22 de agosto de 2019

Louvre

afundar           
        a mancheia
   n o   e s p a ç o   f i n i t  o  &   i n f i n i t o
                                                      d e  u m   s a c o   d e   f e i j ã o
memória daqueles dias
                      que sequer deixaram marca
                                                        a não ser esta:
                                                        cravada por vós 
                                                        com máximas unhas
                                                        sobre a carne

                       lá onde só os sóis espalmados de tuas mãos batem

& assim conheço 
em silêncio, via vós
o pelo de aguerridos animais
prestes a desaparecer
viva voz
que nunca ouvi e nunca ouvirei

                                       pela boca suas mãos meu focinho
                                       seus cabelos entre os dentes
                                       sempre esse eterno retorno de tudo à boca
                                       com sabor de apocalipse

& assim aprendo:
há um saber do corpo
a custo e cuspe aprendido
& então sei por que
bailarinas enlouquecem cedo
e médicos bonachões chegam aos 90
abrindo corpos, costurando tecidos
a fornecer dicas das melhores formas
de sugarmos a si e ao mundo por nossos tantos orifícios

                                        memórias do que não tive
                                        porque estava, me lembro, me aprazi
                                        mas na ocasião não pude nomear
& assim lembro
que ontem estive no Louvre
cuja fila infernal nunca peguei nem pegarei
estar contigo:
furar a fila enquanto se carregam
os celulares máquinas dentes todos
& naquele instante preciso em que todo mundo pisca
levantar o saiote de monalisa e surpreender-lhe as coxas

11 de agosto de 2019

eu ontem vi um filme muito louco: um velho homem e sua filha a habitar o deserto norte-americano, vivendo às custas de um posto de gasolina fodido de tão vazio. por um par de dias ele faz grana sendo papai noel na cidade grande e, nos outros todos dias do ano, não faz porra nenhuma e oprime sua filha - adulta -, cuja única alegria é ver televisão - daquelas pequenas, umas 10 polegadas, e cuja tela é esverdeada - o pai se nega a comprar outra - o dinheiro, sempre o dinheiro. ali pelos 15 minutos a filha decide fugir na carona de um maluco qualquer que passa pelo posto e o pai, puto, papai noel vadio, vai atrás dela na cidade grande. acho que é aí que a história começa em si, não sei, não vi, larguei tudo pra te contar que ontem quase vi um filme aparentemente bem loco & que você deveria ver e se possível não largar como eu, que largo quase tudo ali pelos 15 minuto

larga-se uma semana
um dia um prato uma carreira
a recuperação de um sonho talvez mais complexo que a vida fora dele
uma tarde e um casamento
ali pelos quinze minutos
pra mais tarde assistir no youtube o resumo dos melhores momentos (só as mortes e os nascimentos) a despeito
do mais importante - o recheio

não beleza: complexidade, morrer de ficar perplexo
você rimbaud arrombado
sentado no colo da perplexidade
viver contigo a hora mais medíocre - o recreio

amanhã mesmo vamos à avenida
em horário de pico
com uma bola de volei
atravessando-a até formar um time

parece que estamos no segundo país em que os computadores mais passam tempo nas pessoas
um país em desenvolvimento precisa de doces, de likes
e o presidente é o biscoiteiro mor
um afago de microssegundos
timing perfeito para essa vida de 15 minutos
quando morrer, quererei um bilhão de curtidas sobre minhas cinzas

eu me lembro quando era pequeno e perplexo diante do anúncio da marca de colchões:
"o ser humano passa um terço de sua vida sobre um colchão"
que louca fantasia!
que assunto mais batido, o tempo!
mais que as palavras de amor e trabalho
de 15 em 15 minutos sondando
o que não tem matéria, nem forma, nem fundo
é de um jeito ou outro investigado até que fechamos os olhos e abrimos noutro século

8 horas de sono só para os mortos
isto se não houver obrigações no pós-morte
(alguém precisa desligar as coisas e
limpar tudo antes do vento varrer)

li numa reportagem que em países desenvolvidos é grande a porcentagem de pessoas que creem ter findado o poema e que chegam a julgá-lo perfeito ou odiento até perceber que há uma outra página e talvez mais outra - não há espaço no mundo para doenças reincidentes
dá-me logo o melhor dos teus ataques fulminantes
não li até o fim, não sei, sei por cima
gostava do tempo em que os animais falavam e nos amávamos como bichos
sem filmes, sem celulares, com o sol como referência das coisas