28 de junho de 2009

Trecho XXXVII (De um livro inexistente)

A noite morre
Vadia.
A noite morre
Vazia
A noite morre
Aos pés do dia.

21 de junho de 2009

Trecho XXXVI (De um livro inexistente)

Entra pela minha janela uma fotografia:
Uma mãe trazendo o filho pela mão. Ela o leva para casa.
A boa mãe fala das responsabilidades.
E o menino - tão menino - está longe.
Pensa: por que precisamos voltar sempre para o mesmo lugar?

Minha janela começa a se fechar;
o sopro do coração ameaça escurecer meu quarto.
Ainda escuto uma limalha:
-- Mãe, por que vivemos?
-- Porque sempre, meu filho, porque sempre.

O sopro aumenta,
um rodamoinho devasta meu coração
A janela se fecha e a noite morre
Cardíaca

20 de junho de 2009

Souvenier

Se eu fosse outrem
eu pegava um trem

E se eu fosse outro
um perdido qualquer que não soubesse que rumo tomar
que meio usar
ah, eu me agarrava em qualquer coisa,
eu tomava um cavalo
uma cachoeira
um rastro de cobra
um pé-de-vento
um pé-de-música
um pé-de-criança
Ah, se eu fosse outro...
Eu tomava o primeiro bonde matinal

e outro e outro e outro
até ficar ébrio de tanta ausência

Mas eu sou isso.
A pontual chegada
A chegada sem mala, saudade ou história.

Mas se eu fosse o próximo,
aquele que não tem nome
aquele que não chama
aquele que é surdo
(aquele que está porvir)
Se eu fosse esse outro
eu pegava um trem

E outro e outro e outro

13 de junho de 2009

Guerra Fria

Amo o que te falta,
esse pão que você não vê,
o choro contido,
a palavra esquecida.

Porque a vida sempre foi uma guerra fria
eu e eu mesmo
eu e eu sempre
a alimentar doentes e feridos.

Amo tua roupa rasgada
(que rasguei - culpei o cio)
Amo teu rosto sujo
(em que cuspi - inventei nojos)
Amo teu amor doentio
(pois construí sua loucura)
Amo teu rosto
(pois é uma cópia barata do meu)

Porque esse jardim que você vê
é um campo.
Um campo de flores de vento em que te concentrei
Um campo no centro da minha guerra
Minha guerra fria
Eu e eu mesmo.
Sou a esquerda e a direita.

O que você vê é virtual.
Um espelho de gelo.
Está frio. Tem fome. As feridas se abrem em mil caminhos profundos.
Fundos e frios.
Ouça a trombeta a ressoar; é o aviso-ninar para os sobreviventes.
É a minha chegada em carro aberto.

Paça-me um beijo, peça-me lã, sopa,
peça-me o amanhã.
A guerra acabou. Jantei com amor e com o tédio.

Aproxime-se,
Eu sou o alimentador de animais.
Sem receio, fite-me.
Eu sou o pai.

7 de junho de 2009

Tonto, tanto

Onde você estava quando o Espaço ficou tonto?
tonto de tanto movimento
tonto de tanta inércia
tanto tanto
tonto tonto
Tonto, tanto.

Mas venha aqui
(aproxime-se!)
O que você fazia quando o Tempo, angustiado, perdeu a memória?
Esqueceu quem era, o que fazia e por que fazia.
Só sabia que precisava correr.
E correu.
Tanto tanto.
Tonto tonto.
Há tanta coisa tonta nesse mundo.

Você não viu! Não, você não viu!
Não viu o Destino, desesperado, pedir mais tempo para pensar.
Oh Deus! Onde você estava?
Eu te procurei durante todo o amanhã.
E corri e galopei e telefonei e uivei
Mas parei. Desisti.
Tonto, tanto.

E eu pedi e gritei e implorei
Onde você estava?
Onde você estava quando a luz foi desfeita?

Deixou-me aqui sozinho.
Tonto, tanto.

As respostas não interessam mais.
Só saiba que eu te procurei durante todo o amanhã.