Si cada día cae
dentro de cada noche,
hay un pozo
donde la claridad está encerrada.
Hay que sentarse a la orilla
del pozo de la sombra
y pescar luz caída
con paciencia.
(Pablo Neruda - Últimos Poemas)
No lançamento da obra, realizado em 2020, promovido pela Caiaponte Edições, a partir de poemas escritos pelo autor anos antes, o autor destacou a história de composição dos poemas, atrelando às leituras possíveis a tematização da experiência com a depressão, e identificando a origem do título no nome de uma localidade situada nos limites de Alfredo Wagner, cidade no interior de SC. A explicação do título ready-made, tomado de empréstimo de uma gruta, naturalmente, não limita a potência desse nome, que aponta para alguns saltos e mergulhos dados no livro: quer seja para dentro de episódios históricos de Santa Catarina, ou para dentro de um quadro, ou para dentro de si mesmo, nos poemas em que o eu-lírico se revela explicitamente. Aliás, esse pode ser um dos percursos a se tomar na leitura desses textos: o confronto entre uma perspectiva íntima e particular da realidade e a análise meticulosa desta, às vezes mais sob uma ótica fisiológica do que racional, como se evidencia na primeira das 4 partes do livro, "Evidência e Extensão". Nesse primeiro quarto, prevalece a descrição e observação de elementos concretos, em diálogo direto com a poética cabralina, assinalado sobretudo no poema "Rock", no qual Homem (barro) e Rocha são confrontados por meio de sintaxe concisa e dura, forjada na escola das facas do poeta pernambucano. Em outros poemas desse segmento, cede o poeta às metáforas como no belo poema "Oceano":
A vasta e única extensão a que chamam
Mar não passa de Pasto afundado em
Sal e Água, corcunda que no Horizonte
se abaixa; desaparece e faz lembrar que
Lá longe se erguerá
E passará a se chamar
Continente
Os recursos utilizados nessa primeira parte são bem variados, entre eles a composição de haikais com observações entomológicas no par "A infame cigarra"/"Achado", e também textos no qual se sobressai o olhar do historiador de Arte, novamente comprometido com o ready-made/colagem, ao apresentar, em "Pierre Prins', um fragmento em prosa com análise da técnica utilizada pelo pintor (parágrafo 1) e do entrelaçamento do conteúdo e forma, via técnica, e que surpreende o leitor em um novos mergulhos: dentro da luz do quadro/poço e do conceito de Representação. A presença do Eu se afirma explicitamente em outros poemas, como no par "Balneário I - só" e "Balneário II - grupo", às vezes de modo quase abrupto, como em "Gralha", que celebra as falastronas aves que compõem a geografia sulista, ameaçadas pelo desaparecimento das araucárias de nossa paisagem. "Crime de desejo", "Cracas & Naves" e "Entrada" (em que a forma do poema sustenta, escora da linguagem melódica, o confronto entre as forças do peso e da gravidade) são alguns exemplos de como as mais elaboradas construções desse primeiro segmento (e do livro) afastam-se do discurso subjetivo, ainda que haja ali um olhar e, por vezes, uma fala, nos trechos em que, por meio do aforismo, o eu-lírico historiador/crítico/observador curioso da natureza insinua-se, contribuindo para a leitura que, até então, então se fazia da realidade sob um ponto de vista objetivo/meramente óptico. Na segunda parte da obra, "Gente", o Eu tem espaço para se multiplicar em autorretratos e também em gestos de aproximação com pessoas próximas, como em "A partida"/"Arquivo", ou desconhecidas/afastadas em "Alto da costa", parceria com Giba Duarte, que impõe uma reflexão sobre algumas consequências desastrosas da modernidade - especificamente, nesse caso, da paisagem catarinense, o que enriquece a experiência de leitura desse livro em nosso estado. Aqui nesse segundo quarto está "Crime de desejo", uma bonita leitura/elogio à obra densa, poço profundo, composta pelo romancista Lúcio Cardoso, que nos remete à superioridade de algumas composições mais impessoais dentro do conjunto de poemas do livro. No caso desse poema, há novamente o exercício da colagem (mas sempre com materiais e estilos diversificados, o que engrandece o saldo final), ao justapor um comentário crítico sobre o autor a um trecho de sua obra. Não é o único poema que recorre com simplicidade e precisão à citação; podemos destacar aqui também a bela metáfora transcrita em "A história é o gesto com que passamos a manteiga no pão" - presente na terceira seção do livro "Vicissitudes"; poemas que remetem o estilo do autor a outro bardo-crítico conhecido pela versatilidade, Sebastião Uchoa Leite, que, entre outros procedimentos intertextuais, copiou e colou obras visuais em seus poemas.
No terceiro quarto do livro, repetem-se temas e recursos do anterior, e aqui novamente um Eu que ora se oculta em prol de perspectivas inesperadas, como a viagem por dentro de uma história da filofofia e das religiões em "Era Axial", ora se assume, muitas vezes pelo viés da autoironia, como no interessante texto que fecha o segmento, "A experiência de L-F. Céline", a partir de uma alusão ao gênio controverso. O tom confessional atinge aqui sua plenitude ao se conectar ao último quarto do livro, "Epílogo", que traz apenas uma página contendo dois fragmentos parafraseados da obra de Robert Walser e Walt Whitman, chaves que indicam o sofrimento que acompanhou o autor na construção da obra e da reflexão do artista, experimentada nos três primeiros quartos do livro, sobre a relação tensa entre Subjetividade, Captação/Apreensão da realidade e os caminhos da Representação na criação poética. Podemos ver isso em poemas distribuídos nas 3 partes primeiras em vários textos, como na bela construção visual de "Doze eixos", em novas críticas à realidade social e a um certo (certos?) conceito de História, e também neste a seguir (de "Vicissitudes), em que a narrativa breve humorística simula um salto rápido e profundo no poço certo da Criação, e que por isso bem poderia integrar-se à família dos textos galeanescos em "O Livro dos Abraços":
Carlos Ap
Alguns partes do pouco,
do quase nada.
Carlos Asp é um deles.
Artista, diz, inconformado,
não ser preciso voltar
ao gênero da Paisagem
na pintura:"Mas se eu já estou Nela?"Em seus desenhos ele fala
Do céu, do azul, do mar verde,
Das pedras negras na areia grossa.Tem vez lembra dos black holes,Que conhece com a profundidade
De astrólogo, poeta e pecador.