9 de março de 2020

confissões



podes ir, tranquilo
não restou um
único grão de ti comigo
nunca te contive nem
fui contido porque
isso de amor como moeda é heresia
o que se passa é que viajamos muito
roçamo-nos sempre
que foi possível
sem nunca se afanar
pois impossível
sequer pensável;
aquilo que viola omite e fere
não perturba o que se é
matéria que não se monta
remove nem desfragmenta
caminha certeira ao
ponto de ônibus mais próximo
e que vá até mais longe
no caminho as culpas
servem de passatempo
é bom jogar palavras cruzadas
& tudo que é bagunçado
onde se aprende a se equilibrar melhor
na matéria das memórias, toda ela
invenção e lacunas e areia
cada culpa uma árvore suspensa
e cada fruto a esconder uma palavra
que apodrece e emana
essa imensa sensação de que algo
foi aprendido em certo onde e quando;
nada, não fiquei com absolutamente nada
nem acho que levastes alguma coisa
é difícil alhear-se dessa ideia de que o corpo
e o que fizemos dele são feitos da mesma coisa
não são; e sequer o oposto (praias distantes, estrelas que não se reconhecem)!
o que fiz e o que fizemos não têm cheiro, não saem em fotografias
não afundam nem boiam no mar
fique tranquilo e não temas as folhas
e crisálidas e papeis de bala nem vibrações no celular
nada perturba, nada se alterou
há algo que segue, por mais que negue ainda
seu próprio nome, peso e história e só se deixe entrever
por vezes em oração, em confusa memória,
em sonho ou aleatória sensação,
que uma árvore ou palavra
- num dia estressado e vazio -
rememora






imagem: "A conversão de Santo Agostinho", de Fra Angelico.

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