28 de junho de 2014

essa cidade anda cada vez mais violenta:
há noites de sexta em que vc sai sozinho
anda por um ou dois bares e
volta pra casa 
sem ter conversado com ninguém

24 de junho de 2014

Coisas que aprendi em figuras de chiclete

Eu tava aqui pensando
vc não sente vontade às vezes de sentar o cu
num ninho de mafagafos
cheio de mafagafinhos?

Toda receita q se preze deveria
ter entre as instruções:
faça isso e mais isso, acrescente isso e mais isso
E ENTÃO VEJA O QUE ACONTECE
são meio nojentos esses livros de receitas
que negam o acaso
cê não acha?

Há por aí
em lugares livres
gente que
considera o acidente
como uma importante possibilidade
e que faz deliciosos pratos
a partir de massas que desandam

Non sen se vc sabe
mas há
por aí
um lugar que nos protege
não só das desgraças de sempre
mas também das notícias bonitas
- das terríveis notícias bonitas -
e nos protege dos amigos
sugeridos pelo facebook
e dos exemplos de solidariedade
que o jornal nos enfia
pela garganta.

Em algum lugar
sem placas e aviso
existe esse lugar.
Fiquemos desatentos:
hora dessas
a gente se perde
e chega lá.

Você Sabia?
a praia de nudismo
- tão livre -
é o menos livre
dos lugares

Você Sabia?
o ponto mais baixo da Terra a que podemos chegar é
no sofá da sala, ali pelo fim de tarde.

Você Sabia?
ecoa
por aí
como um soluço
uma voz que
não responde a nada.

Você Sabia?
a cabeça cheia de decibéis
é que nos enriquece
Somos rádio
e as bobagens que dizemos são os
nossos comerciais.

Há por aí
uns pássaros controversos
que bebem
sim
daquela água
e gostam muito.

As promoções e amores
são eternos
ou enquanto duram os estoques.

A roleta não taí
pra divertir ninguém.

Gestos em falso
são coisas
naturais.

Em algum lugar desse mundo
há um país e sua moeda
em cuja nota de cem
é possível ler
"deus abençoe
o aleatório".


8 de junho de 2014

um poema de Matilde Campilho

           Brincando com os Dentes do Tubarão

You are the sunshine
of my life
e conversar contigo de manhã
é tão bom

tens o poder do muesli e da
laranja
ou de qualquer fruta de época
for all that matters

My dear bicho gente
veja lá se sua próxima visita
vem antes da edição fria
do Financial Times.

*

do livro "Jóquei", Edições Tinta da China, Portugal, 2014.

17 de maio de 2014

um poema de Lawrence Ferlinghetti

O MUNDO É UM ÓTIMO LUGAR


           O mundo é um ótimo lugar
                                                            pra se nascer
se não te importa que a felicidade
                                                             nem sempre tenha
                                                                                               muita graça
              se não te importa um quê de inferno
                                                                de quando em quando
                                      justo quando tudo vai bem
                                                      pois nem mesmo nos céus
                                          se canta o
                                                                   tempo todo

            O mundo é um ótimo lugar
                                                             pra se nascer
se não te importa que alguns morram
                                                                 o tempo todo
                      ou sofram só de fome
                                                             parte do tempo
                o que não é tão mau assim
                                                               se não é com você

Ah o mundo é um ótimo lugar
                                                        pra se nascer
        se não te importam
                                                     algumas mentes mortas
                   nos postos mais altos
                                                            ou uma bomba ou duas
                          de quando em quando
                                                                     nas suas caras pasmas
ou tais outras inconveniências
                                                       que vitimam a nossa
                            sociedade Marca Registrada
                                                               com a distinção de seus homens
        e seus homens de extinção
                                                          e seus padres
                  e outros patrulheiros

                                                           e suas várias segregações
e investigações parlamentares
                                                           e outras prisões
                   de ventre que nosso torpe
                                                          corpo herda

Sim o mundo é o melhor dos lugares
                                                         para tantas coisas como
                encenar diversão
                                                  e encenar amor
e encenar tristeza
                         e cantar baixarias e se inspirar
             e dar umas voltas
                                             olhando de tudo
                                                                        e cheirando flores
       e cutucando estátuas
                                               e até pensando
                                                                           e beijando as pessoas e
               fazendo filhos e usando calças
                                                                            e acenando chapéus e
                                                            dançando
                               e nadando nos rios durante
                                             piqueniques
                                                      no meio do verão
                       e no sentido amplo
                                                        "vivendo até o fundo"
Sim
     mas bem no meio disso chega
                                                             então sorrindo o

agente funerário


*****

de Lawrence Ferlinghetti.
 Tradução de Nelson Ascher.
 In: "Vida sem fim - as minhas melhores poesias", Editora Brasiliense, 1981.

27 de abril de 2014

um poema de Roberto piva

ANTINOUS 

                                     (movimento de árvores)




são questões

                    terça-feira eu prefiro você bem

                                                                   louco

minha palavra & nada que você acredita

poderá acontecer: ostras olhos injetados Hegel

durma com suas violetas do subúrbio

                        a cidade tosse como

                        um índio com febre

São Paulo acorda em suas coxas

                 docemente

       banho quente com vapor

           em espiral flocos de

           samambaias eróticas

assim que você espreguiçar eu estarei

                                                         sangrando


*

Roberto Piva. In: Antologia Poética. Editora L&PM, 1985.

21 de abril de 2014

a farpa nasce
e é sua própria morte

vem de onde
não se espera
de madeiras
e braços
insuspeitos
como horizontes.

vem de onde
não se espera
desconhecida
por sua própria
superfície.

não é espinho.
sem função
senão ferir e morrer
ou ser
para sempre
ignorada parte
da porta.

você mesmo
possui farpas no olho
e não sabe.
aperta aperta
a lata
e nada.

se pêssegos ou sardinhas
o rótulo diz
o que ali se guarda.

até que se abra
e se revele
encerrará
antiga
uterina angústia

ao primeiro rasgo,
surge uma réstia
um respiro.

14 de abril de 2014

Esta égua que pasta a geografia
de meu túmulo
deu-me
o leite dos infernos.
Na emboscada do cio
seu fogo
fustigou-me o fígado
e fê-lo
estigma, lama. E a sina,
do verbo corrompido fez o signo-fruto
corroído
que ela enterrou e canta.
SEU COICE FOI INFINITO.

*

Max Martins
Extraído de "Não para consolar", Edições CEDUP, 1992.

8 de abril de 2014

são cinco horas ainda
sob o teu nariz
meridiano
a cortar
o mundo que é
seu rosto

sopro sobre
seus
cabelos
e faço girar
milhões de
castanhos
cataventos

mas você
não se move
nem mil trompetes
poderiam te acordar
se ainda não é a hora

o teu corpo
como todo e qualquer mundo
nunca será bagunça
por mais bagunçado pareça

cinco e meia.
um pouco de remela
ao leste avisa:
mais um dia nasce
no mundo que é
seu rosto

**

isso aí vem de uma brincadeira do daniel , que consiste em montar poemas que tenham determinadas palavras. nesse caso, era preciso fazer um poema com as palavras meridiano, remela, cata-vento e trompete.
tem mais uns, mas não acho que ficaram muito bons, por isso só mostro esse :^
não faço a menor ideia de como resolver o caso daquela página que pede um poema com  "almôndegas", "guilhotina" e "ouriço".

8 de março de 2014

as causas pelas quais lutamos
têm causas

(as causas das causas
é por onde devemos começar)

é burra toda luta
que não para pra pensar

não há delícia
em milícias

não há charme
em marchas
de coturnos

a beleza e o prazer
estão em lutar
ao nosso bel-prazer

lutar e defender
o que nos dá na telha

contra os trilhos
que insistem em
atravessar nosso caminho

lutar por uma nova escrita da história
ou então assumir de uma vez
que o que temos até então
é uma história de ficção
um romance do mundo
um grande artigo da wikipedia
que pode e deve
ser alterado

(uma história com menos adornos
e mais Adornos
é o que queremos)

64 é 1500
é 1888
e todas as datas são hoje
o bingo da história
começa muito antes
de livros, mapas, calendários

a história começa sempre antes
do que sabemos
perderam-se no ar os gestos iniciais

mas o gesto ainda é
nossa única e verdadeira arma
muito antes de tacapes e bombas
os gestos

lutar e defender
o que nos toca
mas não só:
lutar e defender
o que nos chega pelos olhos nariz pele bocas pensamento
nosso coração vai sentir
sim
o que os olhos não viram
mas ouviram dizer
meteremos
sim
a colher onde não fomos chamados

se minha luta é a tua luta
a gente comemora:
somos irmãos
e não figura repetida
no álbum da História

sem saber o que é pior:
se arte pela arte
se luta pela luta
seguimos

contra isso
a arte pelarte
a luta peluta
a luta a favor do luto
contra isso
também temos de lutar

dia e noite
até que a estrela exploda
haveremos de militar

militar
sem limites

abaixo a ditadura limitar

4 de março de 2014

são isto, afinal, as mágoas:
águas que
não passam.

represadas
dentro dos olhos
são fundas, sempre fundas
as mágoas
e guardam alto
potencial de energia

uma mágoa
bem represada
poderia iluminar nova iorque
por todo um dia

28 de fevereiro de 2014

quanto tempo falta
para eu não esperar mais nada?

quantos dias faltam para chegar o
quando-der-a-gente-se-vê?

quem é que sabe
de todos esses quem-sabes
que a gente lança todo dia?

quem paga a conta
por todas as vezes
em que apostamos no acaso
e perdemos?

e as coisas que deixamos pra lá
quem é que,
lá,
as junta e organiza?

como em lixões,
existem gentes que passam os dias lá
a revirar o que deixamos
em busca de pequenos tesouros?

quantas palavras a gente tem que dizer até que os outros enfim compreendam
que naquele momento
não estamos a fim de falar?

quanto tempo falta
para eu não esperar mais nada?

15 de fevereiro de 2014

coração caixa preta
forte
registradora
coração caixa de pandora
repleta de coisas e bichos maus e
lá no meio
um pandeiro
um coração pandeiro
onde se bate bate
bate até dizer chega
onde quanto mais se bate
melhor fica
de se ouvir
e nunca chora
não
o coração de pandora
nunca chora na hora
tem vergonha
e guarda e chora
noutro espaço
e hora
tarde da noite batem no teu coração
e vc nem se levanta
é trote
e vc chora
mas não agora
é ali que batem mas
não é ali que se chora
como o pandeiro
que apanha e apanha
e não chora
o choro sai
lá do outro da banda
pela cuíca
assim como
pelo olho
noutra rua
do corpo
desagua o que
dói no peito
coração olho
registradeiro
que vê sim
como vê o cego
a seu modo
coração olho cego
a tudo vê
e por isso tudo sente
registradeiro
aleatório
coração de pandorga
que só voa
em que dia em que não chove
(chora)
lá fora

gravidade


Aqui estamos
a contrariar as leis da física
soltando
         perguntas muito pesadas
que insistem em ficar
                no ar

14 de fevereiro de 2014


a intimidade e a solidão:
ela chega, tira um dos fones do ouvido
ele também tira um de seus fones
e ficam os dois meio conversando, meio ouvindo música.

30 de janeiro de 2014

um poema de Eileen Myles

Uppity

Roads around mountains
cause we can't drive
through.

That's Poetry
to Me.    

28 de janeiro de 2014

                                                                                                                                        para a ale

I

alguns turistas tolos da vida dizem
ih
na bahia
o ano
só começa
depois do Carnaval.

mas de que bahia se fala
quando se fala da bahia?
no pelô
o ano não começa
num termina
tem seu próprio tempo
como ocorre
nos lugares mto mágicos
(ou mto devastados)

II

pelô
amor
de
deus
lourinho

ih,
na bahia?

ai de ti,
haiti.

III

capoeira violenta
no meio da tarde
sem mto motivo
sem qualquer berimbau

IV

se tivesse
partido numa barca
ou mesmo se finado em tempestade
inda dava uma canção bonita
mas ele se foi numa linha
salvador-são paulo
numa tarde quente
sem nenhum adeus
e mais ladeiras
que o habitual

V

Dois cotovelos no meio do peito
os seios da prostituta
são qualquer coisa
sem surpresa e erotismo
vara de condão há mto
sem mágica
sóis de toda hora
guizos
boias
brinquedos

VI

é assim
meto onde e quando
todos ri
ninguém se mete

VII

viero
tombaram as ladeiras tudo
falaram em patrimônio
maravilha
riqueza
e aí me despejaro?
num entendo

VIII

mordida no ventre
caco de vidro no peito
raspa de bala na bunda
pelo corpo eu trago marcas
que não guiam a tesouro algum.
farol sem história
e razão de ser
a cicatriz é um bicho estranho
que às vezes acaricio
por mais não ter o que fazer.
não devia estar ali
não tem serventia
mas ali está e
até o fim vai estar.
sou cicatriz do mundo?
se sou, quem lhe feriu?

IX

é sempre tempo de
carnavais fora de hora
de chorar pitangas
e depois comê-las
de dores e dorivais

X

- Axé, meu rei.
- Axé mais.

26 de janeiro de 2014


estamos todos condenados a significar
eis o jogo
dois velhos dádás
um em frente 
ao outro
a falar
quem
fizer
sentido
primeiro
perde

23 de janeiro de 2014

PARIPENSE ! !! : que investidas insanas poderíamos fazer se comprássemos essa empresa que acabou de entrar em concordata ! ou dito de outro desenho: isto é um convite. vamos amanhã sem falta ao hipódromo apostar tudo que eu e vc temos no cavalo de só três pernas. bom claro é bem provável (mas nunca se sabe!!) que ao final do páreo sejamos os mais fudidos dos apostadores mas tbém seremos os mais doidos e debochados e esse maravilhoso estrume de ouro ninguém vai poder tirar de nós.
pelamorde deus até os avós da gente sabem q tem altos ditado bucha ditado não é roubado !!!! vamos logo ser aqueles dois passarinho voando que valem menos do q aquele na mão mas que se foda à milanesa o passarinho na mão ! ! ! ! nesse mundo consumista de merda a lógica girou tanto nos três contrários que agora bom mesmo é valer menos. vamo trocar o certo pelo duvidoso até pq é isso que tem sustentado toda a filosofia a troca da roda certa pela duvidosa venha é cavalo de três pernas na cabeça não na cabeça dele na cabeça do nosso pódio por
favor
venha
três deboches pra minhamiga

I

que linda tua saia
daqui agora

II

que linda tua saída de praia
adoro quando vc sai da praia

III

ele é mó gato
vai por mim
sentada,
esperando
aqui na estação
sou alguém viva
mto viva
que ama e pensa

mas no momento
em que vc passa
e acena
eu que sou viva e amo e penso
tbém sou morta
inevitavelmente morta parte
da paisagem
para a qual vc olha da janela


20 de janeiro de 2014

olha aqui pra você ver

19 de janeiro de 2014

carnavais

I

é terrível quando o tempo está fechado
no teu pátio
e eu estou alegre e
tudo o que tenho a oferecer
são pequenos carnavais
que pra nada servem.

(ou servem?)
(farei bem seu chamar quem precisa de descanso
 pra subir e descer ladeira?)
(se eu tenho presente mas não tenho a ocasião
devo mandá-lo?)
(o que a gente faz quando já disse tudo
e num acha hora de fazer?
despiroca?)

creia-me:
faço o possível
pra te ajudar
enquanto danço.

II

o coração
bate eter
namente?
é impossível prever e programar certas coisas
como se existesse mais de um tempo:
o nosso e o das coisas.

às vezes a tradicional
paradinha da bateria parece durar anos
e eu num lembro
quando foi a última vez
que choveu confete.
facebook II

essa mina tem uma boca
que num é dela.

8 de janeiro de 2014

eu e vc a catar conchas
e estrelas do mar perdidas na areia
é uma cena bonita.

eu e vc a catar conchas
e estrelas do mar perdidas na areia
- descobrindo que há coisas bonitas
que só nos aparecem depois de mortas -
é uma cena terrível.