I
DO CÉU
No céu cinzento de São Paulo
as estrelas são regidas pelos dedos das crianças
No teto caiado de São Paulo
as estrelas se chocam
se fundem
queimam e são trocadas pela companhia
Novas estrelas a piscar:
é a cidade, em eterna vigília,
velando seu próprio sono
sob e sobre o céu cinzento.
II
AVENIDA BANDEIRA
Em São Paulo o tempo tem tudo
(é uma outra civilização)
Eis um processo certeiro
de evitar a reflexão
III
PRAÇA PRESSA
Aqui uma bandeira fina
plantada na lua
Acolá um bandeirante
que - dizem -
um dia cortou caminho pela lua
IV
BAR JIM MORRISON
Em São Paulo
as músicas não acabam:
sempre haverá uma luz acesa
(Na janela, uma menina solitária aguarda o silêncio)
V
AVENIDA PAULISTA
o ponto final?
ocê pega ali o horizonte
passa ele
vira a direita nos dois semáforo
aí vai, infinito a dentro,
paralelo ao arco-íris
e pega a marginal
Depois?
Depois pare e peça pra outro
que eu só sei até lá
VI
VIAS E DUTOS
Menino Brasil ganhou um presente todo embrulhado
VII
BOATE OSWALD'S
noite vagalumeia
um pouco grito um pouco mordaça
chuva e garoa
o mar lançou os pescadores para as calçadas e marquises
o som do carro vira a esquina
e bate na fome do menina
uma guitarra toca na cabeça do poeta
e sirene
e chuva e garoa
chuva-garoa
yeahyeah
chuva-garoa
ciganos e cigarros
mapas e dedos
e o jogo das lâmpadas
chuva-garoa
oh-oh
chuvoa chuvoa
rebola
evola
o poeta se esconde da poesia que o persegue
chove chuva choverando
e o poeta quer dormir nas marquises
esquinas cheias
ambulâncias cheias
bares cheios
o poeta sabe que se fechar os olhos
continuará em São Paulo
chove chuva
chuva-garoa
e a noite está apenas choverando
VIII
ROTINA
Ele acordou sem calças
sobre um telhado que não era o seu
IX
JORNAIS E BILHETES SOBRE A MESA
A bolsa caiu
ajunte-a
Mataram mais 2
quero que limpe isso antes de eu chegar!
*lembrar de aumentar os impostos e limpar o teto
O papel higiênico acabou, revela pesquisa do instituto
Vai chover. recolha a roupa.
Choverá.
As novas tendências!
As novas pendências...
Vai chovê. Recolha-se.
Choverá. Tampe as goteiras.
Comércio quente: hora de bater pernas por aí.
O ano de 2010 promete grandes mudanças.
Vc só promete. Só quer saber de abrir as pernas por aqui.
E as mudanças?
Ass. X
X
PIQUE-ESCONDE
Ninguém sabe o que procura, mas todos se acham
Ibirapuera? Esconderijo óbvio do pique-esconde paulista
Santos? Armário lotado de crianças
No escuro? Achei!
XI
DOS VALORES
Em São Paulo,
a criança o pão a bala a bala-bala o esquema a esquina a buceta a carne a vaga o aluguel o jogo a partida a revista
É tudo vendido
tudo caro
Em cada esquina tem um, dois (mil) poemas gratuitos
mas ninguém olha
todos querem um pedaço
um naco, que seja
da criança do pão da bala da bala-bala do esquema da esquina da buceta da carne da vaga do aluguel do jogo da partida da revista
pois aqui tudo é vendido
tudo é caro
e o querer é lei.
XII
EPÍSTOLA-BILHETE-EMAIL-PIXAÇÃO-POEMA para São Paulo
trago de ti fotografias escritas
e poemas desenhados
que telegrafei em cada um dos teus cantos sujos
Eu sou poeta
EU CANTO POR QUE O CANTO EXISTE!
sou poeta
E tudo isso que se foda
ninguém quer meus desenhos artesanais a vinte reais
Deixo em ti, São Paulo,
tantas outras fotografias anônimas:
películas alternativas
das pessoas-cinemas
Deixo também uma olhacópia do meu rosto pálido
a ser colado no muro maior
de tua babel de faces
São Paulo,
tantas vezes outra
São Paulo,
sempre a mesma outra
Coração da terra sem coração
Acendi mais uma estrela em teu céu
É noite.
(A sirene passou correndo e entrou dentro da boca do menino)
Eu fico aqui Paulo
Continue indo, vc.
Deixei uma estrela acesa
Deixai, deixai
é capaz de a companhia esquecê-la ligada
Deixei uma vela acesa
Deixai, deixai
mais uma para a romaria:
milhões de círios a correr no metrô
É noite,
Chove.
E não há nada de novo em teu subsolo.
Sei muito bem que os muros são pixados
por que tu não tens tempo para ler epístolas
Não peço resposta
Volto para o céu cinzazul de Joiville
te virei de cabeça pra baixo
Verso e Reverso e Inverso e Versos
E continuastes a ser sempre São Paulo
São Paulo, terra de outros,
saio de ti sendo outro
mais um entre teus milhões de outros
Não amas ninguém pois não reconhece ninguém
Sabe de teus braços. Mas não os domina.
São Paulo, já outra terra
São Paulo sirene
guitarra
bueiro
São Paulo papel de bala e mendigo no chão
É noite
Estou com sono
e ainda tonteio
sou medíocre,
esperei o sinal abrir
procurei um sorriso
paguei tudo o que devia
mas
não achei muros, São Paulo
e esse poema é só uma tentativa inútil
Atenciosamente,
Eu
12-09-09, São Paulo, dentro do ônibus.
13 de setembro de 2009
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5 comentários:
PARABÉNS, DU!
BELO POEMA SOBRE A CIDADE DE SÃO PAULO.
TENHO CERTEZA QUE DEIXASTE UMA ESTRELA ACESA NO CÉU DESTA CIDADE, MAS TAMBÉM TROUXESTE UMA DE LÁ, ACESA EM TEU CORAÇÃO.
UM GRANDE BEIJO.
ai que fófis.
*__*
'HUHU
Parabéns Eduardo,
seu poema ficou bem show, pude ir até a cidade com as suas palavras ( meu que emotiva essa frase :S)
Ah, sou mei desconfiado pra falar :#
Abraços, :B
hahaha
obrigado, cara
=D
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