6 de dezembro de 2022

AMIGUES

A) contas coisas, amig,

e as coisas que diz não

ocupam espaço 

pelo contrário

parece que arejam

o próprio passo, um atrair

e dançar de meus 

planos e ideias

há tanto adormecidos

estrela cortante

você se foi e ficou a espera

parece que te vejo voltando

papai noel atrapalhado

saco entulhado às costas

tropeçando em caixas de dizer

cada caixa um conto

que vai sendo tecido

em volta do meu corpo

até sumir no ouvido

que é no fim o verdadeiro

coração das coisas:

te amo te ouço

até os ossos

e nunca te olvido



B)  os objetos todos dispostos à mesa

cada coisa em seu lugar, tu, meu par,

quero dizer e posso mas não digo e não posso

se escondo, transpareço, se me abro em discurso

dos outros mero responso,

de ti espero as melhores fofocas, 

corpo feito fonemas, corpo feito cama em si,

dispensando cortejos, nem pensar cantilenas,

nem pensar desabafos, que aí me sinto

fora da paisagem, peixe pura mágoas

não mais objeto, não mais personagem

nem pensar bater cabeça com as palavras

numa cantilena de dores, tu falas falas falas

e eis-me aqui fora da cena

tenho a faca e o queijo nas mãos

o queijo parece delicioso e a faca, também

empapuçado de vazios, nem por isso abandono

nosso jogo de dar e receber

oi, tudo bem? com minhas raízes

elevadas ao ar e em paz,

da terra me despeço, até mais,

mas antes não sabes da última:

30 de novembro de 2022

Soneto versão desktop

nas tuas abas os rumos, aos trancos, da esquerda
nas tuas abas, tijolo a tijolo, um novo projeto
dancinhas de tiktok, o pdf de um livro antigo
a receita de bolo vegano que, agora, dará certo

nas tuas abas Bolsonaro arde em fogo lento
nas tuas abas, com pé na terra, se faz a cadência 
o amor aquático, a medicina floresta adentro
a vida fundada em balanços e evidências

para onde vamos com o que aprendemos?
nas suas asas recifes natais fortalezas
desejos de sobra e certezas de menos

qual a escultura final dos dias pequenos?
nas suas asas, um a um, os sonhos somenos
se fazem lonjuras, delírios, correntezas

15 de novembro de 2022

Se eu sei cantar o amor

se sei o nome de cada músculo da face do meu amor e o melhor modo de acaricia-los

mas recebo com desconfiança suas conquistas

com medo de vê-lo voar para longe

de minhas mãos covardes,

... Então...  não há liberdade.


Se eu esquecer o fato elementar

De que vivo provisoriamente

Sobre terra indígena

E que o sonho da casa própria para meu filho

É um sonho branco e desmatado

Então... então, não há liberdade


Se eu largar tudo,

Jogar trabalho e família pro alto

viajar loucamente pelas estradas

mas nunca deixar de avisar

meus seguidores da ousadia

das minhas dores de algoritmo

Então, não há liberdade.


Se e quando eu chegar aos 84 anos...

Não estiver com o desejo de 

aprender uma nova língua

de aprender um novo trampo

de dar bananas ao capital

de novamente me apaixonar por um estranho

Entao, então não há liberdade.


Se eu criar um parque lindo e amplo

Para as pessoas da cidade

Mas não garantir comida barata

e transporte público de qualidade

para quem mora nas margens

poder viver a cidade

Então que se exploda esse parque de merda 


Se sempre saem versos loucos e livres de minha lavra

mas nunca uso o poder da palavra

para pedir Liberdade aos irmãos

trancafiados sob um sistema injusto

Então... então sou um grande covarde.


Se eu nunca de fato me engajar na luta

Se eu falhar em convencer cada companheiro

que se acha pouco criativo

que se acha sem graça

Que se acha azarado ou perdido

que cada um a seu modo modo fortalece a luta coletiva, que precisamos da criação e beleza de cada um, de cada um.

Então, poderei vencer batalhas, poderei obter algum destaque

Mas ao fim não haverá liberdade.


Se tarde da noite eu concluo tudo isso

E delicadamente me abstenho de ligar para o meu amor

E lhe contar como cresci e amadureci longe dele,

E contar como sobrevivi ao enterro dos meus erros... ah...


Se eu respeitar a distância e o silêncio

o tempo e o vento

Se eu amar esse alguem a ponto de amar o vento que o leva leva leva leva leva leva

para bem alto e aprender a me amar e amar

o velho amor em novos rostos e nomes

Aí... talvez.. para esse velho amor, seja muito tarde.

Mas dos sonhos de cinzas e chamas que lembrarei essa noite

certamente emergirá o pássaro azul da LIBERDADE.


11 de novembro de 2022

Truque

A) eu quero subverter o desejo,

de ti não posso nada mais esperar

se não o impossível

como todos que se põem às

camas mesas e banhos

eu quero o mesmo

um sentido, um motivo

eu quero subverter o desejo

até que esteja ele todo em riscos


B)  por conta de um derrame, 

     não posso sair de casa ainda.

     se tens pressa para o amor

     deslize pra esquerda minha foto

                                por favor


C) eu tenho um metro e noventa e quatro

    sempre que possível deixo esse aviso

    sair com alguém e não vê-la estragar tudo

    mais bonito é o corpo rebelde e insubmisso


D) meu amor demi te quer sempre por perto

     viciado pelo capital, apaixonado pela liberdade

    busca, se amando mais em dias inconstantes,

    reconhecer, no zunido da brisa, sinais de afeto  


E)

sem antes saber, não gasto minha tinta

você sabe aqui, em mim, o que quer?

vou repetir, me importa que não minta:

sabes, por si, o que faz teu querer aqui?


Z) eu quero... quero embaralhar o desejo,

de ti não posso nada mais esperar

se não o impossível

corpo envolvido

em nuvem nenhuma

a explodir em mínimos toques

num bailado, num rastilho

eu quero subverter o desejo

até que esteja ele todo em riscos

6 de novembro de 2022



Quando a saúde mental tá por um fio
equilibro o coração na ponta da caneta

sempre na vanguarda que não escolhi

a de ousar e experimentar de sempre criar

novos modos de apesar de tudo ser feliz sertralina, ritalina, psilocibina

Se dependesse de mim... era só pão com margarina...


o trabalho nos afasta, obrigações nos afastam...

mas é nossa falta de engajamento 

nas discussões sobre saúde pública

o que mais nos mata!


se vc não pode estender a mão agora

tudo bem, eu espero

mas lembrança de afeto

pq é setembro amarelo 

eu não quero


precisamos de políticas públicas 

mão com mão e

organização política 

do contrário não vamos

não vamos não vamos

salvar essas vidas


se vc não pode estender a mão agora

tudo bem, ³eu espero

mas campanha virtual

stories com prazo de validade 

pq é setembro amarelo 

eu não quero


nada cura mais do que políticas públicas para todes, 

medicamento e terapia pelo sus, toda semana!

nada cura mais que café quente pão com margarina

na companhia de quem se ama

5 de novembro de 2022

Devir

há um golpe em curso, nas ruas

e é preciso ir às mesmas ruas dizer não 

mas que ruas se nunca mais as

juntos ocupamos, desunidos, senão?

haja copas dos mundos para

unir as pessoas, há muito distantes

separadas por uma pandemia, ou antes

separadas pelo vazio de um mundo virtual

sem toques, sem abraços e rompantes

pesada jornada de trabalho semanal

jornada de trabalho materno um eterno

abre e fecha levanta e cozinha e canta 

canções de ninar operários

jornada de trabalho de 44 otários semanais

contado nos dedos do chefe o horário do lanche

tempo para a cultura para ocupar as ruas jamais

acompanhando o protesto o passeio a fanfarra

podíamos ser e fazer muito mais

mas a gente trabalha e trabalha e de noite se esbarra

nas igrejas nos estádios nas festas em casas noturnas

nas ruas não muito, fosse a gente o que pode ser:

mais, mais, muito mais

nossa luz interior parcelada em cinco vezes no cartão

a gente trabalha e trabalha e de noite se encurrala

em camarotes pistas premium sem os parques ver

no trânsito nos bares nos motéis nos cruzamos

nas ruas não muito, fosse a gente o que pode ser:

mais, mais, muito mais

27 de agosto de 2022

Servidão Maria Glória de Melo


ali pesca pampos e poemas

que entram sempre pelas ventanas

retalhadas escamas barbatanas

                                                 

 no mar se aprimora; ali, mora e namora

 servidão maria glória de melo

 rua dos bobos muito à esquerda

número zero


na porta de entrada, a ilha explorada

na cama, vagabundíssima, madonna,

encantochada, assiste pornochanchada

                                                                                                                                           e lê arrabal


cuidasse de rimas e louros, ficaria até o arrebol

mas o que almeja é o impossível:

malandro jonas, mercador nato

atravessa noite a fundo a modo 

trazer do costão a anchova

fresca e farta que encha enfim

o prato seco da infância


olhos de preguiça, ombros fortes,

hoje, lamentavelmente, sente-se mal

o mar não está para peixe,

em memórias, em ilhas ressonantes,

agarrado a uma garrafa lançada das trevas,

passará o dia 

                                                         o mar 

khayamm manezinho,

sabe que a vida, 

inda mais sem vinho,

é nada.