13 de setembro de 2009

São Paulo

I

DO CÉU

No céu cinzento de São Paulo
as estrelas são regidas pelos dedos das crianças

No teto caiado de São Paulo
as estrelas se chocam
se fundem
queimam e são trocadas pela companhia

Novas estrelas a piscar:
é a cidade, em eterna vigília,
velando seu próprio sono
sob e sobre o céu cinzento.

II


AVENIDA BANDEIRA

Em São Paulo o tempo tem tudo
(é uma outra civilização)
Eis um processo certeiro
de evitar a reflexão

III

PRAÇA PRESSA

Aqui uma bandeira fina
plantada na lua
Acolá um bandeirante
que - dizem -
um dia cortou caminho pela lua

IV

BAR JIM MORRISON

Em São Paulo
as músicas não acabam:
sempre haverá uma luz acesa

(Na janela, uma menina solitária aguarda o silêncio)

V

AVENIDA PAULISTA

o ponto final?
ocê pega ali o horizonte
passa ele
vira a direita nos dois semáforo
aí vai, infinito a dentro,
paralelo ao arco-íris
e pega a marginal

Depois?
Depois pare e peça pra outro
que eu só sei até lá

VI

VIAS E DUTOS

Menino Brasil ganhou um presente todo embrulhado

VII

BOATE OSWALD'S

noite vagalumeia
um pouco grito um pouco mordaça
chuva e garoa
o mar lançou os pescadores para as calçadas e marquises

o som do carro vira a esquina
e bate na fome do menina

uma guitarra toca na cabeça do poeta
e sirene
e chuva e garoa

chuva-garoa
yeahyeah
chuva-garoa

ciganos e cigarros
mapas e dedos
e o jogo das lâmpadas

chuva-garoa
oh-oh
chuvoa chuvoa

rebola
evola
o poeta se esconde da poesia que o persegue
chove chuva choverando

e o poeta quer dormir nas marquises

esquinas cheias
ambulâncias cheias
bares cheios

o poeta sabe que se fechar os olhos
continuará em São Paulo

chove chuva
chuva-garoa

e a noite está apenas choverando

VIII

ROTINA

Ele acordou sem calças
sobre um telhado que não era o seu

IX

JORNAIS E BILHETES SOBRE A MESA

A bolsa caiu
ajunte-a
Mataram mais 2
quero que limpe isso antes de eu chegar!
*lembrar de aumentar os impostos e limpar o teto
O papel higiênico acabou, revela pesquisa do instituto
Vai chover. recolha a roupa.
Choverá.
As novas tendências!
As novas pendências...
Vai chovê. Recolha-se.
Choverá. Tampe as goteiras.
Comércio quente: hora de bater pernas por aí.
O ano de 2010 promete grandes mudanças.
Vc só promete. Só quer saber de abrir as pernas por aqui.

E as mudanças?

Ass. X

X

PIQUE-ESCONDE

Ninguém sabe o que procura, mas todos se acham
Ibirapuera? Esconderijo óbvio do pique-esconde paulista
Santos? Armário lotado de crianças
No escuro? Achei!

XI

DOS VALORES

Em São Paulo,
a criança o pão a bala a bala-bala o esquema a esquina a buceta a carne a vaga o aluguel o jogo a partida a revista
É tudo vendido
tudo caro

Em cada esquina tem um, dois (mil) poemas gratuitos

mas ninguém olha
todos querem um pedaço
um naco, que seja

da criança do pão da bala da bala-bala do esquema da esquina da buceta da carne da vaga do aluguel do jogo da partida da revista
pois aqui tudo é vendido
tudo é caro

e o querer é lei.

XII

EPÍSTOLA-BILHETE-EMAIL-PIXAÇÃO-POEMA para São Paulo

trago de ti fotografias escritas
e poemas desenhados
que telegrafei em cada um dos teus cantos sujos

Eu sou poeta
EU CANTO POR QUE O CANTO EXISTE!

sou poeta
E tudo isso que se foda
ninguém quer meus desenhos artesanais a vinte reais

Deixo em ti, São Paulo,
tantas outras fotografias anônimas:
películas alternativas
das pessoas-cinemas

Deixo também uma olhacópia do meu rosto pálido
a ser colado no muro maior
de tua babel de faces

São Paulo,
tantas vezes outra
São Paulo,
sempre a mesma outra

Coração da terra sem coração
Acendi mais uma estrela em teu céu

É noite.

(A sirene passou correndo e entrou dentro da boca do menino)

Eu fico aqui Paulo
Continue indo, vc.

Deixei uma estrela acesa
Deixai, deixai
é capaz de a companhia esquecê-la ligada
Deixei uma vela acesa
Deixai, deixai
mais uma para a romaria:
milhões de círios a correr no metrô

É noite,
Chove.
E não há nada de novo em teu subsolo.

Sei muito bem que os muros são pixados
por que tu não tens tempo para ler epístolas

Não peço resposta
Volto para o céu cinzazul de Joiville
te virei de cabeça pra baixo
Verso e Reverso e Inverso e Versos
E continuastes a ser sempre São Paulo

São Paulo, terra de outros,
saio de ti sendo outro
mais um entre teus milhões de outros
Não amas ninguém pois não reconhece ninguém
Sabe de teus braços. Mas não os domina.
São Paulo, já outra terra
São Paulo sirene
guitarra
bueiro
São Paulo papel de bala e mendigo no chão

É noite
Estou com sono
e ainda tonteio
sou medíocre,
esperei o sinal abrir
procurei um sorriso
paguei tudo o que devia

mas
não achei muros, São Paulo
e esse poema é só uma tentativa inútil

Atenciosamente,
Eu
12-09-09, São Paulo, dentro do ônibus.

5 comentários:

Daiane da Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daiane da Silva disse...

PARABÉNS, DU!

BELO POEMA SOBRE A CIDADE DE SÃO PAULO.

TENHO CERTEZA QUE DEIXASTE UMA ESTRELA ACESA NO CÉU DESTA CIDADE, MAS TAMBÉM TROUXESTE UMA DE LÁ, ACESA EM TEU CORAÇÃO.

UM GRANDE BEIJO.

Eduardo Silveira disse...

ai que fófis.

*__*

Robson dos Passos disse...

'HUHU
Parabéns Eduardo,
seu poema ficou bem show, pude ir até a cidade com as suas palavras ( meu que emotiva essa frase :S)
Ah, sou mei desconfiado pra falar :#
Abraços, :B

Eduardo Silveira disse...

hahaha

obrigado, cara

=D