22 de fevereiro de 2019

primeira poética

alguém fala, neste momento, o que aqui vai escrito 
e por isso apanha e por isso morre
e por isso outro alguém é condecorado e invejado
cuspido e escarrado

alguém fala, neste momento, a uma legião desinformada
o que você rabiscou na parede quando era pequena
você não lembra
mas o povo sim, e se exalta
e no fim o esfaqueia por trás
e aceita uma nova promessa

alguém sugere, neste momento, a um idoso
o que não te disseram quando criança
e por isso morrestes a pontapés 

alguém mastiga sua boca 
por dentro para não dizer
o que aqui vai escrito
o que disse a um amigo
encontrado na rua
o que você e eu podemos dizer e tanta gente não pode

alguém devia estar falando em nosso lugar

alguém falha,
sabes muito bem quem,
ao falar.

21 de fevereiro de 2019

aquilo que foi dito no ar permanece
e já há nações preocupadas
com a questão do descarte

gente dentro de casa
soterrada nos próprios pensamentos
torneira aberta fechadura travada
eu vou gritar até esvaziar esse lugar
& o corredor de casa deixar de ser
essa pista de dança apertada

aquilo que foi dito no ar permanece
casas mal assombradas
são aquelas vendidas
pelos filhos

os mais ricos possuem hoje em dia
luxuosos cômodos onde
(diz-se)
nunca ninguém disse nada

aquilo que foi dito no ar permanece
e não raro na boca se toma o discurso de outrem
que as pessoas escondem
como arrotos ou peidos
não raros

alheio a essa e todas as outras leis humanas
o sagrado paira, pluma, plana
de galho em galho
de planeta em planeta
e sem plano
pousa no cerne do que for
carne ou não

12 de fevereiro de 2019

querido chico,
o ministro do meio ambiente acabou de dizer na tevê que você é irrelevante ai se o mundo se tomasse de seringueiras um mundo sem cidades e ministros onde o ambiente pudesse enfim, num enleio, tornar-se inteiro. quem sabe aí poderíamos apagar o sol e jogar as chaves do céu fora uma seringueira vive por mais de 200 anos que jovens elas são! os seringueiros só morrem no fim do mundo eu tenho certeza o ministro dorme de sapatos, chico mande o abraço mais apertado para dorothy & todos

é tempo de versos de circunstância
parece que estamos a nascer e morrer
várias vezes por dia todo dia
uns lamentando, na tevê, a morte dos outros
outros lamentando, no sofá, a destruição
                                       de alheias casas

4 de fevereiro de 2019

ninguém disse que o moderno seria novo
nem que o novo seria novo
(ninguém disse mas noticiaram de novo)

todo dia a gente faz tudo sempre igual
e de novo e de novo e de novo
morte às galinhas eles querem o ovo apenas
apenas o ovo a custo de tantas forem as penas

ninguém disse a real lição de todo ovo
que no meio de toda pedra e de cada sapato
                                                                      há um ovo
todos ouviram a sujeira dita das tribunas
mas na transmissão omitiu-se a letra P
de política partido e povo
de novo

13.467 - mixtape trabalhista

horas-vagas
a custo de nosso trabalho
o mar descansa
/
quando eu teço, eu teço
não penso, não amo & nem ligo                                                                                                           
pro apito da fábrica de tecidos
\
& se a gente de repente
por acidente
se aposentasse junto?
/
e que tal? nunca faltaria assunto
se fôssemos desligados juntos
do quadro funcional
\
é tempo de atualizar a lei trabalhista
operários cegos retiraram na calada da noite
os pingos de todos os Is
/
o fazendeiro não contratará espantalhos
conta naturalmente
com o trabalho informal dos passaralhos
/