28 de agosto de 2010

como é que é, ô Ulisses?
Não sou de costurar, neguinho, e ainda estou no aguardo (cada vez menos vigilante....) de sua resposta.
sei bem o que você poderia alegar, (muito trabalho, burrice do carteiro, corre corre da vida, morre morre da vida, e outros temas) e já digo poderia, pois não vai: que essa carta tá aberta aí sobre a mesa da cozinha, provavelmente suja de farelos.
ainda não tenho o que por na carta, e já começo a desconfiar que não levo uma vida tão burguesa como penso. (que bom!) Mas tudo bem, que a vez é sua mesmo. (esse é meu segundo lance. depois não vá dizer que estou trapaceando). E falando em passeio, bota a resposta logo nesse correio grego, antes que eles entrem em greve de sexo ou de fome.
Vamos lá. estou aqui esperando. Eu e o Tchekov, que está cada vez mais gordo e branco, e que está aprendendo (gatinho-finesse!) a mijar na areia da ampulheta, como um bom menino. Falando nisso, faz tempo que você não vem aqui pra ver o tempo morrer dessa forma. Ok, ok, eu sei que acabo de infringir a segunda regra - ops! - de nosso combinado. A saber:
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Artigo 1º: Nessa coisa de trocar cartas, é inicial e terminantemente proibido falar de coisas do cotidiano, como por exemplo: da ignorância de nossos chefes e colegas de trabalho, se o sol tem aparecido em nossas cidades, quem morreu/quem nasceu, notícias do Front, do Frank e de outros vizinhos, etc. Vale falar de si. E vale falar do Tchekov também. Aliás, dos dois.

Artigo 2º: Nesse coiso de trocar cartas, é vedada a discussão de nossa relação amorosa, cerejosa, etc. Nada de coisas como saudade ou distância (que são palavra sinônimas e antônimas ao mesmo tempo e um pouco mais).Os assuntos devem ser outros (quais.... essa redatora ainda não sabe, ficando o complemento desse artigo sujeito ao resultado dessa troca de cartas)

Artigo 3º A única forma de quebrar os 2 primeiros artigos acima se dará por meios de estratégias não-explícitas, ou seja, ironia, código morse, insinuações, meios sensuais, etc; sendo vedada a participação de terceiros nessa discussão.

Artigo 4º O fim da troca de cartas ocorrerá no momento em que decidirmos morar juntos novamente. Ou não, pois podemos manter essa prática se tivermos vontade e cara-de-pau paraíso, digo, para isso.

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Relembrado isto, sento em cima dessa carta para reforçar o pedido de resposta.
E que venha bilhete, mas venha. Caligrafada ou torta, I want a retort.

a revoada, cherry!

PS: falar de leituras eu sei que pode.
enquanto a resposta não vem, sigo lendo o volume 2 dos Mil e Um Açoites. Estou numa parte ótima. Sherazade e suas histórias-chicotes estão deixando o rei doidinho doidinho!
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aos compradores de livros...



...o velho conselho do comércio também vale para sebos: pesquisar, pechinchar, etc.
Vejam que bonito, aí na foto acima. O mesmo livro (esqueçam autor e título, que nem são lá essas coisas), com mesma data de publicação e mesma editora, ambos em ótimo estado (segundo as descrições)... nenhum dos dois autografados...e entre eles uma diferença boba de R$ 240.
Esse site aí é a Estante Virtual. Eu recomendo para achar aquele livro que você não encontra de jeito nenhum. É preciso tomar alguns cuidados ao comprar, como observar se vale a pena, economicamente, já que você paga também o frete. Ou ainda verificar se o livro está em boas condições, etc. O site está no ar há alguns anos. Fiz algumas compras, mas não muitas, que sou um blogueiro pobrecito. mas tô sempre por lá, ainda que seja pra pinçar essas pérolas da arte de lucrar. ;P

15 de agosto de 2010

querida, venha aqui um minuto

e me relembre um coisa, que sou muito desmemoriado:
fazia sol, a gente se amava ou tinha apenas uma leve neblina
naquele dia em nos que casamos?

13 de agosto de 2010

sempre desconfiei dissos!




PP(pós-pixado): pra quem desconhece, a segunda frase é retirada de "Summertime", ária composta por George Gershwin (sim, inicialmente era uma peça para uma ópera), com letra de DuBose Heyward, mas que eu conheci por meio de uma versão jazzística dessa senhora aqui. Música ideal para ouvir no escuro de sua sala de não-estar, sem pensar em mais nada. E quanto ao Rosa, sem comentários! Ficam as sugestões.

PP2: tenho um medo danado de traduzir a menor frase que seja, quando o texto em questão é música/literatura, mas vá lá, "Tempo de Verão: viver é fácil..."

PP3: e eu sei que está tudo fora do contexto. é só pra brincar com as
palavras e as ideias que fazemos da vida, ok?

PP4: Em tempo, povo: desconsiderem minha tradução safada e ao pé da letra. Vide postagem auxiliadora da MCris

7 de agosto de 2010

sobre dois livros de Enzo Potel




Bem, eu estava devendo essa postagem há algum tempo. A primeira dívida era para com o Ítalo , que me deu esses 2 livros do Potel, presentão, e também ao Enzo, é claro, pois ele é o autor dos poemas. Ah, sim, "Cura" e "Contos de Facas" são livros de poemas. E a segunda dívida era para comigo mesmo, pro blog, pois não tenho escrito com a frequência que desejo.
E pra tentar quitar essas dívidas, eis essa postagem-agradecimento, pra falar um pouco sobre essas leituras, das quais gostei bastante, já adianto. "Cura" é o segundo livro de Enzo Potel, que é de Itajaí. "Conto de Facas" é o terceiro. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a qualidade dos projetos gráficos, ambos feitos pela editora Nova Letra (lembrei-me agora que já elogiei um projeto dessa editora - que mal conheço - numa postagem recente) Somam-se aí os desenhos de Me Fodí (em Contos de Facas) e as fotografias de A. Soares (em Cura) Bem legais.
A impressão que tive ao ler "Cura" foi a de encontrar em contato com uma poesia raivosa. De uma raiva ancorada na descrença. Uma poesia cética, sem qualquer gota de esperança, fé, resignação ou qualquer outro sentimento de acomodação ao caos mundano. O poeta, aqui, é aquele que "vê o abismo de baixo", que vai revirar as estranhas das pessoas e das coisas, para mostrar o que elas não externam naturalmente. E é bem o contrário: escondem. Em poemas como "Maria vai com as outras" (ela acha que angústia/faz parte da grife dela") ou "Mulher Hipopótamo" ("Mal sabes/as orgias internas/em que ela te come/enquanto conversa contigo/quase sem te dirigir os olhos/Séria/naquela risada que parece/cronometrada/para não levantar suspeitas/nem/escapar suspiros") o poeta ataca as falsas camadas que revestem as pessoas: modos enganosos de pensar e agir não escapam à sua raiva. Resumindo: poemas-socos.
Antes que eu comece a falar besteiras, é bom elucidar as coisas com dois trechos extraídos das contracapas. Em "Cura", um trecho do prefácio de Ryana Gabech sobre a poesia de Enzo: "[a poesia de Enzo] Revela, fere, aponta mas também beija, acalma, entristece e dorme. É a vida do caos". Sobre isso, também adianto que o leitor toma mais facadas que beijos. E no "Conto de facas", na contracapa, versos destacados que sintetizam o fazer poético de Enzo: "Assim como o objetivo da minha poesia/não é ofender, e sim registrar./Nem que seja registrar/uma ofensa". Sem outra preocupação que não seja registrar o que vê e pensa, "Cura" constrói-se:

Dos nossos uivos

Essa história de imaginar
que as coisas
poderiam ser piores
nos aproxima do Nada
Todo-Misericordioso
e nos impede de adentrar
nas noturnas florestas da Cura.


O livro é divido em três partes. Gostei muito das duas primeiras, "cenários místicos" e "a morte", e não tanto da terceira, "o reencontro". Não sei dizer porquê, creio que questão de gosto, sem outra explicação mais racional. Ou talvez a temática desses últimos poemas - mais passionais - não tenha me agradado tanto como os primeiros. Sei lá.
O que eu gostei bastante nesse "Cura" - algo que fica ainda mais forte em "Conto de Facas" - é a linguagem tensa dos poemas: os significados-óbvios são desgastados, clichês são virados do avesso. Por meio de jogos de palavras e e metáforas violentas, o leitor leva alguns tapas (ou facadas). Dois exemplos disso seguem abaixo:


SÁBADO EM SÃO PAULO

Praça da Liberdade:

comida boa
e baratas.

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CONFEITARIA


Devo esperar.

Abro a janela do sotão
na madrugada
e entendo que fugas rocambolescas
pelo telhado
irão sempre me deixar
na porta de casa

onde mamãe me espera com beijinhos
e papai com briga
deiros.

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E eu tô falando do "Cura", e deixei o outro livro de lado. E aliás, gostei mais desse "Conto de Facas" do que de seu antecessor. Nesse livro, o que eu tanto gostei, esse trabalho com a linguagem, é ainda mais marcante, ou seja, ainda mais violenta e tensa a linguagem em que o poeta desfia seus afiados "contos". O sumário já dá uma boa ideia disso: "O gasto de botas", "Vinte mil éguas submarinas", "Des","Cinzarela" e "A falta mágica". O que Potel apresenta é bem o que o título sugere: a desconstrução dos contos de fadas cotidianos: a família de vidro, amores frágeis. Ora imagens bonitas, fotografias da infância (como esse "Conhecer"), ora um misto de simplicidade, perversidade, mediocridade e tantas outras -dades que o homem consegue revelar e revelar no decorrer de sua existência ("A falta mágica"). Curioso nesse livro também é seu prefácio, escrito pela mãe (!!) do poeta. E escrito muitíssimo bem, é preciso dizer.
Agradeço pelas leituras, e recomendo esses dois livros!
Acho que o melhor jeito de apresentar o livro é mostrar um trecho, por isso, pra fechar, eis um dos poemas de que mais gostei no "Conto de facas":

A GALINHA DOS OVOS

Eu já choquei muita coisa.
Já choquei minha mãe.
Não choquei meu pai. Olhei para minha
cloaca, abismado: ele não?
Já choquei uma professora de biologia.
Um advogado com sua pasta de dente.
Já choquei um negro bailarino homofóbico.
Choquei chefs de cozinha. Choquei até
uma prostituta.

No aposento das gafes, vontades e disparates,
não paro de chocar.
E sei de cada ovo a claridade que
desaprisionou gemidos.
E sei que os ovos arregalaram os olhos
e levantam o dedo
e engasgam com o nó da garganta.

porque o vislumbre da verdade
é também uma pena de morte.

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Irreverências Bibliográficas: Os dois livros de Potel, Cura (2007) e Conto de Facas (2010) foram publicados pela editora Nova Letra, lá de Blumenau.

1 de agosto de 2010

carta pra ti é uma coisa engraçada, porque o cotidiano, nossos pequenos safáris diários, reservamos pra fala, esse intervalo entre respiração e beijo que tanto gostamos de curtir e assim na hora da carta me vêm à mente coisas esdrúxulas, que porsissó não explicariam remeter uma carta que nada mais é do que meter e meter de novo palavras no papel, e aguardar cheio de ansiedade, pra ver se as palavras não se perderam ou trocaram de lugar enquanto transitavam entre as agências. mas onde eu estava? Ah, sim, eu dizia que por reservar assuntos pra isso, esses pros e-mails, esses pra quando se está bêbada ou sem fôlego, ou aquele pra quando o assunto faltar, me senti sem base pra escrever, sem um mote, e foi bom porque desmotevado a cabeça fica limpa de tudo (repare que os assuntos da vida são sujos) e assim deixar o inconsciente dizer alguma coisa, e meu inconsciente tem um jeito de criança doida, por isso eu pensei em abrir essa carta já te dizendo "beijo na boca", "viva la revolución!" ou com um verso d'uma cantiga popular qualquer só pra tentar imaginar o que vc iria pensar, o teu consciente e o teu inconsciente que, diferente da minha criança doida, deve ser um velho lógico e safado, mas não vou longe nisso, que é capaz de vc escrever duas cartas, uma pra responder essa aqui toda, e outra só pra responder aquela frase, pois sei bem que você gosta de colher uns narcisos no campo das nossas savanas. Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, na tua casa, até semana passada, pois agora mudamos a geografia - algo que não mudará a paisagem (Este será nosso primeiro paradoxo, dará até pra se orgulhar e inclusive botar no nosso álbum de divórcio.) E como eu dizia, por dúvida de assunto e espaço para o inconsciente, acabei pensando muito e o que saiu foi somente esta carta metalinguística (repare como uma carta óbvia diria mais coisas, ou seja, a sinceridade/originalidade monta na burrice e sai num gostoso trote)E eu acho que vai ficar por isso mesmo, até segunda ordem da criança doida. aguardo tua resposta e essa carta vai sem assinatura pois sinto que meti e remeti meu nome várias vezes ao longo dela. creio ser desnecessário dizer (e por isso que vou dizer) que essa epístola está carregada da minha sinceridade; se nada disse de jornalístico é porque de bula não tenho nada mesmo, e você sabe que não minto, porque a mentira tem a perninha curta e magra, e bem sabe que isso não faz o meu tipo, acho que bunda firme e perna grossa é fundamental. Espero, ainda, que vc tenha cumprido o pedido que fiz na parte exterior do envelope para agitar bem antes de abrir a carta. E se, por acaso ou descaso, não o fez, não tem problema. Não seria a primeira vez.