26 de abril de 2023

meu poete preferide

meu poeta preferido, na adolescência, era manuel bandeira
e eu passava a tarde inteira lendo seus poemas no sofá
tinha um chamado Porquinho da Índia
no qual ele arrematava que o porquinho da índia
tinha sido sua primeira namorada.
eu mudei muito desde essa época
mas essa ternura geral por todos os seres,
ainda me toca muito. 
ainda precisa ser repetida, semeada, recriada em novos poemas e exposta,
como um estandarte, um escudo, uma bandeira.

tem uma fita gramatical aí que tem gente 
que não curte a palavra poetisa e fala o poeta e a poeta
vamo neutraliza essa fita assim:
meu poete demissexual preferide é a WD,
pra quem deixo um beijo.
é inspirador sempre ouvir sua poesia
sabendo que por trás daquela levada venenosa
tem luta, correria e rolê... rolê só de ida / pra curtir a vida / baby traz bebida     [cantado]

meu poete preferide é a liza. 
para mim, uma baita atriz,
que potencializa
não só o poema que diz
como o espaço por onde
ele passa, feito brisa.

meu poete preferide é Adão Ventura. 
um poeta já falecido, a ser redescoberto,
como muitos escondidos artistas pretes do cânone branco.
salve solano trindade, salve cruz e sousa, conceição evaristo,
salve sebah, mvhs, breno, gab, rafa, hoa, corvalan, ariana, andressa, salve geral,
salve trajano margarida e indefonso juvenal
poetas que resistiram, que criaram redes, se aquilombaram em sarais, 
festas, rodas de conversa, poemas,
tudo isso nessa ilha, muito anos da gente nascer,
meus poetes preferides.

meu poete preferide é ana cristina césar.
descobrir seus livros foi uma paixão avassaladora, em nada diferente dos grandes amores que tive de carne e osso, porque eu não sei separar muito bem os afetos em prateleiras, os vivos e os mortos, os próximos e o distantes - acho besteira. como eu, ana c. amava cartas, poesia. como eu, ana c. estudou Letras e lutava contra a depressão. hoje tenho 32 anos. ana c. tinha 31 quando partiu. ana c. cadê você?

meu poete preferide é a belaisa, que acabou de se apresentar/que ainda vai se apresentar.  gosto do jeito que ela junta & bagunça as palavras, acho que ela envolve mto bem a gente numa trama quando fala. e aí ela ainda fala com aquela voz dela... ai.

meu poeta preferide é meu filho téo. ele, como toda criança que tem seu direito ao amor e à escuta atendidos, diz poemas maravilhosos. ele tem 4 anos e disse que quando fizer 44 vai ganhar um patinete de aniversário.

meu poete preferide é a Suellem, que não sabia, até outro dia, que esse slam iria ocorrer.
nos encontramos por acaso e lhe contei que havia um lugar onde era prazeroso ver e ouvir o som, a imagem, o corpo e o sentido.
isso me faz pensar que meu poete preferido está por aí na cidade e ainda não falou seus poemas porque a cultura, as políticas públicas, e o tempo livre do trabalhador assalariade ainda não se encontraram a ponto dele estar aqui entre nós hoje. estarmos aqui fazendo esse rolê acontecer quem sabe seja o caminho para meu poete preferide aparecer. obrigado por vir, é bom te ver.

meu poeta preferide nunca ganhou um slam. ele sequer compete, fala sempre nos mikes abertos e quando fala abala a estrutura de quem estava distraíde. 

meu poete preferide é stela do patrocínio. cazuza. mc carol. brecht. adilia lopes. caco de oliveira. angelo. hilda hilst. sabotage. magrão. roberto piva. 

ish, não dá, a lista é muito comprida. 
pra sair de fininho
como cacaso faria
deixo um beijo pra paula,
minha poeta preferida.
e um último e demorado beijo
prus poetes que atravessam minha vida.





23 de abril de 2023

Cheiro de Amor (Roteiro)




Feito fumaça num quarto fechado

Você tomou conta dos quatro cantos

Acende um cigarro, queima a brasa

Eu sou o quarto, tu a fumaça                                   (cantado)


[tosse e afasta a fumaça com os braços

como se espanasse uma nuvem de fumaça pra fora do quarto]


De novo sinto o cheiro de amor no ar:

cebola & alho, o par perfeito, bem picados,

numa panela a refogar.


Batata Laranja, Abóbora Cabotiá

Batata Rosa, Gengibre, Alface

As frutas e legumes compõem

seu prato, decoram sua casa;

há um aroma vegetal por seu corpo, 

seu sexo, sua face.


Cheiro de alho nas mãos dela

uma nova forma de se preparar berinjela

ela vai e vem

de um lado a outro da cozinha,

à procura de uma certa faca,

uma seda, um abridor, uma tigela.


Chá de Malva, Hortelã

Azedinha, Ora pro Nobis, Salsão

Ele conhece as pancs, 

e está sempre a aprender uma nova receita

macarronada de palmito,

pasta de amendoim caseira

pesto vegano de manjericão

ele macera bem os ingredientes

pra logo mais nos macetarmos entre a gente

nus pelo chão


Não bastasse todas as coisas

em que se esmera

sabe ainda fazer

delícias com nabo

legumes com quem

não tinha me amigado

conversam comigo

em seu refogado

lugares de sabor

em que nunca tinha estado:

saio dali sem nunca mais vê-lo 

mas levo comigo o seu tempero


As cenouras de molho

pra durarem mais

beck bolado com alecrim

pra ficar rapidim em paz

os grãos no remolho

pra remoção de fitatos

a fumaça subindo da cozinha

em direção ao quarto...


Outra vez sinto o cheiro de amor no ar:

Bethania e Itamar, o par perfeito,

servidos sobre a cama e sobre a mesa

A louça lavada, a roupa amassada 

chocolate 80% cacau ou eu, escolha a sobremesa

seus ombros largos me envolvem

suas coxas me prendem

e chapo no cheiro de flor que seu corpo tem.


ei! te amar ainda

num mundo repleto

de gente linda

e carente de toque e afeto

me causa muito embaraço

por isso escrevo, traço e retraço

teu rosto em mil poemas

preferiria tretas e esquemas

suco de umbu, sorvete de pitaya

preferiria tardes de chapo

sem olhar para o relógio

eu entrego o meu corpo, é lógico!

para novos cultos, em novos altares

eu juro que mergulho fundo pelos ares

e o amor agora, o amor hoje

corre indiferente a esse Amor, Ainda

que por dentro me arde 

e como se não bastasse 

ainda me enche de embaraço

eu tô tentando te manter no peito 

mas a fumaça ocupa muito espaço


Sinto de novo o cheiro de amor no ar.

Na sua cozinha há sempre um aroma novo

de plantas a emergir das panelas

ela vai e vem

de um lado a outro

da minha vida

e os meus poemas...

                                               têm o cheiro dela.