29 de novembro de 2009

os namorados

à Daia, meu poema preferido

ele sempre disse "és meu peixe predileto", "és o fruto mais alto que colhi na arvore da manhã", ou então, "és o meu pássaro". A tudo isso ela corava, maravilhada. Mas em seu coração, doía pensar que ela era um pássaro, um peixe, um fruto, algo tão submisso. Algo facilmente abatido. E devorado
quando ele falou pra ela "você é minha estrela, a estrela do meu céu" ela ficou feliz, achou bonito, mas no fundo achou pequeno ser tão-somente uma estrela, quando ele tinha todo o céu.
quando ele falou "és, o meu chão", ela sentiu orgulho de ser a sustentação dele. Mas, em seu coração, dormia uma tristeza. O chão é tão submisso. Pisado.
e ele foi falando, foi falando, ela foi corando e sorrindo e guardando.

um dia, um dia sem horas,
ele acordou pras palavras
acordou para ela,
e disse
sem ensaio, sem dicionário
disse porsissó, disse por dizer e amar

-- você é o meu poema preferido.

então, a menina
olhou firme, olhou mulher
lhe deu um beijo e o abraçou tentacularmente
pois ela sabia
que o poema se abraça ao poeta
e o faz afogar-se
em busca de um fim que nunca vem.





PS: esse texto é ficcional. nem tudo aqui tem realmente a ver comigo e com a daia. não confundam. Ouviram, senhores Robson e Ítalo? :D

17 de novembro de 2009

Enchente

os olhos das crianças
são baratinhas miúdas pelas paredes
eia, eia! corre-corre
(no quarto dos fundos a velha senhora sente a água subir pelas canelas)

eia, eia, chuvaréu
a corredeira calou a boca do lobo
uiva a mulher sem peito
e a criança sem leite
e a chuva vai, torta,
regendo a banda desafinada

eia, eia
passou a chuva
mas ainda se debatem, no céu, os últimos peixes
e as baratinhas miúdas recolheram-se
ao canto sujo
que é a memória infante

15 de novembro de 2009

Vandalismo

falam com as paredes
mas não são loucos
falam sobre as paredes
(dentro do muro ecoa um urro que estava preso sem abismo)

há nesses rabiscos em prédios públicos
uma concisão exemplar (como dizem!)
lapidar
aliás
aquelas cenas de sexo
aquele palavrão cheio de espinhos (fere alguém?)
aquele assinaturas, em letras gigantes e distorcidas
esses rabiscos todos,
não deixam de ser epitáfios

13 de novembro de 2009

Uma curva em Itapema

As ondas quebram sem perdas
(pedras encalhadas fazem viver o limo)
o céu é denso e nele me afogo
mas eu passo e passo e passo e passo...

Agora prédios e morros
(ai, eu morro eu morro)
Só restam as ondas do céu

Sabiamente, faz chover
pra gente lembrar que o mar sempre está

E esses prédios e prédios
de muitos andares
todos cabem com folga no poema, na palavra
não importa quanto cimento tenham
mas o mar..

o MAR
só não explode em 3 letras porque não tem limite,
abismo que é o coração de quem sente

Pela estrada o ônibus me leva
a rodovia tem curvas e curvas
só pra esconder a paisagem
e fazer gozar na curva seguinte
isso é bobagem
o carro me arrasta, não estou lá

escorrego pelas mãos
e meu visgo beija o limo das pedras
mar mar
ah, o MAR:
suícidio nas ondas do céu

8 de novembro de 2009

não era dança

à Daia

horizonte que eu trago nas braços,
fogo silencioso que colho na noite,
é você quem embala o menino irrequieto que sou
o mundo hoje tem o dobro de faces do que tinha ontem
antes eu tinha um relógio: agora desato nós de horas
minha memória, hoje, é feita de fotos de futuro:
a chuva que cai lá fora agora me encharca

tenho me descoberto.
novos espelhos. tudo mudou.
agora reexperimento as palavras
(às vezes, me assusto. Vai passar?)

tenho me inventado.
aprendi em teus gestos em falso
e sorrisos soltos
que meus olhos sempre se debateram
em guerra:
não era dança
hoje sou mais menino do que nunca

horizonte que trago nos braços,
fuga anunciada no meio da multidão

já nem sei onde estão meus olhos
procura-os em teu corpo
e acalanta-os

6 de novembro de 2009

as outras pessoas

desaprendendo-as me liberto