24 de setembro de 2008

A modelo

I
Uma dança de linhas,
uma ciranda de curvas:
é um mundo de cores, de gritos,
e movimentos involuntários aprisionados.
II
As mãos fechadas escondem florestas de medo e angústia,
os cabelos ressacados, as orelhas cavernosas,
as estalagmites no olhar:
crianças saem dos seios como o mais puro leite.
No chão, o leite morno da vida,
o sangue da ferida do espaço:
é o mundo que esconde,
é o mundo que se aperta, se estrebucha;
Ele quer sair,
no choro, no gozo, no sorriso,
mas a mulher, deusa feita de bronze e carne,
segura todo o peso do vazio
(uma corda entre os dentes e a gengiva),
e faz isso,
por amor à arte.

"Em certos dias"

Em certos dias,
eu acordo com a certeza de estar morto,
e então beijo tuas pernas com um amor puro,
e faço da tua vida um mar de gozo e canto,
e nesses dias durmo,
com uma delícia virtual em meus lábios:
o prazer de ter amado-te, ingenuamente
mesmo sabendo que não fiz nada,
por que nesses dias,
eu acordo morto.

21 de setembro de 2008

Pecadora

Arrancaram meu seio,
de espuma e juventude
E nele desenharam sete linhas, sete linhas de açúcar e fel,
E agora, todo Domingo,
Eu vou à missa,
E janto na missa as costelas do cordeiro de ouro,
E ao final, ao encontrar-me com o padre,
Abro minha blusa, e mostro a meu confessor,
Os caminhos que essas linhas têm tomado ultimamente...

20 de setembro de 2008

A amante

Toda noite,
por entre as frestas dos meus olhos e das minhas portas,
invade o ambiente,uma canção seca,
como o mais antigo vinho,
uma canção de tempos remotos,
de eras perdidas,
papel de parede de crimes esquecidos
uma canção rápida,
que executa,
que se executa,
que morre na esquina de dois passos,
(sim, uma canção de passos),
um compasso de passos perdidos,
passos sob o medo da noite,
talvez uma canção de ninar,
entoada por fantasmas de sonhos adolescentes,
talvez um canto fúnebre ,
que celebra a morte do éter,
e comemora o grande vazio que é ter alguém junto a si, sem estar por dentro de si,
talvez uma canção de rádio, que acorda meu coração para mais uma noite de trabalho e vigília,
ou talvez,
seja tão-somente,
um solo instrumental,
talvez seja um amontoado de passos furtivos, que tropeçam no amor,
passos que tropeçam em si próprios,
e que denunciam,
você
subindo (ou descendo?)
as escadas de minha casa...

7 de setembro de 2008

Poemas Vagabundos

Estou no sofá
Escrevendo este poema
Penso que meus poemas
São feitos para os outros
(por que eu faria pra mim? Se fosse pra mim não escreveria; pensaria)
Mas os outros não os compreendem
Até os entendem,
Mas não do jeito que eu queria que fosse
Então descobri que somos todos
Poemas ambulantes
Vivemos para os outros
E nunca somos entendidos por todos
Sempre há alguém para interpretar-nos
De uma maneira errada (será errada?)
Gostando ou não de poesia,
Bruto ou sensível,
Culto ou analfabeto,
Somos todos poemas vagabundos, ambulantes
De versos livres,
Sem qualquer mote decente,
Que Deus escreve, todos os dias,Sentado no sofá de sua casa