14 de novembro de 2010

dois poetas


sexta foi dia de ler dois livros da Letradágua, editora que costuma publicar o pessoal daqui da região Norte, e também do Vale do Itajaí. E publicam, entre outros gêneros, bastante poesia. Rubens da Cunha, Caco de Oliveira e Fernando José Karl são alguns exemplos. Dessa vez, a leitura foi de "Cápsula", de Paulo César Ruiz, poeta nascido em bauru/SP (?), mas que morou em Joinville e publicou alguns livros aqui; e "livro de mercúrio", do blumenauense Dennis Radünz.


---
Ruiz faleceu cedo, em 2001, sendo "Cápsula" uma obra póstuma.Talvez seja a única reunião, em livro, de seus poemas (não sei dizer). Publicou também um trabalho no jornalismo, em conjunto de outros, e "Códice", novela experimental, na qual subverte todas as regras do gênero, além de criar vários neologismos, transformando o livro num jorro de palavras, uma viagem total¹. E eu achei uma delícia a leitura desse "Cápsula". a poesia dele é breve, rápida, e repleta de humor. daí associá-lo a leminski, alice ruiz (ó o sobrenome), nelson capucho, é um pulo. mas dizer que ruiz é "um poeta marginal" ou "muito parecido com leminski" , etc , é jogar ele num balaio, apagando o que sua poesia tem de original. Porque ruiz, assim como leminski ou qualquer um dos citados acima (exceto alice, talvez) traz pra poesia muito bom humor e deboche. Mas é um deboche, um gracejo, que só pode vir dele, do paulo césar ruiz. seus poemas falam bem melhor do que eu:

paulo césar who is
poeta de merda
o mundo sob o nariz

-
corre ambulância!
se deus não quiser
paciência

-

que chique
joguei na retranca
deu xeque


por reunir essas características, bom humor, ironia, aliadas à brevidade de seus poemas, a poesia do ruiz é ideal pra levar pra meninada, creio, a fim de despertar (preparação para emitir lugar-comum, 1, 2 3 e ...) o gosto pela poesia. falando sério, não há como não simpatizar por essa poesia. Outra característica dela é a observação do cotidiano (algo que me direciona para Caco de Oliveira, outro baita poeta atuante em Joinville). Herdada da cultura oriental, esse exercício rende poemas e tanto. às vezes, é como uma fotografia: ("deu zebra/menino de rua/à espera do penta"). Deixo um último, ideal pra exemplificar esse poeta bom pra chuchu, que observou a dor (e graça) do cotidiano como poucos. adorei o livro, entrou para os favoritos. pra fechar:

roubar a paisagem
o olhar clic rapina
turva até a neblina


---
A outra leitura é bem diferente. a poesia "despreocupada" (favor não confundir com relaxada, que o trabalho do poeta é duro sempre) dá lugar a uma poesia experimental, no qual o leitor sente que as palavras foram sendo lapidadas. opa, lapidadas não, que isso tem gosto de soneto parnasiano. ceifadas, laminadas, sei lá o que, algo assim, mais bruto. Coloco aqui dois poemas dos quais gostei muito, e daí falo um pouco da leitura.

Casas Noturnas (I)

a casa mora onde obra a noite
se nenhum rumo mais a mura
ou abre e fura a hora adentro
se a água mole a pedra aflora
e afora enfurna-se o relento

Casas Noturnas (II)
a casa acesa em cinza insone
no alheio sono dos anônimos

o cisma insano de arredores
onde os ânimos são nômades

a casa ilesa em chamas some
a ânsia: ócios: coisas: nomes

Escolhi esses dois, porque os achei do caralho. (o palavrão aqui é pra reforçar mesmo, desculpa a quem não gosta). Gostei mesmo. Do livro em geral, gostei menos. A poesia desse livro me foi muito estranha, o que é bom por um lado, já que a poesia tem que estranhar às vezes, confrontar-nos com as ideias e com a nossa língua. Mas eu sempre pendo para a poesia de ideia (retomarei essa história de poesia de ideia em futura postagem), do que esta de radünz, mais experimental, cujo cerne parece estar  na linguagem original e não tanto no mote, no tema, na ideia que se quer passar (vide poemas do ruiz, bem mais "acessíveis", digamos). Lembro-me que adorei "Exeus", livro anterior do Dennis. Mais do que este. Algumas características estão presente em ambos, como os poemas com tendência concreta, ao experimentar dispôr as palavras de forma não habitual. (na orelha, o editor e poeta j. gehlen pede para que o leitor não o veja como um poeta concretista, nem como simbolista, visto que dennis também aposta na musicalidade). Quanto à musicalidade, é nítida. vide os dois poemas acima. É um efeito muito interessante. Sinfonias noturnas, nesse caso.
Dito isso, vou-me embora que já é hora. Os dois poetas estão mais que recomendados.


PS: Eu ia falar também de "Imitação de espelho", de Ramone Abreu Amado, que tenho aqui em casa e também saiu pela mesmo editora dos 2 acima. Mas esse achei chato pra chuchu e abandonei. Quero retomar, mas fica pra outro momento. e é bom que retome mesmo, porque posso mudar de ideia quanto ao julgamento do livro, coisa que já aconteceu.

Notas inúteis:

¹ Repare que "viagem total" tem sido considerada cotidianamente, de um modo vulgar, como "besteira", "coisa tosca, sem sentido". O que é um erro. O sentido que empreguei, está claro, é o primeiro. De viagem mesmo. Viagem total de besteira não tem nada. Pelo contrário, é uma maravilha.

² "bom pra chuchu" sempre foi uma expressão brega pra mim. mas após ler "O apanhador no campo de centeio", livro de J. Salinger, cismei com a expressão-bordão do protagonista (ou pelo menos, a versão que o tradutor escolheu), o holden (adorei ele, é por isso). acho essa coisa (de as palavras entrarem e sairem de moda) algo muito legal. ainda mais porque é algo hiper-mega-ultra pessoal.

3 comentários:

ítalo puccini disse...

super pessoal, rsrs.

ótimo esse teu desenvolvimento e cruzamentos de textos e livros e afins!

abração.

Unknown disse...

Conheci o Paulo Ruiz. Foi meu namorado e grande amigo. Um cara de cabeça à frente de tudo. Lúcido de ideias. Gente boa demais. Saudade dele. Perda imensa. Ele gostava de ler Becket.

Eduardo Silveira disse...

Obrigado pela partilha