I
CONTO DE FADAS HISTÓRICO
E houve um príncipe. E uma princesa. E um palácio senhorial.
Na varanda,
uma alameda bela e correta como o curso da história.
Mas o príncipe e a princesa nunca vieram honrar o palácio.
Restaram as palmeiras, firmes e valiosas
como as transações amorosas.
Agora, o crack, o comércio e o asfalto.
Agora, o museu, o turismo e o estacionamento rotativo.
Agora, um mendigo, caído sob uma das palmeiras
parece o último conviva a brindar,
na festa de saudação ao par real que veio dormir em Joinville.
II
MIRANTE
Vamos até o topo
contemplar a dança dos peixes de luz
dos postes, lâmpadas e sirenes
farei um buquê,
um feixe de luz,
e tu sentirás a cidade debatendo-se nas mãos
III
CACHOEIRA
Aqui o jogo é diferente:
nada de procurar os reflexos no espelho d'água
Nesse ex-riacho
os amantes se debruçam para imaginar seus reflexos, lá dentro,
dançando no profundo lodo das sombras
IV
MUSEU DAS BICICLETAS
Foi aqui, papai,
que o caminhão esmagou aquele moço,
olha ali as marcas de sangue fazendo a curva!
V
ENTREVISTA COM UM ANTIGO PESCADOR
-- O que o Senhor faz quando pensa na antiga cidade, comparando-a com a atual? Tomemos o rio, como exemplo. O que o Senhor faz quando hoje vê ele poluído?
-- Eu? Rio.
VI
CINE PALÁCIO ou IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
Demoliram o cinema da minha infância e
sobre ele,
ergueram um templo ao excelentíssimo Senhor.
E agora, todas as tardes e noites,
o pastor repete exaustivamente a mesma fita às novas, íntegras e santas crianças.
VII
POR FAVOR NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS
As crianças vieram esperneando no banco de trás por todo o retorno à casa.
Pois o pai, íntegro, cumpridor das regras,
não teve pena, distraiu-se no zoobotânico, concentrou-se nas araras e peixes,
ignorando seus pequenos macaquinhos aflitos por coca-cola.
VIII
FESTA DAS FLORES
As senhoras, as bancas de flores, as banquinhas de doces, as bandinhas,
sempre tudo muito organizado e bonito,
aguardando o retorno do querido presidente Rodrigues Alves.
IX
CARTEIRA DE IDENTIDADE
da Dança, Manchester catarinense, das flores, das bicicletas, dos príncipes
Cidade de tantas alcunhas,
será por isso que teu nome pouco diz quando reverbera nos outros cantos do país?
X
SOL E CHUVA SOL E CHUVA SOL E CHUVA
Sempre é dia de casamento de viúva em Joinville
XI
CALÇADÃO
Vendedores te oferecem produtos como se te apontassem armas
Senhoras loucas recitam versos bíblicos como se te apontassem armas
As pessoas correm como se fugissem,
Calor e carros de som
outdoors e crianças chorosas
pernas & pernas
rostos & rostos
cada olhar frio e vago é como um muro,
as travessas e os ladrilhos são labirintos
para ao final, abrir a porta da casa,
entrar, despir a cidade,
e cair sob a cama
fuzilado
XII
DESENVOLVIMENTO
Joinville, Tu és a glória dos teus fundadores
Joinville, És monumento aos teus colonizadores
Brincas de estatua?
São seis da tarde, e no congestionamento da história,
entre motores com mil e tantos cavalos,
te sorri, do poente,
um carro de boi com teus fundadores.
XIII
BOCA DE LOBO
Todo mundo assustado com a água subindo,
ninguém viu Doralice, a boneca de pano,
ser engolida pelo chão.
Ou foi pelo céu?
XIV
CÂMARA DE VEREADORES
Um a um, os senhores foram entrando no plenário de forma cordial
No cabide, à entrada, depositaram seus assessores e seus guarda-chuvas
Acomodaram-se, cumprimentaram-se. Cumprimentos tanto para os vizinhos de mesa, como aos opositores. Canetas e folhas dispostas como manda a etiqueta. O presidente ergueu-se para iniciar a sessão. Fez o discurso. Elevou a voz, enquanto os demais analisavam a pauta, imaginando seus pedidos. Então, findo o discurso, sentaram-se e todos começaram a cear.
XV
CARNÊ DE IPTU
A prefeitura agradece a você, cidadão, por pagar seus impostos em dia. É graças a você que a cidade se torna cada vez mais feliz e próspera e a prefeitura agradece a você cidadão por pagar seus impostos em dia. É garças a você que o rio se torna cada vez mais feliz e próspero e a empresa agradece e está cada vez mais feliz e próspera
E, graças a você a cidade se torna um cidadão, e agradece pelos impostos.É graças aos seus dias, que á cidade está mais próspera. Feliz você cidadão que se torna cada vez menos, e a prefeitura agradece aos seus impostos à cada dia, mais feliz e próspera e você, os impostos, impostos, a prefeitura agradece pois é graça a vocês, impostos e a prefeitura
XVI
PÓRTICO
E sejam bem-vindos à saída de nossa cidade
16 de fevereiro de 2010
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3 comentários:
uau... peixes brilhantes :D
Gostei muito de "CINE PALÁCIO ou IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS" e "DESENVOLVIMENTO". ótimas!
twitter.com/jehberg
teus olhares para tua cidade são ótimos!
pergunta que me veio agora:
por que sujeito oculto para o blog ?
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