3 de outubro de 2009

Omnibus

Se ele andasse com elas abertas, talvez tivesse algo de pássaro.
Lotado. Como meu próprio cheiro e sinto repulsa. As mãos vão ao bolso em busca de minhas moedas. Alguém me chama. Não, não, é outro. É outro, o chamado. Eu sou quem chama. Chama, chama. Quente, quente: carro repleto de chamas e chamamentos.
A mão volta trazendo um batom. Um canivete. Uma camisinha. Um pedaço de pão velho. As moedas não são minhas. O homem ao lado fede como uma quarta-feira.
De repente, um aquário. Não mais ônibus. Sim, um aquário: cardume de rêmoras com as têmporas coladas nas janelas. Visgo. Falta água, ar: borbulhar, borbulhar. Falta coral, direção. Nadar é tudo o que temos.
Não. De repente uma boîte. No teto do carro, uma placa com os dizeres: "proibido o pole dancing. Use as barras apenas para equilibrar-se". Postes e placas: jogos de luz e concreto.
Leio um capítulo por dia do Livro da Juventude. É o que lê a senhora-gorda-de-uniforme-rosa-fraco (enfermeira?). Às vezes jornais e revistas de outros. Às vezes as curvas que fazem as bundas jovens das mulheres. Às vezes um homem bonito. Às vezes uma criança bonita. Quente, quente, quem me chama? E quem é chama?
Se o carro andasse com elas abertas, talvez me sentisse mais distante e menos só.
O carro é público. Público e indiscreto como uma vida. De repente, uma vida: uma teia repleta de nós. Nós.
O adolescente pulou a catraca e caiu no meu colo. Levei as mãos ao bolso e eram seios bem jovens. Cheiro de balas. Suor. Visgo. Sede. A mulher fechou o livro e foi como se desse um tapa. Leio jornal e estampas de camisa.
Aquela placa, aquele aviso. É uma piada. Uma provocação aos que tem desejos suicidas. Quem fez está rindo de mim.
Há uma mulher. Ela quer adivinhar meu rosto. Alguém desceu. Dois homens embarcaram. Há algo de gangorra aqui, mas não sei explicar muito bem. Vem uma música lá de fora. Há música aqui dentro. Celular. Um bêbado canta e ele nina os demais. As mãos estão dadas. Tenho sete faces, pois sete lados. Não respiro: como cheiros. Lotado.
Lotado. Apertado Apertado. Cocei meu nariz e eu já sou outra pessoa. Meu nariz é adunco e tenho 67 anos. Não, eu tenho 3 anos. Alguém me prensa. Tem uma barra, acho que é um pau, que insiste em prensar-se contra minha bunda. Uma criança, ela quer me adivinhar. Alguém coçou meu olho. Queria fechar os olhos e cantar baixinho, mas é proibido conversar com o motorista.
Tire esse pinto daqui. Quero chegar logo. Lotado, lotado. Não é para todos esse carro. Abro um livro de poemas e me sinto nu. Um bandido. Que sede. Descem mais pessoas. Subiram outras. Subiram as mesmas. Chama chama, quente quente. Lá fora, eu vejo um bando de cães passeando.
"Para sua segurança este veículo apenas se movimenta com as portas fechadas". Ai Jesus, nunca entendi essa frase.

É uma piada, né?

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