Exemplares", Editora Imago.


---------


Morri de paixão.

10 de janeiro de 2012

um poema de e.e.cummings

amo o verso final>


somewhere i have never travelled,gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands
Não me peça isso,
é muito perigoso abrir os braços a essa hora da noite
Há muita gente sozinha lá fora, revirando corações de lata
e não é seguro te dizer o que penso nessa hora
sem ritmo ou água

Se insistir, terá de vasculhar nesse quarto
algum canto que possa chamar de longe,
um ponto do qual possa me olhar com vertigem e dúvida nos olhos
e que haja um vácuo entre nós
onde chovam tâmaras
secas de tanto concebidas

Este quarto sempre foi um mundo 'a parte,
e todas as vezes em que você bateu delicadamente na porta
entrou como um alienígena
um monstro na ponta dos pés
a devorar toda a antítese e todo o pão
até que enfim restassem,
dois corpos dispostos na cama
a ouvir um outro mundo se erguer do outro lado da vidraça
todo som e calor,
um mundo que nasceu agora e,
debochado,
já traz uma historia e uma enciclopédia consigo,

pois não me peça isso,
deixa as tuas historias na porta como se fossem sandálias sujas,

este é um outro quarto,
e sempre só houve ele,
e no futuro,
ao saíres pela porta,
habitarás outro mundo único,
e este hoje não terá nenhum valor na nova terra,
estes braços, um quarto que não se abre enquanto não
atira tua sandália ao deserto faminto

estes braços, tuas mãos, essa vidraça,
elementos provisórios dessa noite
cada vez mais extensa,
mais uma serpente absurda a brotar
dentro da mais noturna das tâmaras
a suspender
esse quarto câmara-clara,
que não se sabe quanto de febre e noite
e chora com braços encruzilhados

entra, deite-se,
e não me peça isso
não vou ler os sonhos das ultimas noites
não porei sal nas tuas chagas,
é muito perigoso abrir os braços nesse momento
essa hora sem ritmo ou água.

8 de janeiro de 2012

4 de janeiro de 2012

uns versos de emily dickinson

The only new I know
Is bulletins all day
From Immortality.

As únicas notícias que tenho
São boletins o dia todo
Da Imortalidade


Mon Dieu. Emily vivia numa região erma (Amherst é o nome da localidade, não sei em que estado, E.U.A). Em suas cartas, refere-se sempre a seu cachorro, a seus passeios pelo campo, a uma castanheira pela qual se apaixonou. E é isso. Vivia reclusa, com poucos contatos. Daí a entrega total a seu novo amigo, o político e escritor Thomas W. Higginson, para quem a poetisa escreve a primeira carta em 16 de Abril de 1862. Manda versos e pede uma avaliação de Thomas, nome reputado na época. Dickinson gostava de seus artigos.
Essa amizade é contada de forma breve em "Algumas Cartas", livro que li com grande prazer. Porque se percebe que dickinson era poeta por inteiro. suas cartas não se dissociam de seus poemas, uma coisa só.
melhor que tentar dizer, é mostrar. o começo de uma.

"Caro Amigo - Uma carta sempre me dá a sensação de imortalidade, porque é a mente sozinha sem o amigo corpóreo"


E é engraçado (não é engraçado) você ler os versos ali acima, fechar o livro e dar de cara com milhões de boletins mortos. A saber: placas de carro, de ônibus, escritos em camisetas, outdoors, etcéteras, e toda essa tralha que infesta os olhos.

Fonte: Algumas Cartas: Cartas de Emily Dickinson a Thomas Wentworth Higginson. Editora Noa Noa, 1983. Tradução de Rosaura Eichenberg.