11 de março de 2012

Celacanto, peixe jovem


Celacanto, animal emblemático de nome melodioso. Explica Vânia de Campos no texto de apresentação que celacanto seria um peixe que viveu há 200 milhões de anos, com ossos e um peso semelhante a de um homem adulto. “No início deste século, na década de 20, foram encontrados alguns exemplares vivos deste peixe nas profundezas de algum mar do planeta. Estranho – ele não evoluiu. Apresentava as mesmas características que estão impressas nas enciclopédias”.
Resultado da parceria de Antônio Carlos Floriano e Bento Nascimento, ambos de Itajaí (a história desse livro pode ser conhecida aqui), Celacanto é livro de dois poetas jovens, livro de quem dá um passo a mais e atira ao mundo o que sente. Por mais ousados sejam os versos, aqui e ali despontam a insegurança e o anseio de quem vaga à procura de um lugar no mundo. Diz Floriano:

“(...)
Mesmo que saibamos
inventar palavras,
histórias trágicas
mágica paixão.
Temos o medo que não se acaba.
Somos meninos na escuridão.”

A procura é dupla: enquanto busca seu lugar no mundo, também busca um modo de cantar sua odisséia particular. Assim, bons poemas de Floriano (geralmente os curtos) convivem lado a lado com versos  dispensáveis (Não se chora por pouco/Não se pensa em brigar/Quem tanto lutou pela vida/Outra vida melhor vai achar). Falemos dos bons, dos poemas-pistas que carregam dentro de si o poeta que hoje Antonio Carlos Floriano é. 

“Não procure um sentido completo
uma verdade que exprima
a essência da vida
Você com seu jeito de colar cartazes
Nas paredes desta nossa convivência
na certa está contribuindo
para o complemento da história"

Aqui, a insegurança dá lugar a uma voz experimentada, que se dirige a um interlocutor preocupado com a essência da vida. O poema reflete uma inquietude tipicamente jovem: ser e estar no mundo é participar da História, uma inquietação ainda maior para estes cuja adolescência aconteceu na turbulenta década de 70. Mas não há guerras nem revoluções para tantos rebeldes (e isso leva, às vezes, a jovens que inventam revoluções desesperadas para ter ao que responder). Nem todos entram para a história dos grandes feitos. Cabe então, aos que ficam, manter vivo esse jeito de colar cartazes no cotidiano, nas paredes da nossa convivência.

*****

A outra metade desse peixe, Bento, também compartilha com Floriano certas angústias inerentes à juventude. Mas é menos ideológico e menos melancólico do que o parceiro. Com mais humor e sarcasmo. Pouco apegado à ideia de História, Bento versa sobre dois temas principais: as relações amorosas e a solidão. A solidão de Bento é a solidão natural, inerente, animalesca, de quem não consegue dialogar com as pessoas vazias que o cercam.

"eu sempre fui só
mesmo quando a sala estava cheia
e existiam mais verdades
na fumaça de tantos cigarros
que naquilo que então ouvia"

E mesmo quando canta o amor e a busca amorosa, Bento não deixa de emanar solidão. O amor que não deu certo, o amor que ainda não veio, o amor que ele busca, o amor que ameça se perder: o amor em Bento está sempre em outro lugar.

"Preciso de sua companhia
e às vezes passo a mão no pêlo
de um gato
como se aliviasse essa dor"

//

"Apesar de entender aquele
olhar de soslaio
não me atrevi
e mofei
com a pomba no balaio"

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Bento é todo passional. É difícil falar tanto de amor sem escorregar em versos vazios e essa tarefa se torna quase impossível se o poeta é jovem. Mas um ou outro deslize é compensado por versos fortes e inusitados, que inauguram um jeito de ver a já tão cantada busca amorosa.

"Quando caio dentro de mim
e me ligo que só saí do porto
na sua procura
isso me dói.
Me dói tanto a imaginação adoece
e choro e meu choro acorda os últimos celacantos.
E dentro de minha lágrima marinha
na derradeira
que sinto algo de continuar."

*****

Celacanto é livro de começos, de ensaio. Celacanto, bicho estranho, primitivo, que contraria o esperado e absurda a natureza. Celacanto, bicho sem-lugar, perdido no fundo de algum mar, como estes dois, Bento e Floriano, jovens peixes nas profundezas de Itajaí.

"Quem me dera
prender a tarde pelas asas
e conservá-la
profundamente em éter
ou n'álcool
dentro de um copo.

Guardá-la sempre
e proteger o azul, fundo das antenas cristalizadas.

Olhas de repente
e lá na estante
uma tarde inteira
guardada"

3 comentários:

Enzo disse...

você foi certeiro, e legal que colocou os dois na mesma linha para criticar. Muita gente já descarta de imediato o Floriano, porque o Bento já é imortal de amor.

Anônimo disse...

ducaraleo!

íta.

Vânia de Campos disse...

Congrats!