27 de setembro de 2020

Temporada

um telescópio urgente

um telescópio urgente adentra a noite dos meus olhos

já não há mais onde se esconder 

sobre cada uma das pessoas do passado

há um documentário netflix

a senha da minha conta

é a mesma do meu banco:

um nome um lugar uma flor

orides fontela helianto 

a situação do marxismo? deixa eu te contar

a quantas andas o marxismo do meu domingo:

o estômago contra o coração

as mãos ansiosas escondidas atrás da nuca

os pés sob as cobertas

o rosto, imenso, colorido, sorri nas redes sociais

morte declarada a todos os órgãos internos

acomodados, privilegiados,

enquanto pernas e braços estão na rua

dando-se à tapa

cada parte do meu corpo tem a sua luta

alheia a história dos meus dias e enganos

assim como cada animal tem a sua luta

alheia às mil lutas dos homens

precisamos, por exemplo,

falar da situação das teias de aranha

você vai trabalhar, sair com os amigos, jogar, cantar,

ninar filhos, aplainar solos, comprar títulos

e não falar sobre o que se passa no seu banheiro?

os padrões dos azulejos furtados todos das aranhas

seu lençol trançado seu casaco caro

tudo roubado descaradamente das aranhas

tarde da noite você chega bêbado

arrastando cadeiras à procura do chinelo

achei, está aqui, mata mata mata mata

esmaga o inseto do dia depois tira a roupa

e trata de conversar sua espécie sobre a extinção de outra

a senha do meu gozo é: alegria

a senha da minha alegria é a mesma dos dias:

agonia bressane vigilante

um telescópio urgente adentra os bueiros da cidade

a poeira acumulada nos cantos do banheiro

aranhas cabelos os pelos todos do corpo

com as demandas todas de homens e bichos

façamos um canto urgente

para que o refrão nessas canções todas?

o passado está sempre conosco

depositado num banco do qual 

o trabalhador não pode sair

para que o refrão nessas canções todas?

é que transformo em canto

tudo aquilo que eu não sei guardar