10 de fevereiro de 2011

lenhadores

você me pergunta o que houve nesses últimos meses.
há alguma coisa diferente. vc me pergunta o que há.
Minto:

indaga algo sobre nuvens, sobretudo
acerca de nadas
sobre cercas que jura ter posto durante o sonho
e que já não limitam

mas é como se dissessse "que fez o tempo? que fez o tempo enquanto rachávamos lenha no quintal?" E eu lhe respondo, na mesma língua de lascas, que tens razão, que a culpa é sempre do tempo,
esse apartamento sem paredes onde moramos
como elétrons sem quem nos aparte
se batendo
e, no susto,
batizando soco de sexo
comemorando cada susto
como se convidados da noite

isso, amor, foi ele, o tempo, o nosso vizinho de porta, o que veio jejuar. foi ele, o malandro, sempre ele a nos espreitar. sempre ele, fechadura pela qual nos olhamos, eu e você, a gozar sem nossos corpos, eu e vc a gozar
contra a porta, gozo duro, seco, o que é bom, oh, sim, muito bom, rende o suficiente para o rigoroso inferno austral que faz por essas bandas. e
enquanto recolhemos gravetos te falo da formação das nuvens,
de como anda a construção das colméias e quantos amigos perdemos essa semana.
e você, companheira, pede sugestões sobre o menu: o que vamos jejuar esta noite?
sobre que belo prato fixaremos nossos olhos sem fome?
há de ser especial, pois ele vem hj, amor, o nosso vizinho, o tempo,
(esse a quem vc chama "o desgraçado", "o todo-ouvidos" ou simplesmente bufa, quando seu nome esquece.)
mas deixemos isso de lado; ele está aí
ele, querida, foi ele, tenho certeza:
que recolheu a chave escondida sob o tapete e vasculhou nossa  casa enquanto lenhávamos.
por isso essa confusão

por isso o suor doce a cama larga
por isso nossa lâmina de depilar desafinada
nosso gato agora sem nó
nossas coisas sumidas, antes pelos cantos, agora sobre a cama, agora tão larga
agora tão cedo que até nos lembramos de olhar o arrebol após o café.
por isso essa rotina mudada.

foi um ladrão um ladrão um ladrão
você repetia enquanto pratos se guardavam sozinhos
enquanto o vizinho, o tempo, caía sobre a mesa de jantar,
eu e vc a nos olhar assustados.
quem fez essa bagunça. não fomos nós. estávamos fora.
foi ele.
foi um ladrão um ladrão, vc diz, um tanto neurótica,
procurando onde se encostar
e o ventilador a levantar as folhas secas
e eu com receio de delatar os verdadeiros culpados
começo rápido
a falar sobre o duro trabalho das abelhas,
a fala a sobrepor a falha
e discorro sobre a nossa cota de lenha alcançada
e eu a te esconder, discorrendo pelos cantos,
a ameaça das nuvens
então um prato imaturo erra, vai ao chão:

céus, nós não temos quintal,
vc diz.

2 comentários:

ítalo puccini disse...

gosto dessas tuas inovações narratívicas, rsrs.

abração!

Samia disse...

Cada vez que leio gosto mais.