um telescópio urgente
um telescópio urgente adentra a noite dos meus olhos
já não há mais onde se esconder
sobre cada uma das pessoas do passado
há um documentário netflix
a senha da minha conta
é a mesma do meu banco:
um nome um lugar uma flor
orides fontela helianto
a situação do marxismo? deixa eu te contar
a quantas andas o marxismo do meu domingo:
o estômago contra o coração
as mãos ansiosas escondidas atrás da nuca
os pés sob as cobertas
o rosto, imenso, colorido, sorri nas redes sociais
morte declarada a todos os órgãos internos
acomodados, privilegiados,
enquanto pernas e braços estão na rua
dando-se à tapa
cada parte do meu corpo tem a sua luta
alheia a história dos meus dias e enganos
assim como cada animal tem a sua luta
alheia às mil lutas dos homens
precisamos, por exemplo,
falar da situação das teias de aranha
você vai trabalhar, sair com os amigos, jogar, cantar,
ninar filhos, aplainar solos, comprar títulos
e não falar sobre o que se passa no seu banheiro?
os padrões dos azulejos furtados todos das aranhas
seu lençol trançado seu casaco caro
tudo roubado descaradamente das aranhas
tarde da noite você chega bêbado
arrastando cadeiras à procura do chinelo
achei, está aqui, mata mata mata mata
esmaga o inseto do dia depois tira a roupa
e trata de conversar sua espécie sobre a extinção de outra
a senha do meu gozo é: alegria
a senha da minha alegria é a mesma dos dias:
agonia bressane vigilante
um telescópio urgente adentra os bueiros da cidade
a poeira acumulada nos cantos do banheiro
aranhas cabelos os pelos todos do corpo
com as demandas todas de homens e bichos
façamos um canto urgente
para que o refrão nessas canções todas?
o passado está sempre conosco
depositado num banco do qual
o trabalhador não pode sair
para que o refrão nessas canções todas?
é que transformo em canto
tudo aquilo que eu não sei guardar