25 de dezembro de 2010

notícias

e de repente a luz se apagou e eu ali na sala rodeado de livros e sem nenhuma vontade de ler (novidade), oh tédio que enche de chamas especialmente as saídas de incêndio. lendo vários livros ao mesmo tempo, todos com pouco ânimo, então me ocorre abrir outro, um terceiro, embora não sejam 2, mas 8, as leituras em curso, e esse terceiro era um livro de poemas ingleses do século XIX, oh brave and nervous time, fazendo aquela associação-livre (livre?) ridícula: poetas ingleses velhos - castiçais - leitura à luz de velas, o que logo abandonei pois tomei banho no chuveiro elétrico, o que me remeteu de novo a esse marasmous year, 2010, quase 2011, que hoje é dia 25, de São Natal.
se desisti dos velhos poetas, não desisti da leitura, ainda que esteja enfastiado de ler, é ainda a única saída. que mais poderia fazer em noite de natal sem luz elétrica e sono, será? então escolhi, dentre os livros da pilha o mais divertido - aparentemente - o menos sério, que é da sylvia orthof, historieta sobre Zoiúdo, um monstrinho composto unicamente por um par de olhos - que sorriem e falam. Simpático.
peguei essa folha pra me distrair enquanto não melhoro do estômago/enquanto a luz não vem. eu ia contar o caso dos cupins cremados na chama da vela, mas agora me ocorreu algo que nada tem a ver com o momento, pois agora me lembrei de um certo costume, que é o dizer "ah, mas ISSO  (qualquer coisa) é que nem andar de bicicleta: depois que a gente aprende nunca mais esquece". e isso é uma baita canalhice, quase sempre essas comparações são mentirosas, que para aprender a andar de bicicleta basta 10% de força/impulso e 10% de manutenção dessa força/impulso e 10%  de primeira coragem antiqueda e 10% de equilíbrio e os outros 60% não-sei-o-que-é.   ----> (existir?)
canalhices à parte (há como deixar as canalhices à parte? gangorra falha), meu estômago continua malvado. isso afeta a respiração, e ficar sem ar tem o mesmo gostinho de ver a tal luz branca no fim do túnel, pode crer. Bem, e vai que daí não deveria tomar café, pq café faz mal demais, e o próprio leite também nesses casos faz, pq é de difícil digestão, creio. mas que papo aborrecedor, opa, a luz voltou, e deixa o caso dos cupins e fogo, etc, pra outra hora e chama, vou, café

18 de dezembro de 2010

antimonotonia

fim de ano, muito cansaço, quero me enredar.
o Daki-Dali tá em hibernação até algum mês de 2011.
E quanto a este, sei que a poesia está sendo repensada.
tempo de silêncio, remoer umas ideias, abandonar outras. arrumar os erros, se é que dá.
mas falar de leituras é coisa que amo, então isso não vai faltar.
escrevendo aqui e ouvindo música, coisa que não recomendo, e sempre faço. té mais.




simples e bom, o monbojó.

11 de dezembro de 2010

aos pés dela

e abro e reabro um dois vinte e sete livros de poesia. que grande merda de estante oh que seleta.
há algum tempo aboli o verso, que aí ninguém pensa que é poema, daí fica ruim mas nem tanto. jogo tudo na cama, inclusive meus olhos corridos sem se ater em nada. ler é muito bom e bonito meu filho, como isso me aborrece.

dias assim sem remédio não me aguento. só consigo abrir o livro da ana que parecia não aguentar nem a si mesma se jogando a cada duas palavras do próprio texto, os poemas como se fossem sacadas, balcão daquele apê em que se debruçou e pediu um drinque ao ar, e só tinha o éter, e devia estar delicioso. e que putas sacadas ela tinha, era ela e nem parecia. ou parecia tanto que deixava de ser.

6 de dezembro de 2010

ritmo é o problema.
cena de faroeste:
alguém fica a atirar na ponta de meus dedos enquanto escrevo um poema.
alma gêmea, sim
nós both
de frente pro espelho
enforcados
em  novelo felino

assim:
dois bofes
dormindo no incesto
de fogo de palha

corações canalhas
a empatar carinhos
somos
gêmeos do
primeiro ovo

oh, sim,
gema
minhalma
alma que gêmea bem alto
nonada de novo
mesmos vizinhos

5 de dezembro de 2010

nunca encontrarei minha alma-gênia
porque ambos
abominamos lugares comuns

vinte anos

tava quase dormindo já diante do meu computador, esse sofá velho de minha mãe, a morena do outro lado do balcão quis puxar conversa. procuro desesperadamente algo pra esperar desse ano porvir.
-- meu namorado é arquitédio. tem um escritório no centro.
nessas horas sempre penso em foder como resolução para os problemas da juventude. saco do bolso meu celular pra olhar as horas mesmo tendo relógio no pulso que bate bate, tudo bem, só tens vinte anos, essa arritmia é sinal de bonança, diz-me o doutor. e a moça mexe que mexe o whisky triste dessa noite. penso em parabenizá-la, afinal, o tal namorado poderia ser um advogado ou médico, essas coisas que enojam:
-- preciso mijar.
falei assim, logo que vi meia-noite, como se cinderela precisasse mijar a pedido da malfadada corri pro banheiro, apostando chegar antes da meia noite e um cara tava lá gemendo. no espelho desse computador meu rosto envelhecido 18 anos, os melhores pra beber sozinho segundo meu pai.
a morena me aborrece, não posso sacar um chocolate que ela há de me olhar de soslaio. a boite tá estrelada e sem nuvens e na pista a música da moda. olhando pro teto da noite é que penso na idiotice de meu pai a recomendar bebidas e fodas como as melhores coisas a fazer nesse idade que não volta porque volta sim, regurgitada nessa barriga de chope dos quarenta anos. e dá-lhe tapas nas costas e risos, e no ar a fumaça da morena que fuma. que nojo detesto cigarros e esse chocolate amargo que comprei enganado pela embalagem, bonito vestido esconde suas pernas.
-- vamos nos casar em março, diz quando volto, ainda o mijo porvir nesse 2011.
tumtumtum, bate o coração no centro da pista. grandes merda ter um mictório no centro
mijar todo dia do décimo sexto andar na cabeça dos passantes. e de tumtumtum passa pra tectec, esses teclados são todos iguais, já não se fazem mais onomatopéias como antigamente. que mundo mais plástico, meus domingos morrendo assim distraídos, enganados por invólucros parecidos. morena amarga, queria ao leite. meu pai me queria médico.
a morena espirra e eu aproveito para desejar saúde aos noivos.

suspirão

saiu no Anotícia de Domingo os textos premiados, incluindo o meu em 3º. E os caras em vez de publicarem da forma como o texto chegou, decidiram revisá-lo. E revisor não curte neologismo, porque eles não figuram no dicionário. Daí  porsissó apareceu entre aspas (pense na cena: Grande Sertão: Veredas com as aspas em cada neologismo do Rosa) e eles trocaram o neologismo desmotevada (sem mote, sem tema) por desmotivada. Essa última cagou com a frase. Transformaram a personagem numa desanimada. hijos. paciência.
diga-me com quem andas
e eu te direi quem rês

retrato de meu pai

apelido de meu pai, dado em criança, é passarinho. diz a lenda que ele corria de braços abertos e daí veio. azarado, ferrado na vida, sempre tenho a impressão de que somos iguais. que repito um caminho aberto por ele. outros pés, outras ideias. mesmo caminho. não é sina, nem destino. o que seria? não sei. é um cara muito teimoso, alegre, ora calado, ora expansivo, ora generoso, ora nem tanto. e é uma crônica ambulante. dava um livro. tem cada história. guardo comigo muita coisa, cenas, frases, coisas que me marcam e não esqueço. meu pai é único. quem mais nesse mundo poderia cantar como ele? do nada, ele começa aquela dos beatles...

-- "Hey Jude....

E para aí. porque não sabe o resto e só isso fica bom.
meu pai com sono é engraçado. vai dormindo, olho miúdo
você fala algo, ele chacoalha a cabeça, braços cruzados, como se concordasse
qual! nem sabe do que você tá falando.
às vezes ele fica calado, olhar perdido.
o que pensa nessas horas? em problemas, talvez. ou em nada.
e dos apelidos, ele gosta. me chama de dugo. só ele me chama assim.
de qualquer outra pessoa, a alcunha soaria ridícula.
meu pai preocupado é uma imagem bonita.



meu pai?
é o Passarinho,
tem uma barriga grande
mas seus olhos
são pequeninhos

um poema de pablo neruda.

(esse é outro daqueles pra ler e suspirar pela vida toda)


ACONTECE


Bateram à minha porta em 6 de agosto,

aí não havia ninguém

e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira

e transcorreu comigo, ninguém.



Nunca me esquecerei daquela ausência

que entrava como Pedro por sua causa

e me satisfazia com o não ser,

com um vazio aberto a tudo.



Ninguém me interrogou sem dizer nada

e contestei sem ver e sem falar.



Que entrevista espaçosa e especial!


In: últimos poemas. editora LP&M. tradução de luiz miranda.

3 de dezembro de 2010

noite de quinta, tava lá na univille, no 7º prêmio expressão literária
fiquei em 3º, categoria conto/crônica.
texto selecionado foi o "carta pra ti é uma coisa engraçada...."  gosto dele até.
o encontro foi bem bacana, e saí de lá bem contente.
se bem que meu id (ou é ego?) ficou dizendo.... "buuuuuhh, é a maldição do terceiro lugaaaahhhr",
isso porque em 2008, então com 18 anitos, fiquei em terceiro, categoria poesia.
mas estar lá, ser reconhecido, isso é muito bão.
que venham mais!
e bora escrever. de vez em quando me revolto, e acho tudo uma merda sem fim (mas boa parte é)
aí estar lá no prêmio dá uma acordada. pra trabalhar. reescrever. pra ser feliz. se pá.

27 de novembro de 2010

sobre um romance de Italo calvino



primeiro de tudo, preciso dizer que li este livro num momento ruim, uma semana de muito cansaço e stress. por vezes, sentado em algum lugar, adormeci no meio de algum trecho. dizer isso tem uma conotação de desculpa pro que vou dizer, que é que gostei do livro, achei a ideia genial, mas como leitor despreocupado, 'não foi tudo aquilo", de modo que o livro não entrou para os favoritos. (como eu achava que iria acontecer - quem sabe numa releitura?). Essa preocupação em dar desculpas é covarde e tola: eu deveria simplesmesnte dizer "gostei, mas esperava mais, o que é natural" (bom, acabo de dizer). É um romance sobre o ato de ler romances, tanto que o protoganista chama-se simplesmente Leitor. Este leitor sofre com diversos percalços para terminar a leitura de seus livros. sempre que inicia um, algo acontece, o romance é interrompido, o gozo é cortado, e logo ele é atirado a outro começo de romance - que irá ser ceifado também. E por que não gostei tanto assim? Difícil. A ideia do livro é genial, e há passagens maravilhosas (vou botar pelo menos uma aqui no blog), mas creio não ter entrado nessa busca do leitor. alguns começos de romances - todos bem diferentes entre si - não me prenderam, e o enredo rocambolesco da procura do Leitor me enfastiou em alguns momentos. Quanto ao fim do livro, fiquei com a sensação de pé quebrado, embora seja impossível terminar de ler sem um sorriso diante do gracejo com que Calvino termina ser romance sobre romances. Acho que é isso: o enredo rocambolesco enfastiou, apesar das reflexões geniais sobre a leitura e de belas passagens. Calvino é um cara muito inteligtente. Outra coisa: ao fim do livro, há um apêndice que traz a resposta de calvino às indagações de um crítico italiano sobre o livro. Assim, ficamos conhecendo as intenções do autor. sobre esse apêndice, uma coisa me ocorre no momento. é sobre esse trecho: "Será mesmo verdade que meus incipit se interrrompem? Alguns críticos (...) e alguns leitores de gosto refinado sustentam que não: eles os consideram relatos acabados, que dizem tudo que deve dizer e aos quais não há nada para acrescentar. Sobre esse ponto não me pronuncio. Posso dizer que, de início, queria fazer romances interrompidos (..)" - Aqui tenho um pitaco. Alguns começos, incipits, possuem uma estrutura perfeita de conto - o melhor exemplo pra mim é "Ao redor de uma cova vazia" que é excelente, e é em certo ponto fechado. Se Calvino quisesse continuar, teria problemas porque muito já foi dito, e falar mais tenderia a ser "chuva no molhado". Além disso, esse incipit termina tão bem, com uma bela cena digno de conto excelente. Há outros exemplos de incipit-contos, mas discordo de quem vê em todos os inícios contos acabados. Não é bem assim, parece-me. "numa rede de linhas que se entrelaçam", por exemplo, até pode ser chamado de relato completo... mas então teremos de assumí-lo como um relato ruim, em que as cenas desenham-se mal - que faltou mais organização, o que seria um absurdo já que sabemos da capacidade fodástica do Italo de conduzir uma narrativa. Bem, o pitaco fica por aqui. A leitura está recomenda. E, bem, foi o primeiro livro dele que li. Mas tenho certeza, só de ler as outras sinopses, de que vou gostar mais de outras obras dele (eduardo, é impressão minha ou ainda você está tentando desculpar-se?). Palomar e As cidades Invisíveis, são pitacos. Tenho certeza que a hora que lê-los (esse das Cidades vou ler nas férias, já tá marcado ;P) vou amar, só de saber o tema. Bom, agora vou tratar de digitar alguma daquelas passagens que achei foda. Ah, lembrando, o começo do romance é demais, te prende, porque fala justamente sobre as nossa manias de leitores. Assim, empatizar com elas é facílimo, já que todo mundo tem suas manias. Eu me vi, durante essas primeiras páginas, quando Italo descreve aquele leitor que compra um livro e começa a abrir no escritório, em meio a documentos aborrecedores, fingindo que está concentrado em algum deles, mas - qual!- tá é abrindo o livro cuidadosamente e curtindo as primeiras linhas. Só não contem isso pro meu chefe. esse lance de empatia foi brincadeira, tá?

adolescência

Escola?
lá esqueço
o que sei

Catequese?
Encheu
o sacro

Passado?
dancei, cara
me ferrei

eu?
sombra que ilumina
meus pais

pais?
país do
por enquanto

Futuro?
dançarei
mais um tanto

23 de novembro de 2010

eu ri

O eterno problema da tradução...
Sr. William Blake e seu sarcasmo:

"It appears to Me that Men are hired to Run down Men of Genius under the Mask of Translators"

Na tradução de Mário Alves Coutinho:

"Acho que Homens são contratados para Depreciarem Homens de Gênio sob a Máscara de Tradutores"


In: Tudo que vive é sagrado (poemas de William Blake & D.H.Lawrence). Editora Crisálida, 2001.

21 de novembro de 2010

oh, boy
mozart is gone!

but he's still dancing
in my ringtone

19 de novembro de 2010

26 grávidas, ana c,
26 grávidas e você tomam banho de sol
de longe aguarda-se que o trem em que viajas
subitamente se traia
em doidivano suco
que loucos esses ventos quando descarrilham!
parece que
multiplicam a praia.

15 de novembro de 2010

"Quem te perturba? Quem estremece teu coração? Quem tateia ao trinco de tua porta? Quem te chama da estrada sem, no entanto, entrar pela porta aberta? Ah! É precisamente aquele que perturbas, aquele cujo coração estremeces, aquele à porta do qual tateias, aquele que chamas da estrada e pela porta do qual não queres entrar".

Franz Kafka.

Uma passagem e tanto.

Citado por Harry Laus, em seu diário. (Impressões de Leituras. Editora Bernúncia.)
Não sei qual o tradutor, e nem de que obra o trecho é extraído. Talvez traduzido pelo próprio Laus, talvez extraído dos diários de kafka, que era uma leitura que ele vinha fazendo na época que transcreveu esse trecho. (novembro de 1951)

Mais tiras. Agora de Arnaldo Branco.

André Dahmer e seu rei Emir

Adorei!

http://g1.globo.com/pop-arte/fotos/2010/04/tirinhas-rei-emir.html

14 de novembro de 2010

dois poetas


sexta foi dia de ler dois livros da Letradágua, editora que costuma publicar o pessoal daqui da região Norte, e também do Vale do Itajaí. E publicam, entre outros gêneros, bastante poesia. Rubens da Cunha, Caco de Oliveira e Fernando José Karl são alguns exemplos. Dessa vez, a leitura foi de "Cápsula", de Paulo César Ruiz, poeta nascido em bauru/SP (?), mas que morou em Joinville e publicou alguns livros aqui; e "livro de mercúrio", do blumenauense Dennis Radünz.


---
Ruiz faleceu cedo, em 2001, sendo "Cápsula" uma obra póstuma.Talvez seja a única reunião, em livro, de seus poemas (não sei dizer). Publicou também um trabalho no jornalismo, em conjunto de outros, e "Códice", novela experimental, na qual subverte todas as regras do gênero, além de criar vários neologismos, transformando o livro num jorro de palavras, uma viagem total¹. E eu achei uma delícia a leitura desse "Cápsula". a poesia dele é breve, rápida, e repleta de humor. daí associá-lo a leminski, alice ruiz (ó o sobrenome), nelson capucho, é um pulo. mas dizer que ruiz é "um poeta marginal" ou "muito parecido com leminski" , etc , é jogar ele num balaio, apagando o que sua poesia tem de original. Porque ruiz, assim como leminski ou qualquer um dos citados acima (exceto alice, talvez) traz pra poesia muito bom humor e deboche. Mas é um deboche, um gracejo, que só pode vir dele, do paulo césar ruiz. seus poemas falam bem melhor do que eu:

paulo césar who is
poeta de merda
o mundo sob o nariz

-
corre ambulância!
se deus não quiser
paciência

-

que chique
joguei na retranca
deu xeque


por reunir essas características, bom humor, ironia, aliadas à brevidade de seus poemas, a poesia do ruiz é ideal pra levar pra meninada, creio, a fim de despertar (preparação para emitir lugar-comum, 1, 2 3 e ...) o gosto pela poesia. falando sério, não há como não simpatizar por essa poesia. Outra característica dela é a observação do cotidiano (algo que me direciona para Caco de Oliveira, outro baita poeta atuante em Joinville). Herdada da cultura oriental, esse exercício rende poemas e tanto. às vezes, é como uma fotografia: ("deu zebra/menino de rua/à espera do penta"). Deixo um último, ideal pra exemplificar esse poeta bom pra chuchu, que observou a dor (e graça) do cotidiano como poucos. adorei o livro, entrou para os favoritos. pra fechar:

roubar a paisagem
o olhar clic rapina
turva até a neblina


---
A outra leitura é bem diferente. a poesia "despreocupada" (favor não confundir com relaxada, que o trabalho do poeta é duro sempre) dá lugar a uma poesia experimental, no qual o leitor sente que as palavras foram sendo lapidadas. opa, lapidadas não, que isso tem gosto de soneto parnasiano. ceifadas, laminadas, sei lá o que, algo assim, mais bruto. Coloco aqui dois poemas dos quais gostei muito, e daí falo um pouco da leitura.

Casas Noturnas (I)

a casa mora onde obra a noite
se nenhum rumo mais a mura
ou abre e fura a hora adentro
se a água mole a pedra aflora
e afora enfurna-se o relento

Casas Noturnas (II)
a casa acesa em cinza insone
no alheio sono dos anônimos

o cisma insano de arredores
onde os ânimos são nômades

a casa ilesa em chamas some
a ânsia: ócios: coisas: nomes

Escolhi esses dois, porque os achei do caralho. (o palavrão aqui é pra reforçar mesmo, desculpa a quem não gosta). Gostei mesmo. Do livro em geral, gostei menos. A poesia desse livro me foi muito estranha, o que é bom por um lado, já que a poesia tem que estranhar às vezes, confrontar-nos com as ideias e com a nossa língua. Mas eu sempre pendo para a poesia de ideia (retomarei essa história de poesia de ideia em futura postagem), do que esta de radünz, mais experimental, cujo cerne parece estar  na linguagem original e não tanto no mote, no tema, na ideia que se quer passar (vide poemas do ruiz, bem mais "acessíveis", digamos). Lembro-me que adorei "Exeus", livro anterior do Dennis. Mais do que este. Algumas características estão presente em ambos, como os poemas com tendência concreta, ao experimentar dispôr as palavras de forma não habitual. (na orelha, o editor e poeta j. gehlen pede para que o leitor não o veja como um poeta concretista, nem como simbolista, visto que dennis também aposta na musicalidade). Quanto à musicalidade, é nítida. vide os dois poemas acima. É um efeito muito interessante. Sinfonias noturnas, nesse caso.
Dito isso, vou-me embora que já é hora. Os dois poetas estão mais que recomendados.


PS: Eu ia falar também de "Imitação de espelho", de Ramone Abreu Amado, que tenho aqui em casa e também saiu pela mesmo editora dos 2 acima. Mas esse achei chato pra chuchu e abandonei. Quero retomar, mas fica pra outro momento. e é bom que retome mesmo, porque posso mudar de ideia quanto ao julgamento do livro, coisa que já aconteceu.

Notas inúteis:

¹ Repare que "viagem total" tem sido considerada cotidianamente, de um modo vulgar, como "besteira", "coisa tosca, sem sentido". O que é um erro. O sentido que empreguei, está claro, é o primeiro. De viagem mesmo. Viagem total de besteira não tem nada. Pelo contrário, é uma maravilha.

² "bom pra chuchu" sempre foi uma expressão brega pra mim. mas após ler "O apanhador no campo de centeio", livro de J. Salinger, cismei com a expressão-bordão do protagonista (ou pelo menos, a versão que o tradutor escolheu), o holden (adorei ele, é por isso). acho essa coisa (de as palavras entrarem e sairem de moda) algo muito legal. ainda mais porque é algo hiper-mega-ultra pessoal.

13 de novembro de 2010

menina passarinheira

para a daia


passarinho me contou
que meu amor estava infeliz
xinguei o metido, mirei nele
errei por um triz

ainda sim,
fui lá ver o meu bem
lá onde moramos
longe pra caramba
na corda bamba
no trilho do trem

bati na porta da caverna
e divisei no fundo no canto na beira
na parte mais fria e quieta
a menina passarinheira
cadê tuas asas, perguntei
não sei não sei não sei

vish, pensei, e fui pra geladeira
catei dois copos de tapa na cara
e de soco em soco
bebedeira

que a vida bate na gente
a gente é fraco
e cai no buraco
e o buraco é fundo
diz a canção

mas a vida
não morre na rima
sorte a nossa
querida

e tem outra coisa
menina aguerrida
tristeza não é problema
pelo contrário
comprida felicidade
é coisa de otário
compreende o esquema?
pois explico

quanto maior o salto
maior a perna

fiquemos tristes, tristes
como dois tigres tristes
que quando a alegria vier
ninguém vai segurar
alegria presa
quando vem
violenta
violeta
estoura um trem
dentro da gaiola
louca
coração último
céu de nossa boca


é, menina passarinheira
diz a lenda que tá sempre triste

e sempre lá é hora?
chuta esse prato de alpiste
e vamosimbora

10 de novembro de 2010

um barato fundamental




eterno ex-estranho
ainda que eu não entenda
o vice rouco
do seu louco verso

de poema em poema
te entranho

7 de novembro de 2010

cheguei hoje à conclusão de que não consigo manter um diário ínfimo, não rola, sai falso. o do harry laus é interessante, tô lendo. cara inteligente, ele. tem uns malabarismos straños ao escrever, mas isso é estilo, não? curti ele porque gosta do dostoiévski e é um cara um tanto deprimido. era né, que morreu faz tempo. tem uma passagem que gostei, onde está?, peraí, eu já acho. por favor, peraí. (sério, só mais um instante). demorei, vc não percebeu eu sei, pq a daiane me chamou aqui pra pedir uns nomes de autores que fizeram inovações linguísticas, mas isso não vem ao caso. ó o trecho de que falava:

"Onze de maio de 1950, talvez não me tenhas dito nada. Ou quem sabe me disseste, como terão dito todos os outros dias, e eu nada tenha compreendido?"

Puta desconsolo, isso. Na verdade, o trecho era outro, mas quando fui buscá-lo não achei. mas havia este outro trecho aí  de cima. sei lá. se eu tivesse bebido, diria estou deprimido ou foi efeito do vinho? mas é meio-dia. estou deprimido ou foi efeito do almoço materno? preguiça que não é preguiça, chamam de tédio, né, corali? noite que não é noite. O caso é que isso não é momento. é fase. de lua. vai e volta a maré amarrada no dedo do menino brincador.  queria que fosse momento macunaíma, mas nada tem disso. momento holden caulfield/leminski, perhappiness. Sei cá, mews. Hoje é domingo, MAS ISSO NÃO É UM PÉ DE CACHIMBO, diria o Magrinho, aquele pintor francês surrealista. surreal. surrealista. engraçado, esses jogos de palavras não combinam com o que pretendem representar. surreal/surrealista. coisa mais óbvia, de sonhado isso num tem nada. gosto do Magrinho. Mais do que o Dali, aquele mais derretido. Gosto do Magrinho pq ele é daqueles que botam uma porta no teto e saem passeando por dentro das gotas. desses que botam um leão em cima da cama. Há um leão em cima da minha cama, às vezes. é engraçado. isso dá um poema, se pá. ou dava, que não sou poeta. tentei, tentei. mas sou muito bobo. uma noite sentei a Beleza no meu colo e achei uma delícia. É assim que os maus poetas se mostram. tá tocando um som bom aqui, Red House. sensual. é bom que a música distrai. não tô mais deprimido. ok, foi brincadeira, ainda estou. e escrever é coisa que não ajuda. tenho baita preguiça, talvez por isso não funcione um diário. Laus, sete de Novembro pode estar falando, numa hora dessas, será? vou fazer um minuto de silêncio, para tentar ouví-lo. aproveito e velo o tal de seis de Novembro.

27 de outubro de 2010

não bato bem da cuca:
pra bocarra
do bicho
corro
quando à noite
maluca
ela vem me pegar

24 de outubro de 2010

questão de pontuação

um é pouco
dois é bom
três é demais

- vai um ponto de exclamação ali, professor?

um poema de mário de andrade, mais uma nota do diário ínfimo

MODA DOS QUATRO RAPAZES

(Campos do Jordão)

Nós somos quatro rapazes
Dentro duma casa vazia.

Nós somos quatro amigos íntimos
Dentro duma casa vazia.
Nós fomos ver quatro irmãos
Morando na casa vazia.

Meu Deus! si uma saia entrasse
A casa toda se encheria!
Mas era uma vez quatro amigos íntimos...
(mário de andrade)

 
ps; das Suas Poesias Completas, editadas pelo Círculo do Livro.
ps2:  no sétimo verso, é "si" mesmo. mário escrevia "si", "milhor". nunca me dei ao trabalho de verificar se isso era jeito dele ou se era assim antes. deve ser jeito, que mário é da turma dos inventadeiros.
ps3:sugestivo, o poema, não?
ps4: não liguem pra essa repentina enxurrada de poemas. gosto muito de guardá-los, mas nunca achei o lugar ideal. estou pensando em algum tipo de caderno, algo assim. Nos blogs não tem dado certo. além disso, nunca sei até quando plataformas como Blogger e Tumblr irão durar. caderno é uma boa, mas e a disposição pra escrever à mão? nhé

23 de outubro de 2010

dois poemas de chico alvim

JEJUM

Cuspiu no prato em que comia
Tiraram o prato

---

QUIFOIQUIOUVE RAPAZ

 Me raparam o olho

------
 
 
In: Passatempo e outros poemas. ed. brasiliense. 1981


- gosto muito desses poemas-minuto. às vezes, como uma cena, rápido relato. às vezes, uma sacada, um jogo com uma palavra ou frase. Oswald tem um livro fantástico - pra quem gosta desses poemas - chamado "Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade". Esse poema-minuto, ou seja lá que nome se dá, é apenas um modo de fazer poesia, coisa infinita.
falando nisso, dia desses eu pensava: cadê os poemas longos? perdemos o fôlego? e agora, josé?

16 de outubro de 2010

poemas para rezar

PROVINHA BRASIL

--Última Pergunta, meninada: O Estado é....?
-- Laaaaaaaaaaaaaaico.
-- Amém


NOTÍCIAS DE CANAÃ

nada de novo sob o sol, amor:
a mesma praia nudista
de sempre


ESTOPIM

esqueçam o tal do fruto
esse papo de pecado
tudo danou mesmo
quando a cobra
mordeu o seu rabo



BEST-SELLER

vida longa aos contos do vigário.


CHÁ DE BEBÊ

noite quente
piruetando entram
de repente
três ilusionistas

eis os presentes
beijo josé maria
pra gente
três donativos

é urgente
vamos indo
simples hotel
três estrelas

OITO OU OITENTA

deus e diabo:
dois
manequins

 mas o que siginifica isso?
-- maniqueísmo


POLÍTICA

na eleição dos profetas
seu judas foi
o mais votado


TELEVISÃO

muita sorte de jesus
ter sido crucificado
naqueles tempos


10%

dizimar é um ato muito justo
já diziam as escrituras


SÃO RIMBAUD

noite girândola
por aqui belas colunas
o inferno é lindo
pura e doce
tâmarazul
da cor do deserto.

MANDAÇÃO

Não cobiçarás a religião do próximo.


CONCLAVE

papa contra o verso
pudera
quem é que se orienta
com 119
 pontos cardeais?


PIPOCALIPSE

que azarado!
quando cheguei no cinema
o mundo já tinha acabado.

9 de outubro de 2010

Estou ficando mocinho

Próxima segunda-feira completo vinte anos.
Eis um trechinho de Rimbaud sobre a juventude. um auto-presente.



JUVENTUDE (trecho)

II - Vinte anos

As vozes instrutivas exiladas... A ingenuidade física amargamente serenada...Adágio. Ah! O egoísmo infinito da adolescência, o otimismo estudioso: como estava o mundo cheio de flores este verão! Os ares e as formas evanescendo-se... Um coro, para acalmar a impotência e a ausência! Um coro de vidros de melodias noturnas... Realmente os nervos vão saltar depressa.

-- Rimbaud
(Trad. de Ledo Ivo)


-- Já Saltaram, Rimbaud!

Já saltaram!

3 de outubro de 2010

 para a daia


salta no tanque, a rã:
grito de minha mãe
espanta a poesia

2 de outubro de 2010

Breve entrevista com Dona Forca

Os anos passam, métodos suicidas se tornam arcaicos, outros surgem, mas o velho laço de corda não sai de moda. qual o segredo do sucesso, Dona Forca?

- Eficácia e plasticidade, sem dúvida. E não dar corda à algumas falsas tecnologias é algo importante.
- Com isso a senhora quer dizer que armas de fogo, drogas, gases, lâminas (para corte de pulsos) e outros são instrumentos-adversários?
- Também.
- E quanto à defenestração, que não pede nenhum instrumento?
- Coisa de miseráveis sem-graça. pão-duros.
- Mudando de assunto...  a Senhora gosta de sua função? Gostaria de ser outra coisa, caso pudesse?
- Adoro o que sou! Não trocaria meu feitio nunca. Forcas são kamikazes. Sua utilização, sua glória, é também seu fim. Mas é uma bela vida. Enrolada, mas muito fime e bela!
- Logo, a Senhora é uma das que ainda aguardam usuário...
- Naturalmente. (uma piscadela)
- Aproveitando essa última palavra proferida, que pensa a Senhora da ideia de suicídio? Algo natural? Loucura?
- Essa é uma grande dúvida das forcas. Todas morrem de curiosidade de entender. A saída seria perguntar ao suicida, antes do ato. Entender por que ele está tencionando aquilo. Mas, obviamente, nenhuma corda jamais fez ou fará essa pergunta ao enforcando (termo que - no vocabulário próprio das forcas - designa aquele em vias de cometer o ato). Seria burrice.
- Perdoe a ignorância... mas por quê seria um ato tolo?
- Já pensou se, por conta da reflexão originada pela pergunta, o cara resolve desistir? Seria frustrante para a forca! Seria o fim da carreira dela!
- E que fim levam as forcas daqueles que desistem de se matar?
- Viram corda para as crianças brincarem de pular. Horrível, não?
- ....ah. Bem,  falemos de História. Antigamente a Senhora ocupava outros cargos. Além de instrumento para suicídio, as forcas também eram usadas para execuções...
- Ah, meu jovem, bons tempos....  após essa época, a situação ficou difícil. Reduzidas à função suicida, ficamos mais requintadas, sem dúvida, mas faltou trabalho.
- E qual a consequência disso para o grupo das forcas?
- Tiverem de desatar-se, infelizmente! Viraram lixo. Brinquedos. Lamentável.
- Lamento sinceramente. Dona Forca, antes de terminar essa entrevista, uma curiosidade particular... Há alguma relação familiar das forcas com as gravatas?
- Por favor, não toque no nome daquelas vendidas! safadas!
- Desculpe-me. muito obrigado por sua generosa entrevista
- De nada. Você sabe que estou sempre à disposição...

26 de setembro de 2010

A arte de armar ou A farsa da Martin Claret

Gente, a coisa é séria. Leiam aqui no excelente blog da denise bottmann.
Eu tenho -até onde sei- 4 livros dessa editora:

- "Cartas Chilenas", "Caramuru", que são dois poemas longos da época do Brasil Colônia. São em português, e com isso não há preocupação com a tradução. Porém, se a editora não se importa com algo crucial como a tradução, como confiar na diagramação, revisão e preparação dos textos? Não dá!
- Pra piorar, tenho dois gringos: "O doente Imaginário", do francês Molière; e "A arte de Amar", do romano Ovídio. (Aliás, esse A arte de amar da Martin Claret, aí acima, merecia o prêmio de capa mais horrenda do mercado editorial brasileiro). O do Molière, a princípío, tem um tradutor confiável. A princípio. Porém, o mesmo não se pode dizer de "Arte de amar". Essa edição está nas (anti) referências bibliográficas, livros que o blog de bottmann condena pela caracterização de plágio nas traduções. (que pode ser a cópia indevida e descarada, ou uma "maquiada", ou seja, um texto no qual as palavras da versão correta são trocadas por sinônimos, ato que gera verdadeiras aberrações literárias)  E eu lá vou ler algo duvidoso?
Quem tiver livros dessa editora, é só me dar um toque, que a gente combina de fazer uma pira só.
E sabe o que é pior?
a editora continua a vender seus livros-bombas!

PS: como se pode ver nas (anti) referências, a Martin Claret não é a única suspeita. Mas é a mais famosa e a mais cara-de-pau, sem dúvida.


.

18 de setembro de 2010

ele é um poeta imenso

ÁGUA DE CACHORRO

Daqui é que se vislumbra
que o mar é de cachorros d'água
- um enconstado no outro -

se um latisse
acordava

canoas

(Fernando José Karl)
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Li num pergaminho de astrofísica antiga

que à página 161 de qualquer livro há um grego que
súbito
vira para trás
e
nos
coloca
na palma da mão
uma
pérola
de ouro

(também do Karl)

ps: hoje, dia 26/09/2010, acrescentei este último poema, extraído lá do site germinal literatura, como o primeiro. é inédito; ainda não está num livro. por isso, boto aqui.

Inverno?

um muro no coração
(é teu olho sem céu):
adivinho a estação

6 de setembro de 2010

Rua do Príncipe

Crepúsculo caído,
lentamente
as coisas apressadas convergem:
a vendedora de alhos
o empregado sem olhos
as portas de metal
que descem
a beliscar
as bocas de lobo.

homens cansados
vão beber
malabares

crianças pelas crinas
cigarros trocados
de boca em boca
como beijos

já se alcança a esquina:
dessa última desnoite
fica o cheiro ágil
de um cabelo
ou de um fósforo
e dos olhos
da vendedora,
o verde puro dos semáforos

2 de setembro de 2010

um poema de ledusha

barriga latindo de tédio

sério desequilíbrio emocional

em média leio dez livros por dia

ao mesmo tempo

antes de dormir

caso mme bovary com nelson rodrigues

e estamos entendidos
 
(Ledusha)
 
In: Finesse e Fissura. Editora Brasiliense.
 
Nota: qualquer empatia é mera coincidência, tá?

28 de agosto de 2010

como é que é, ô Ulisses?
Não sou de costurar, neguinho, e ainda estou no aguardo (cada vez menos vigilante....) de sua resposta.
sei bem o que você poderia alegar, (muito trabalho, burrice do carteiro, corre corre da vida, morre morre da vida, e outros temas) e já digo poderia, pois não vai: que essa carta tá aberta aí sobre a mesa da cozinha, provavelmente suja de farelos.
ainda não tenho o que por na carta, e já começo a desconfiar que não levo uma vida tão burguesa como penso. (que bom!) Mas tudo bem, que a vez é sua mesmo. (esse é meu segundo lance. depois não vá dizer que estou trapaceando). E falando em passeio, bota a resposta logo nesse correio grego, antes que eles entrem em greve de sexo ou de fome.
Vamos lá. estou aqui esperando. Eu e o Tchekov, que está cada vez mais gordo e branco, e que está aprendendo (gatinho-finesse!) a mijar na areia da ampulheta, como um bom menino. Falando nisso, faz tempo que você não vem aqui pra ver o tempo morrer dessa forma. Ok, ok, eu sei que acabo de infringir a segunda regra - ops! - de nosso combinado. A saber:
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Artigo 1º: Nessa coisa de trocar cartas, é inicial e terminantemente proibido falar de coisas do cotidiano, como por exemplo: da ignorância de nossos chefes e colegas de trabalho, se o sol tem aparecido em nossas cidades, quem morreu/quem nasceu, notícias do Front, do Frank e de outros vizinhos, etc. Vale falar de si. E vale falar do Tchekov também. Aliás, dos dois.

Artigo 2º: Nesse coiso de trocar cartas, é vedada a discussão de nossa relação amorosa, cerejosa, etc. Nada de coisas como saudade ou distância (que são palavra sinônimas e antônimas ao mesmo tempo e um pouco mais).Os assuntos devem ser outros (quais.... essa redatora ainda não sabe, ficando o complemento desse artigo sujeito ao resultado dessa troca de cartas)

Artigo 3º A única forma de quebrar os 2 primeiros artigos acima se dará por meios de estratégias não-explícitas, ou seja, ironia, código morse, insinuações, meios sensuais, etc; sendo vedada a participação de terceiros nessa discussão.

Artigo 4º O fim da troca de cartas ocorrerá no momento em que decidirmos morar juntos novamente. Ou não, pois podemos manter essa prática se tivermos vontade e cara-de-pau paraíso, digo, para isso.

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Relembrado isto, sento em cima dessa carta para reforçar o pedido de resposta.
E que venha bilhete, mas venha. Caligrafada ou torta, I want a retort.

a revoada, cherry!

PS: falar de leituras eu sei que pode.
enquanto a resposta não vem, sigo lendo o volume 2 dos Mil e Um Açoites. Estou numa parte ótima. Sherazade e suas histórias-chicotes estão deixando o rei doidinho doidinho!
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aos compradores de livros...



...o velho conselho do comércio também vale para sebos: pesquisar, pechinchar, etc.
Vejam que bonito, aí na foto acima. O mesmo livro (esqueçam autor e título, que nem são lá essas coisas), com mesma data de publicação e mesma editora, ambos em ótimo estado (segundo as descrições)... nenhum dos dois autografados...e entre eles uma diferença boba de R$ 240.
Esse site aí é a Estante Virtual. Eu recomendo para achar aquele livro que você não encontra de jeito nenhum. É preciso tomar alguns cuidados ao comprar, como observar se vale a pena, economicamente, já que você paga também o frete. Ou ainda verificar se o livro está em boas condições, etc. O site está no ar há alguns anos. Fiz algumas compras, mas não muitas, que sou um blogueiro pobrecito. mas tô sempre por lá, ainda que seja pra pinçar essas pérolas da arte de lucrar. ;P

15 de agosto de 2010

querida, venha aqui um minuto

e me relembre um coisa, que sou muito desmemoriado:
fazia sol, a gente se amava ou tinha apenas uma leve neblina
naquele dia em nos que casamos?

13 de agosto de 2010

sempre desconfiei dissos!




PP(pós-pixado): pra quem desconhece, a segunda frase é retirada de "Summertime", ária composta por George Gershwin (sim, inicialmente era uma peça para uma ópera), com letra de DuBose Heyward, mas que eu conheci por meio de uma versão jazzística dessa senhora aqui. Música ideal para ouvir no escuro de sua sala de não-estar, sem pensar em mais nada. E quanto ao Rosa, sem comentários! Ficam as sugestões.

PP2: tenho um medo danado de traduzir a menor frase que seja, quando o texto em questão é música/literatura, mas vá lá, "Tempo de Verão: viver é fácil..."

PP3: e eu sei que está tudo fora do contexto. é só pra brincar com as
palavras e as ideias que fazemos da vida, ok?

PP4: Em tempo, povo: desconsiderem minha tradução safada e ao pé da letra. Vide postagem auxiliadora da MCris

7 de agosto de 2010

sobre dois livros de Enzo Potel




Bem, eu estava devendo essa postagem há algum tempo. A primeira dívida era para com o Ítalo , que me deu esses 2 livros do Potel, presentão, e também ao Enzo, é claro, pois ele é o autor dos poemas. Ah, sim, "Cura" e "Contos de Facas" são livros de poemas. E a segunda dívida era para comigo mesmo, pro blog, pois não tenho escrito com a frequência que desejo.
E pra tentar quitar essas dívidas, eis essa postagem-agradecimento, pra falar um pouco sobre essas leituras, das quais gostei bastante, já adianto. "Cura" é o segundo livro de Enzo Potel, que é de Itajaí. "Conto de Facas" é o terceiro. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a qualidade dos projetos gráficos, ambos feitos pela editora Nova Letra (lembrei-me agora que já elogiei um projeto dessa editora - que mal conheço - numa postagem recente) Somam-se aí os desenhos de Me Fodí (em Contos de Facas) e as fotografias de A. Soares (em Cura) Bem legais.
A impressão que tive ao ler "Cura" foi a de encontrar em contato com uma poesia raivosa. De uma raiva ancorada na descrença. Uma poesia cética, sem qualquer gota de esperança, fé, resignação ou qualquer outro sentimento de acomodação ao caos mundano. O poeta, aqui, é aquele que "vê o abismo de baixo", que vai revirar as estranhas das pessoas e das coisas, para mostrar o que elas não externam naturalmente. E é bem o contrário: escondem. Em poemas como "Maria vai com as outras" (ela acha que angústia/faz parte da grife dela") ou "Mulher Hipopótamo" ("Mal sabes/as orgias internas/em que ela te come/enquanto conversa contigo/quase sem te dirigir os olhos/Séria/naquela risada que parece/cronometrada/para não levantar suspeitas/nem/escapar suspiros") o poeta ataca as falsas camadas que revestem as pessoas: modos enganosos de pensar e agir não escapam à sua raiva. Resumindo: poemas-socos.
Antes que eu comece a falar besteiras, é bom elucidar as coisas com dois trechos extraídos das contracapas. Em "Cura", um trecho do prefácio de Ryana Gabech sobre a poesia de Enzo: "[a poesia de Enzo] Revela, fere, aponta mas também beija, acalma, entristece e dorme. É a vida do caos". Sobre isso, também adianto que o leitor toma mais facadas que beijos. E no "Conto de facas", na contracapa, versos destacados que sintetizam o fazer poético de Enzo: "Assim como o objetivo da minha poesia/não é ofender, e sim registrar./Nem que seja registrar/uma ofensa". Sem outra preocupação que não seja registrar o que vê e pensa, "Cura" constrói-se:

Dos nossos uivos

Essa história de imaginar
que as coisas
poderiam ser piores
nos aproxima do Nada
Todo-Misericordioso
e nos impede de adentrar
nas noturnas florestas da Cura.


O livro é divido em três partes. Gostei muito das duas primeiras, "cenários místicos" e "a morte", e não tanto da terceira, "o reencontro". Não sei dizer porquê, creio que questão de gosto, sem outra explicação mais racional. Ou talvez a temática desses últimos poemas - mais passionais - não tenha me agradado tanto como os primeiros. Sei lá.
O que eu gostei bastante nesse "Cura" - algo que fica ainda mais forte em "Conto de Facas" - é a linguagem tensa dos poemas: os significados-óbvios são desgastados, clichês são virados do avesso. Por meio de jogos de palavras e e metáforas violentas, o leitor leva alguns tapas (ou facadas). Dois exemplos disso seguem abaixo:


SÁBADO EM SÃO PAULO

Praça da Liberdade:

comida boa
e baratas.

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CONFEITARIA


Devo esperar.

Abro a janela do sotão
na madrugada
e entendo que fugas rocambolescas
pelo telhado
irão sempre me deixar
na porta de casa

onde mamãe me espera com beijinhos
e papai com briga
deiros.

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E eu tô falando do "Cura", e deixei o outro livro de lado. E aliás, gostei mais desse "Conto de Facas" do que de seu antecessor. Nesse livro, o que eu tanto gostei, esse trabalho com a linguagem, é ainda mais marcante, ou seja, ainda mais violenta e tensa a linguagem em que o poeta desfia seus afiados "contos". O sumário já dá uma boa ideia disso: "O gasto de botas", "Vinte mil éguas submarinas", "Des","Cinzarela" e "A falta mágica". O que Potel apresenta é bem o que o título sugere: a desconstrução dos contos de fadas cotidianos: a família de vidro, amores frágeis. Ora imagens bonitas, fotografias da infância (como esse "Conhecer"), ora um misto de simplicidade, perversidade, mediocridade e tantas outras -dades que o homem consegue revelar e revelar no decorrer de sua existência ("A falta mágica"). Curioso nesse livro também é seu prefácio, escrito pela mãe (!!) do poeta. E escrito muitíssimo bem, é preciso dizer.
Agradeço pelas leituras, e recomendo esses dois livros!
Acho que o melhor jeito de apresentar o livro é mostrar um trecho, por isso, pra fechar, eis um dos poemas de que mais gostei no "Conto de facas":

A GALINHA DOS OVOS

Eu já choquei muita coisa.
Já choquei minha mãe.
Não choquei meu pai. Olhei para minha
cloaca, abismado: ele não?
Já choquei uma professora de biologia.
Um advogado com sua pasta de dente.
Já choquei um negro bailarino homofóbico.
Choquei chefs de cozinha. Choquei até
uma prostituta.

No aposento das gafes, vontades e disparates,
não paro de chocar.
E sei de cada ovo a claridade que
desaprisionou gemidos.
E sei que os ovos arregalaram os olhos
e levantam o dedo
e engasgam com o nó da garganta.

porque o vislumbre da verdade
é também uma pena de morte.

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Irreverências Bibliográficas: Os dois livros de Potel, Cura (2007) e Conto de Facas (2010) foram publicados pela editora Nova Letra, lá de Blumenau.

1 de agosto de 2010

carta pra ti é uma coisa engraçada, porque o cotidiano, nossos pequenos safáris diários, reservamos pra fala, esse intervalo entre respiração e beijo que tanto gostamos de curtir e assim na hora da carta me vêm à mente coisas esdrúxulas, que porsissó não explicariam remeter uma carta que nada mais é do que meter e meter de novo palavras no papel, e aguardar cheio de ansiedade, pra ver se as palavras não se perderam ou trocaram de lugar enquanto transitavam entre as agências. mas onde eu estava? Ah, sim, eu dizia que por reservar assuntos pra isso, esses pros e-mails, esses pra quando se está bêbada ou sem fôlego, ou aquele pra quando o assunto faltar, me senti sem base pra escrever, sem um mote, e foi bom porque desmotevado a cabeça fica limpa de tudo (repare que os assuntos da vida são sujos) e assim deixar o inconsciente dizer alguma coisa, e meu inconsciente tem um jeito de criança doida, por isso eu pensei em abrir essa carta já te dizendo "beijo na boca", "viva la revolución!" ou com um verso d'uma cantiga popular qualquer só pra tentar imaginar o que vc iria pensar, o teu consciente e o teu inconsciente que, diferente da minha criança doida, deve ser um velho lógico e safado, mas não vou longe nisso, que é capaz de vc escrever duas cartas, uma pra responder essa aqui toda, e outra só pra responder aquela frase, pois sei bem que você gosta de colher uns narcisos no campo das nossas savanas. Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, na tua casa, até semana passada, pois agora mudamos a geografia - algo que não mudará a paisagem (Este será nosso primeiro paradoxo, dará até pra se orgulhar e inclusive botar no nosso álbum de divórcio.) E como eu dizia, por dúvida de assunto e espaço para o inconsciente, acabei pensando muito e o que saiu foi somente esta carta metalinguística (repare como uma carta óbvia diria mais coisas, ou seja, a sinceridade/originalidade monta na burrice e sai num gostoso trote)E eu acho que vai ficar por isso mesmo, até segunda ordem da criança doida. aguardo tua resposta e essa carta vai sem assinatura pois sinto que meti e remeti meu nome várias vezes ao longo dela. creio ser desnecessário dizer (e por isso que vou dizer) que essa epístola está carregada da minha sinceridade; se nada disse de jornalístico é porque de bula não tenho nada mesmo, e você sabe que não minto, porque a mentira tem a perninha curta e magra, e bem sabe que isso não faz o meu tipo, acho que bunda firme e perna grossa é fundamental. Espero, ainda, que vc tenha cumprido o pedido que fiz na parte exterior do envelope para agitar bem antes de abrir a carta. E se, por acaso ou descaso, não o fez, não tem problema. Não seria a primeira vez.

31 de julho de 2010

vândalo do semi-sonho,
já foge rumo ao sul
o desgraçado pássaro
que riscou
de súbito
o nosso azul

23 de julho de 2010

sobre perder livros

eu acho uma coisa desagradável, sabe? e olha que eu perco bastante.
digo assim, meio duvidando, pois mais de uma vez, em resposta a um choro meu, amigos-leitores recomendaram-me não ficar chateado, e tentar olhar as coisas de outra forma. afinal, se você perdeu um livro, é certo que alguém achará. e assim, o livro não se perde, muito pelo contrário, vai se multiplicando por aí. minha razão está aqui do meu lado e mandou que eu escrevesse que isso é muito bonito e faz sentido. porém, há uma coisinha aqui em mim (não sei onde fica, uns dizem coração, mas acho que é por preguiça) que é bem cética e egoísta: diz a tal parte que esse papo aí de leituras flutuantes, de passe-adiante-um-livro, é muito bonito, dá uma baita campanha, mas longe daqui, pois essa parte tem uma raiva danada de perder livros. enquanto razão e não-razão (nome temporário para a dita parte do meu pensamento) discutem aqui, vou lembrar uns causos envolvendo perdas de livros. pois dia desses perdi um livro. Aldabra: a tartaruga que amava shakespeare, um romance. era presente da daia, e fazia poucos dias que eu havia recebido como presente no dia dos namorados. só perdi o livro, pois a namorada, conhecendo-me, perdoou tal falha. vai que daí fui atrás de tudo que é lugar atrás do livro. várias autarquias (frequento-as muito, por trabalho): e lá fui em cartórios, prefeitórios, capitólios, bancórios e sindicatórios. e num cartório X, perguntei à atendente. Por acaso não havia um livro esquecido por ali? Não, moça, não é livro-registro, com balancetes e anotações escriturárias. livros normais mesmo. desses pra gente pensar um pouquinho. e ela disse, sim, e eu tava quase alçando um gozo livresco, quando ela - olhando por debaixo do balcão - disse que não era esse tal de abracadalbra. Aí eu pensei puta que. a puta tava quase parindo, mas antes disso ela mostrou-me o livro que lá estava e era.... poemas completos do fernando pessoa! e daí que era? e daí que eu tinha perdido esse livro fazia 1 ano! Nem esperava encontrá-lo mais. Depois de um papinho burocrático, normal para o lugar, consegui reaver o fernandinho. e eu podia contar a história do dia em perdi "Solte os cachorros", da adélia prado. E de como encontrei ele, tempos depois, na agência dos correios. Poderia contar de como sumiu o meu "veronica decide morrer", mas esse é do paulo coelho, e como a maioria dos meus amigos detesta-o, não vou investigar muito a morte da veronica. ah, eu acho que não falei, mas a explicação pra perder tanto livro é que além de levar livro pratudoquélado, eu sou muito, mas muito esquecido. se fosse religioso, deveria orar todo dia pra são longuinho por ter conseguido reaver o "tempo consequente", livro de poemas de um poeta piauiense (difícil de achar que olha!) que peguei da biblioteca e esqueci no balcão do banco, por um bom tempo, sem que alguém tivesse levado. A tal parte do meu pensamento, a não-apresentada parte, voltou aqui pra pitaquear: segundo ela, só não levaram porque era poesia, e vinda lá de um poeta desconhecido. se fosse 'tamanho 44 não é gorda' ou 'crepúsculo' certamente alguém teria levado. aí é outra história. e vou parar de ficar lembrando desses achados e perdidos, que já falei muito e essa crônica pouco disse. a razão, fundada no bom senso, está aqui relembrando outro caso: Crime e Castigo, do Dostô. Já falei sobre isso noutro blog, lembro bem. Ouviu, razão? Não vou me repetir. Essa crônica tem que acabar.

RAZÃO: pode acabar, é até recomendado, rapaz. mas antes deixe claro a quem resistiu e chegou até a presente linha do texto, que você - passada a raiva -ficou contente ao pensar no possível destino do romance russo que deixou naquele ônibus centro-
univille.

NÃO-RAZÃO: Seja sincero. Você ficou é com uma puta raiva e praguejou contra o maldito que achou o livro tão querido. E digo mais! Você ficou imaginando os destinos do volumoso russinho. Claro, na certa numa hora dessas está servindo de apoio pra mesa da cozinha da dona maria, que antes mancava, e agora tá que uma beleza, reparou vizinha? Ou então.. lembra aquela porta que batia na casa da seu onofre? sim, aquela da sala de estar, que batia fazendo um barulhão e chacoalhava o retrato de sua santa mãezinha. pois é, dostoiévski e sua escrita firme agora seguram a porta de jacarandá. fala sério, não era nisso que você pensava?

EDUARDO: recuso-me a manifestar-se mais em tão ignóbil crônica, que tá parecendo um monológo narcisista, banhado por reflexões "metatísicas"

ABER-RAZÃO (novo nome que acabei de dar para ela): bicha! não digo mais nada.

Razão: isso aí, meu rapaz, dê-me ouvidos. é preciso ser paciente com as faltas, e tomar mais cuidado com as suas coisas. coloque uma moral ao fim desse texto, uma frase de efeito ou um grande FIM mesmo, que ninguém vai reparar nas falhas. Ou então, pergunte a quem lê, se já perdeu um livro. que diga qual foi e se ficou com raiva. ou se foi racional e aceitou o ocorrido.

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pois então, diga-me, que estou curioso FIM, você por acaso já perdeu um FIM?
FIM FIM FIM e que livro era esse? sentiu FIM ou raiva? FIMFIMFIM.


PS desnecessário(como é todo PS):

E a aldabra, a tal tartaruga que fugiu com o shakespeare? Achastes?
Devem estar se amando nas mãos de um filho da, digo, de um bom leitor que dele cuidará. tenho certeza.

17 de julho de 2010

dois

O homem estava caminhando pelas ruas do centro, na volta do trabalho, trazendo um pouco da porra da fábrica sob a forma de fuligem no uniforme. Decidiu entrar num sebo, cuja placa lhe chamou a atenção enquanto ele brincava de chutar pequenas pedras. Era a primeira vez que ele entrava na loja, mas não demorou a encontrar o setor onde, lado a lado, uma fileira de deliciosas putas safadas o aguardavam. Em seu desejo, atrizes, cantoras ou modelos passam a fazer parte de um mesmo grupo de mulheres cuja história e se nome se apagam, só sobrando peitos, bucetas e bundas. Selecionando alguma vagabunda para levar para casa, o homem era um dos três clientes do sebo, cuidado por aquela moça ali, de cabelos presos e óculos, atrás do balcão, lendo um livro de poemas.
Os outros dois clientes vasculhavam como ratos o setor de literatura, e foi para eles que o homem ficou olhando após definir sua compra. olhou para eles, olhou para as estantes cheias de livros, olhou pra loira safada em sua mão e, subitamente lhe ocorreu a ideia de que comprar uma revista de mulher pelada era vergonhoso. Difícil entender como um pensamento desse lhe ocorreu, logo ele que viu tanta revista desse tipo na adolescência, logo ele que assiste filme pornográfico toda sexta à noite, que é quando aquela sua coisa velha e feia sai para um encontro de amigas, logo ele que vive falando de mulher com os amigos, de comer mulher, e de como deve ser safada na cama a Erilene, a chefe do setor. Definitivamente, difícil saber como essa ideia pudica lhe ocorreu. Há coisas que nem o mais onisciente dos narradores sabem. Talvez deve ter lhe influenciado o fato de reparar na atendente - uma moça simples e bonita, com cara de educada, que provavelmente deve sentir nojo de homens como ele fedidos, barbudos e tarados. Talvez. Certo é que foi lá na estante de poesia, olhou olhou olhou, leu um monte de títulos estranhos e pegou um desses livros gays. Tentou fazer uma cara de quem gosta de ler poesia e dirigiu-se ao caixa.
- Boa tarde, disse a moça.
(Olhou pro cabelo preso, reparou que por trás dos óculos havia dois bonitos olhos castanhos e voltou a pensar sobre sua aparência baixa e nojenta e sentiu vergonha por estar diante desta)
- Boa tarde, moça
(sentiu o forte cheiro de suor e perseguiu, por alguns segundos, uma gota que saiu correndo da testa e se escondeu no meio da barba. tentou vasculhar a barba, mas chegou à conclusão que era inútil continuar a busca e por fim olhou para o que ele deixou no balcão)
- A revista é 2. O livro é 10.
(titubeou, pois não seria uma bicha do caralho filho da puta de um poeta que iria lhe fazer gastar 10 reais. não sabia que era tão caro. queria saber se só o tal do rilke era caro ou eram todas bichinhas caras, esses poetas. decidiu que iria trocar de livro, mas decidiu tarde pois)
- 10 reais??
(pensou no quão curioso é um homem que lê poesia e e revistas pornográficas. talvez iria levar o livro pra outra pessoa. ou a revista. sentiu-se atraída por seu aspecto bruto. gostava de cheiro de homem suado. e bonito, o homem. sim, bonitão.)
- Sim, este é. Mas farei um desconto. Você pode levar a revista e o livro por 10 reais.
(continuou titubeando, internamente se xingando, pois só um burro compraria algo que não iria ler de jeito nenhum só para disfarçar sua enorme vontade de ver uma buceta nova para a coleção dos seus olhos. Aquilo não fazia sentido, mas agora não podia devolver o livro, pois a moça não desgrudava seus olhos dele, provavelmente esperando o dinheiro.)
- Está bom. - tira uma nota de 10 reais do bolso.
(por um momento pequeno - como calcular? - uma imagem rápida e louca, um recorte com jeito de sonho atravessou suas ideias, e enquanto ela estendia a mão para pegar
a nota ela vislumbrou em sua cabeça a sua imagem na cama, de quatro, com o homem de uniforme azul fodendo-a ritmadamente, tão safado e bem-feito, e nessa imagem o homem se chamava gregório de matos, sim, o homem era gregório, o poeta, o caldeireiro da fábrica, e ela uma mulher qualquer da Bahia colonial, e não a sempre educada e estudiosa Ângela, ajudante do sebo pertencente ao pai doente e severo. mas essa imagem passou rapidamente, quebrada pela táctil sensação de uma nota suja e áspera nas suas mãos brancas)
- Certinho, obrigado.
E ela sorriu, sorriso mecânico, dado diariamente umas 20 vezes, mas que por dentro escondia um desejo desregrado, um relógio com um ponteiro desesperado ou uma máquina de lavar chacoalhando-se e provocando rachaduras no piso da lavanderia.E ele fez um aceno de cabeça, como quem diz obrigado, mas por dentro voltava a maldizer-se pela grande besteira. Afinal, não ia voltar mais nesse lugar e muito menos iria sentar no sofá de sua casa para ler o livro estranho. Dobrou a revista e colocou-a no bolso da calça. Chegou à calçada,retomando seu habitual trajeto, reparou no céu que logo iria chover, abriu o livro numa página qualquer e, sem refletir sobre o lido, leu que de repente é tudo apenas chama, chutou mais duas pedras e dobrou a esquina.

10 de julho de 2010

boa noite, cinderela

Oh,
e quem poderia imaginar
que no meio da valsa louca
feito do pó de negras pilastras
e de galhos relvosos
os pés dele
do jovem princípe
oh, os raivosos
e bêbados pés
iriam enforcar
teu passo
frágil
e com
o seu peso
fariam soar dentro
de tua carne não-vivida
doze badaladas
na forma de finos
cacos de vidro,
céus
e domos
quem poderia
?

3 de julho de 2010

horas-vagas
é sobre nosso descanso
que o mar trabalha

29 de junho de 2010

pássaro de pedra

oh, por favor, não me pert'urbe:

não me venha falar de taxas e leis
e prédios, tédios, remédios
ou sobre o futuro da cidade

O futuro, meu caro, está fora do muro
que nada tem que ver com
obras trepadeiras
amarrando a cidade
pru'ma criança ligar os pontos no mapa escolar

oh, por favor, não me venha trazer in-cômodos:
deles já estou repleto.
salas, ginásios, boates, cafeterias:
salas de morrer e esperar, de dançar e ler

Oh, não me venha
Oi, não me venda
Ay, minha senha

Sem essa de apresentar projetos ordinários
como se você não tivesse aprendido
isso tudo na escola do barro:
lesmas formigas e vespas

Ih, o papo é cimento?
Ah, o debate é sobre a cidade?
Hum, é seminário, é editorial?
Oh, não, por favor não me chame

já dobrei tantas esquinas
que fiz da cidade um
origami

27 de junho de 2010

O cavalinho azul

a partir de uma peça de Maria Clara Machado

o menino desenhou na janela de papel
um
céu,
embriagado de anil
que
choveu choveu choveu

tempo,
seco por sonhos
pisado
pelo trote das pessoas
que correm correm correm
nas sete raias
da semana

correm da chuva que escorre
do céu salivando na boca do sonho

do tempo que morre
das coisas que não quebram:
tranças carne lágrimas

e o menino?
onde entra nisso tudo?

O menino está fora do tudo
foi viver a janela
e beber azul
nas asas do cavalo

26 de junho de 2010

Suicídio

O escritor estava com o conto na cabeça há duas semanas.
Frio e sucinto como uma barra de ferro, o conto deslizava na cabeça do escritor.
Passou dias trancado em seu quarto. ele e o conto.
O conto precisava sair, era sua vida!
E nesse misto de trabalho e angústia, madrugadas e cafés consumiam-se.
E o conto se alterando, a mão tremendo, a obra-prima, o sonho primeiro e último.
E o conto sempre apontado, quase saindo, na cabeça.
Um dia, não aguentou mais aquele conto apontado pra cabeça. Atirou-o rapido e livramente no jornal.
Tinha apenas 24 anos, o escritor:
Mil reticências para o pobre!

20 de junho de 2010

no dia em que a cidade acordou atrasada
levantou-se num sobre-assalto, reclamou do tempo lá fora
guinchou pro relógio
buzinou pro vizinho
aos tropeços, calçou-se com botas de cimento
e vestiu um trajeto qualquer,
o primeiro trapo que encontrou a caminho do rio
onde mijou
sem lavar as mãos
enquanto pensava
que desculpa daria a seu terrível prefeito

13 de junho de 2010

você vem ladrilhando as mãos como se fosse uma gata a arranhar as paredes da cozinha que construímos com falsos esforços e muitos reais para que tivéssemos uma casa aconchegante em que os seus pais os vizinhos os filhos da puta dos meus irmãos enfim em que todos esses forasteiros pudessem elogiar a brancura e candura da decoração e toda a verdura das frutas plásticas sobre a mesa em que um dia ou melhor naquele dia nupcial nós trepamos como macacos porque é o que somos desde muito tempo desde os anos pré-históricos em que eu te olhava de esguelha no curso de catequese e tuas pernas eram brancas e gordas e quando penso naquele tempo me sinto pedófilo porque sinto desejo pela criança que você foi segurando o terço todo sábado pela manhã pois à tarde tinha cinema e até hoje sonho com aquele assassino do filme a cortar a cabeça em vários pedaços mas tudo muito bem feito pois o projeto é do arquiteto amigo meu que não é seu pois você sempre disse que ele é um safado e deve ser pois gosto dele tanto quanto chocolate branco como o céu de nossa adolescência na qual bebíamos poesia debaixo da janela em quem agora estou fingindo que olho pra alguem que passa nessa merda de rua colonial em que construímos pois no fundo sei que você vem como uma louca me explicar com galhos braços num florescer premeditadíssimo pois se não somos um casal burguês nem servil o que somos nesses tempos medievais e cibernéticos me diga nesses arranhões de unhas de giz me diga quem somos talvez o clero como nossos pais como meu pai que morreu de arteriosclerose ou você que sempre achei esclerosada por isso me casei com você e por isso construí essa casinha no interior com permissão do grande rei seu pai naquele dia quente dos meus vinte anos e duas mãos suadas a apertar a mão única do seu pai coitado perdeu de diabetes e alguém entrou na contramão na mão inglesa da tua mãe com cara de faxineira indiana nada ver com a caçadora diana que você parece nessas noites mosquiteiras e toscas de diamantina em que fixo os olhos na janela como se pensasse na vida que não é pensável nem táctil como teu coração de pedra que tempera o caldo delicioso que você fez um dia e nunca mais lembrou de pagar a conta da luz pois agora moramos sozinhos como duas crianças que tem uma casa inteira pra fazer arte puxar o gato pelo rabo e que belo rabo tem a vizinha pena que a cara é feia e ela é rezadeira talvez passe como passou com você que antes fazia catequese e sabia de cor e cheiro todas as tabuadas e rezas e capitais dos países do mundo que agora se resume à essa casa apagada no meio de minas e não há uma luz acesa pois esqueci de pagar a conta e o isqueiro está lá no mal criado do seu irmão mudo e deixa lá porque nem vela temos e eu olho pra janela e há tantos mosquitos e não posso me mover pois preciso fingir que nada espero dessa noite em que você vem ladrilhando

1 de maio de 2010

Felicidade

Tudo preto. Ô, meu Deus! Será que esse troço estragou? Não, não. A tela negra dura pouco. Logo surgem luzes exageradas, vindas de refletores doidos, que dançam ao som de um medonho toque de corneta - É assim que se inicia o programa "Teu Sonho agora é nosso!". Apesar da edição semanal, em todo programa o apresentador entra no palco e, equilibrando-se entre as luzes frenéticas (que param, depois de um longo sorriso plástico dele), dá a explicação - sempre o mesmo roteiro - sobre o título do programa - "A rede Felicity de produções, junto com seus honrosos parceiros, realiza mais uma vez um sonho brasileiro. Não importa em que canto do país ele esteja: A Rede Felicity vai caçar o sonho para realizá-lo. Para isso, basta enviar uma carta para a nossa produção [nessa parte, às vezes, não sei por quê, o apresentador se atrapalha, sai do roteiro e utiliza a expressão"linha de produção"] contando o seu desejo - tem que ser um desejo honesto, hein!, ele acrescenta - Além, é claro, de enviar a seguinte pergunta com sua resposta correta: Quem traz a alegria a todos os momentos do meu dia?" - Quando termina essa apresentação, começa a brilhar, ao fundo do cenário colorido, o letreiro FELICITY.
O terno do homem tá meio manchado, tá não? Não, não. Apenas a tela que deu uma leve pifada. Para voltar a imagem ao normal, um tapa no lateral do televisor basta.
- Jusué! Bate na Tv, meu filho!
E lá vai o pequeno descer do sofá para acertar o aparelho com um tapa. Feito isso, volta ao sofá onde também está Rosa, a mais nova, que não desgruda o olho da TV.
- Mas é muita carta, meu Deus!
E são mesmo. Uma pilha imensa. A própria Cleusa constata isso. Deixa, por um momento, a vítrea pilha de louça para se embriagar naquela branca pilha de papéis
-Jisuis, que seja! É hoje que meu envelope cai na mão do hômi!
E Cleusa, a mãe, dona de casa por sina e profissão, senta-se no sofá surrado ao lado das duas crianças.
Faz mais de um minuto que as moças loiras mexem e remexem naquela pilha de cartas. Jogam pra cima, e ficam olhando elas cairem com cara de besta. Qual a graça disso? O que dá é apreensão: Cleusa, Jusué e Rosa estão grudados no sofá, só aguardando.
Enquanto isso, um deles pede café. Cleusa não escuta. O outro fala alguma coisa sobre dinheiro.
Hã? Dinheiro?
- Mãe, você pediu novamente aquele valor em dinheiro? Pra quê?
- Hã?
- É, mãe, se nós ganharmos o dinheiro... vamos comprar o quê?
- Ah.. Ah.. é pra uma casa né. Chega desse pardieiro, esse barraco cheio de goteiras. Olha essa cozinha, que nojo! - e aponta para o chão encharcado.
- E uma estátua? A gente compra?
- Que é isso muleque! eu, hein. Vocês pensam em cada coisa.
Coisa, mas que coisa demorada. Ó! Atenção que o apresentador pegou, enfim, uma carta.
Sempre com seu sorriso plástico, o apresentador apanha uma das cartas flutuantes. Tambores rufam em algum lugar: em algum botão. A câmera focaliza-se no rosto do apresentador: risonho ele mostra o envelope como se fosse um troféu. Começa a abrí-lo... e..e.. e o sonho agora é...
- NOSSO! Gritam com contida exaltação, as loiras.
Coisa estranha.
- O que é estranho, muleque? - pergunta Cleusa, com o pano de prato nas mãos, sem desgrudar os olhos do televisor.
- Por que o nosso sonho é das meninas loiras? Será que elas ganham também?
Cleuza não responde. Rosa está muda. Estão concentradas, pois o apresentador, lentamente, abriu a carta e sacou uma folha com linhas
- É o meu caderno, mãe! a folha é do meu caderno, mãe! nós ganhamos! Nós ganhamos! - grita a pequena Rosa desafinada e magramente.
- Sossega, menina! Pode nem ser. Todo mundo deve mandar a resposta e o sonho em folha de caderno, não é?
Éééééé, pessoal! Minutos de apreensão. Acabei de entregar o cartão resposta pro nosso auditor e ele está avaliando. É só ele dar o ok e vou dizer quem é o felizardo!
- Que é felizardo, mãe? - diz Jusué
- Mas, peraí, felizardo é homem. Felizarda é que é mulher - diz Rosa, pensativa
- Espera, espera! - esbraveja, ansiosa, Cleusa.
E os segundos parecem minutos, minha gente! Opa! Mas peraí!
O apresentador bota a mão sobre o ouvido, a escutar seu ponto eletrônico. Logo a cena é cortada para outra, que mostra o auditor, de terno e gravata, com o dedo polegar para baixo, trazendo uma tristeza alegre para o estúdio-coliseu da rede Felicity de produções. Rapidamente, o apresentador remonta seu sorriso e pede para sa moças loiras jogarem novas cartas. Enquanto isso, avisa - Pois é, pessoal, infelizmente uma resposta errada. Mas não tem problema, sabem por quê? por que, meninas? Por que seu sonho ééééé.....
- NOSSO!
E com um gesto alegre e agitado, o apresentador pega nova carta.
- Outra carta?
- É, seu besta, a outra tava com resposta errada!
- Mãe, olha a Rosa me chamando de besta!
E a Cleusa calada. Inerte como as cartas no chão do estúdio.
- Ah, cala a boca, seu chato. Ô mãe, ô mãe, acho que nem era minha aquela folha, né? Foi só impressão. Agora que é, ó!
Carta aberta. Polegar do auditor pra cima. Palmas que pipocam nas mãos das loiras.
- Parabéns, José Geraldo do Carmo! Você, amigo, que pediu um caminhão para melhorar seu trabalho aí na sua fazenda, em Montes Claros, Minas Gerais, parabéns!
Agora um toque de cornetas. Mais luzes. Mais sorrisos loiros.
- Rá, que chato! Minas Gerais. Muito longe daqui.
- Ah – Jusué ficou triste.
Cleusa não. Levantou alegre da tv e foi pro fogão esquentar um café. Aliás, que é isso? Uma goteira caindo bem dentro do bule!
- Ô, diacho!
Cleusa do sofá olhava para os dois pequenos. Um dia a carta dela seria sorteada. Ia mudar de vida. Os dois pequenos, tão engraçados.
- A capital de Minas Gerais é Belo Horizonte, sabia?
- Grande coisa! – Jusué ficou bem chateado com o não-sorteio.
Cleusa não; tranquila. Essa manha, essa birra das crianças. Não estão acostumadas a perder. Mas um dia – ela sente – sua carta vai ser premiada. Ela vai continuar mandando, toda semana. Abriu o armário atrás de três copos. Um de vidro e dois de plástico. Pôs na mesa. Olhou de novo para os dois filhos. Na Tv, o programa já havia acabado para dar lugar à novela das 7. Ora, quem traz a alegria para todos os meus dias? Meus filhos, é claro! Uma lembrança tão simples e boba a fez sorrir.
E, sorrindo, chamou os pequenos para tomarem café.
se você
com olhar perdiz:
"a vida é tão bela..."
alguém há de suspirar e perdizer em sua resposta
"tens razão!"

e se você, com cuspe seco na boca,
espoletear
dizendo que a vida é um show de horrores
alguém há de pisar no teu cuspe em sua resposta
"puta de uma verdade!"

e se você, filosofarto,
mandar à vida à merda ou a morte
se você chupá-la com ansiedade
ou se você picá-la em cubos ou dias
não importa,

tanto faz os ses
tanto fazem os seres
(tanto fazem para tanto faz)
tantos tentos para nada,
tontos tentam para tudo

sempre alguém há de concordar contigo,
sempre alguém há de discordar contíguo
vida-morte, vida-sorte

e tudo é assim porque ninguém sabe nada.

21 de abril de 2010

Irmão,

se não tens gozado
nesse teu estado
suicídio-sem-morrer
então,
farol.

Se te espantam algumas palavras,
enuveie isso, meu irmão,
cada palavra é ostra sonolenta
caracol em fúria:
cada palavra é seu próprio desenho
E de suas sombras,
nascem outras tantas

Tu que se assustas com as sombras,
ondeie tudo isso,
que a escritura, a singradura,
elas tem pesos e fendas
lemeie tudo isso
e verás que elas, as palavras,
assim se fizeram para chocarem-se contra as pedras.
E se ainda te assustarem,
a doçura e a dureza
da navegação e da escrita,
então,
nó.

Tu, porto apagado
Tu, pirata que a espuma faz dançar
Tu, que se esconde no ângulo torto
que é teu corpo ereto contra o horizonte
Tu, que é tão áspero, tão térreo,
Se tens um convite de água e voz, se tens um canto que nada te promete,
Se surge a promessa de descaminho, destrilho, afogamento-pra-morrer,
então,
cais.

28 de março de 2010

O livro é uma falsa-enfinge:
você o decifra
e mesmo assim
ele te devora

14 de março de 2010

O empregadinho

Hoje é Segunda
touro, que touro?
Acabou-se o mundo!

13 de março de 2010

das caraminholas e invencionices

Devagar se vai ao longe?
-- Balela.
Divagar.
Divagar, aí sim,
se vai ao longe.

6 de março de 2010

Uma guitarra

Oh guitarra!
Corazón malherido por cinco espadas.

Federico Garcia Lorca


Arranhão sonoro e noturno
que ultrapassa países e palavras
e faz com que,
homens iguaizinhos na carne e na sombra
sintam-se debruçados uns sobre os outros

16 de fevereiro de 2010

Joinville

I

CONTO DE FADAS HISTÓRICO

E houve um príncipe. E uma princesa. E um palácio senhorial.
Na varanda,
uma alameda bela e correta como o curso da história.
Mas o príncipe e a princesa nunca vieram honrar o palácio.
Restaram as palmeiras, firmes e valiosas
como as transações amorosas.
Agora, o crack, o comércio e o asfalto.
Agora, o museu, o turismo e o estacionamento rotativo.
Agora, um mendigo, caído sob uma das palmeiras
parece o último conviva a brindar,
na festa de saudação ao par real que veio dormir em Joinville.

II

MIRANTE

Vamos até o topo
contemplar a dança dos peixes de luz
dos postes, lâmpadas e sirenes
farei um buquê,
um feixe de luz,
e tu sentirás a cidade debatendo-se nas mãos

III

CACHOEIRA

Aqui o jogo é diferente:
nada de procurar os reflexos no espelho d'água
Nesse ex-riacho
os amantes se debruçam para imaginar seus reflexos, lá dentro,
dançando no profundo lodo das sombras

IV

MUSEU DAS BICICLETAS

Foi aqui, papai,
que o caminhão esmagou aquele moço,
olha ali as marcas de sangue fazendo a curva!

V

ENTREVISTA COM UM ANTIGO PESCADOR

-- O que o Senhor faz quando pensa na antiga cidade, comparando-a com a atual? Tomemos o rio, como exemplo. O que o Senhor faz quando hoje vê ele poluído?
-- Eu? Rio.



VI

CINE PALÁCIO ou IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

Demoliram o cinema da minha infância e
sobre ele,
ergueram um templo ao excelentíssimo Senhor.
E agora, todas as tardes e noites,
o pastor repete exaustivamente a mesma fita às novas, íntegras e santas crianças.

VII

POR FAVOR NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS

As crianças vieram esperneando no banco de trás por todo o retorno à casa.
Pois o pai, íntegro, cumpridor das regras,
não teve pena, distraiu-se no zoobotânico, concentrou-se nas araras e peixes,
ignorando seus pequenos macaquinhos aflitos por coca-cola.

VIII

FESTA DAS FLORES

As senhoras, as bancas de flores, as banquinhas de doces, as bandinhas,
sempre tudo muito organizado e bonito,
aguardando o retorno do querido presidente Rodrigues Alves.


IX

CARTEIRA DE IDENTIDADE

da Dança, Manchester catarinense, das flores, das bicicletas, dos príncipes
Cidade de tantas alcunhas,
será por isso que teu nome pouco diz quando reverbera nos outros cantos do país?

X

SOL E CHUVA SOL E CHUVA SOL E CHUVA

Sempre é dia de casamento de viúva em Joinville

XI

CALÇADÃO

Vendedores te oferecem produtos como se te apontassem armas
Senhoras loucas recitam versos bíblicos como se te apontassem armas
As pessoas correm como se fugissem,
Calor e carros de som
outdoors e crianças chorosas
pernas & pernas
rostos & rostos
cada olhar frio e vago é como um muro,
as travessas e os ladrilhos são labirintos
para ao final, abrir a porta da casa,
entrar, despir a cidade,
e cair sob a cama
fuzilado

XII

DESENVOLVIMENTO

Joinville, Tu és a glória dos teus fundadores
Joinville, És monumento aos teus colonizadores
Brincas de estatua?
São seis da tarde, e no congestionamento da história,
entre motores com mil e tantos cavalos,
te sorri, do poente,
um carro de boi com teus fundadores.

XIII

BOCA DE LOBO

Todo mundo assustado com a água subindo,
ninguém viu Doralice, a boneca de pano,
ser engolida pelo chão.

Ou foi pelo céu?

XIV

CÂMARA DE VEREADORES

Um a um, os senhores foram entrando no plenário de forma cordial
No cabide, à entrada, depositaram seus assessores e seus guarda-chuvas
Acomodaram-se, cumprimentaram-se. Cumprimentos tanto para os vizinhos de mesa, como aos opositores. Canetas e folhas dispostas como manda a etiqueta. O presidente ergueu-se para iniciar a sessão. Fez o discurso. Elevou a voz, enquanto os demais analisavam a pauta, imaginando seus pedidos. Então, findo o discurso, sentaram-se e todos começaram a cear.

XV

CARNÊ DE IPTU

A prefeitura agradece a você, cidadão, por pagar seus impostos em dia. É graças a você que a cidade se torna cada vez mais feliz e próspera e a prefeitura agradece a você cidadão por pagar seus impostos em dia. É garças a você que o rio se torna cada vez mais feliz e próspero e a empresa agradece e está cada vez mais feliz e próspera
E, graças a você a cidade se torna um cidadão, e agradece pelos impostos.É graças aos seus dias, que á cidade está mais próspera. Feliz você cidadão que se torna cada vez menos, e a prefeitura agradece aos seus impostos à cada dia, mais feliz e próspera e você, os impostos, impostos, a prefeitura agradece pois é graça a vocês, impostos e a prefeitura

XVI

PÓRTICO

E sejam bem-vindos à saída de nossa cidade

9 de fevereiro de 2010

Bilhete para uma única interpretação

Eu vi uma velha na rua, ontem
"E daí que você viu uma velha na rua ontem?" -- você deve estar pensando isso.
Sei lá...
Quando a vi passar, pensei que nunca mais a veria,
pois não a conheço e a cidade é grande.
E se eu a revesse, por acaso,
não lembraria dela,
e seria, novamente,
a primeira vez que eu a veria.
Mesmo retornando, ela passaria sempre apenas uma vez na minha vida.
(Sente a contradição da frase?)

Sabe, amor
eu queria que você fosse como a velha. A velha quer vi ontem, na rua.




NOTA: ô, pessoal. Deem um desconto. Esse poema faz parte da série "poemas adolescentes que desenterrei do baú para tão-somente atualizar o blog" Em breve posto coisa nova. Com mais qualidade, juro. x)

24 de janeiro de 2010

Mania de Janice

Dia sim, dia não, Janice encomendava um telegrama para o Manuel.
Manuel, homem forte, trabalhador e sóbrio.
Janice, moça discreta e silenciosa, apesar de inquieta.
E Manuel, no meio da tarde, recebia as letras da amada Janice:
* manu as coisa muda-muda etern por aki
Aí ele cismava: ficava emburrado. Como podia! Como podia ele entender aqueles troços!
E ligava pra Janice:
- ô, mulher! Que coisa é essa de E-T-E-R-N?
Do outro lado, Janice pensava na eternidade enquanto secava a louça e escolhia as palavras para devolver ao Manoel:
- tua voz é tão bonita. continuas tão forte como ela, manoel?
E o homem ficava com mais raiva: queria entender as letras, queria entender o porquê de Janice sempre lhe mandar os malditos telegramas, quando podia simplesmente ligar para ele.
- Mas, meu deus, Janice! Ligue pra mim. Escreva-me uma carta, que seja! Mas pare de me mandar essas palavras picadas e miúdas. Isso é loucura!
Janice, sempre serena, explicava que gostava daquilo. Manuel não entendia
- Eu não adivinho, Janice- Falava de um jeito meio chateado, fraco. Depois voltava a subir o tom da voz - E outra! pra quê repetir "muda-muda"? Ora, se é pra economizar, por que repete-se?
A isto, Janice respondia, em outras tardes quentes, com outros telegramas:
* manu mudaram nov. aprendi c vc q precisamo nos preenche
E do outro lado da tarde quente, Manuel rasgava o papel. Depois se arrependia. Ora, isso era provocação dela. Era manha. Alguma moda, só podia!
Ligou pra ela:
- Ô, Janice, amada, diga as coisas com todas as letras pra mim, Janice! Explicadas, desenhadinhas, um-mais-um, ô Janice, eu não sou adivinho pra entender essas meias-palavras!
E Janice, sossegada, ouvia Manuel ao mesmo tempo que lembrava trechos de uma música da sua infância. Era bonita, a canção. Música miúda com gosto de manhã. Coisa boa, relembrá-la, justo agora. E Janice sorria.
- Manuel, querido. É simples. Tudo está dito ali.
- Mas eu não entendo esses buraco nas frases!
- Ara, encha com alguma coisa!
Nesses momentos, Manuel julgava-a louca. Mas gostava dela, era bonita, educada, tão tranquila, tão mulher. Por isso, ainda esforçava-se para mudá-la. E sempre dizia:
- Eu não sou adivinho.
Enquanto isso, Janices, carteiros, telegramas e tardes.
* manu-manu-manu eis a tarde eis o gosto q ela tm
E o Manuel, pobre manuel, encolhia-se, afundava-se nos buracos
- Deus do céu, ela repetiu 3 vezes meu nome, ao mesmo tempo que abreviou coisas.
Aí já era demais. Começou a desconfiar da saúde mental de Janice. Ela, Janice, tão simples, com aquelas manias de ausências e inutilidades. Quanta bobagem. Largou seu trabalho (era ferreiro) e foi até a casa de Janice. Duas da tarde, com certeza, ela estaria à janela costurando. Pelo menos, era isso que Manuel imaginava, já que este era o hábito de toda moça da região. Na verdade, o que Janice sempre fazia nessa hora era ler um livro. Ou então, olhar os desenhos que a chuva e o vento faziam no quintal, após grande chuva. Ou então, olhar as pessoas passando na rua e imaginar as transformações que sofriam após virarem a esquina. Sim, menina passava por ali, sob a janela de Janice, caminhando jeitosa. Mas assim que virava a esquina, saía dançando frevo com o resto do povo. Menino sapeca passava atrás do cão. Virava a esquina e... xi! Menino virava cão, juntava-se ao amigo e saíam por aí. Casal de amigos passavam de braços dados. Vinha a esquina, e o casal se atracava com toda a força contra os postes ou então apoiados nos corpos daqueles que ficam parados ali na calçada (um policial, um mendigo, uma senhora distraída), sem nada a fazer. Janice imaginava e via tais transformações. Eram essas coisas que Janice fazia ali pelas duas horas da tarde.
Mas nessa tarde, Manuel, sempre sóbrio, chegou esbaforido e nada encontrou. Casa fechada, sem Janice na janela, sem Janice na soleira. sem Janice no jardim. dentro dele bateu uma raiva. uma mania de Janice? ficou com saudade. com raiva. com preguiça. onde estaria Janice?
Janice estava nos correios. Mas isso Manuel só ficou sabendo no dia seguinte. estava trabalhando, ferreiro, ferrando-se, ferreando, quando recebeu o telegrama. Janice, mania de Janice.
Com as mãos sujas, ansiosas, pegou imaginando mil palavras, repetições e abreviaçãoes. Mil vezes a louca Janice. A miúda e simples Janice:
*Tchau.
Só isso. Tchau. Janice tinha ido embora. Casa fechada. Não adiantou o desespero e a raiva: Janice sumiu. Manuel caiu no desconsolo. Por quê? Por quê ela fazia aquilo? Por quê fez mais isso, agora? Manuel caiu em perguntas e mais perguntas feitas de ferro.
No outro dia, o último telegrama de Janice. De muito longe, o último telegrama de Janice para completar a história. Desta vez com todas as letras:
*Desentorte-se Manuel Solde-se Manuel Adivinhe-se
Manuel sentou-se. Ficou a pensar a chorar. Todas as palavras estavam ali. Ou não.